Diante das
investigações envolvendo denúncias de ocultação de patrimônio e do recebimento
de favores de duas grandes empreiteiras, o ex-presidente Lula partiu para o
ataque. Classificando os meios de comunicação como “imprensa facciosa”, o
antigo líder sindicalista assume o papel de vítima. A respeito do famoso
tríplex do Guarujá – cujas notícias são tratadas como “invencionices” –, a
assessoria de imprensa do ex-presidente não poupa palavras: “A mesquinhez dessa
‘denúncia’, que restará sepultada nos autos e perante a História, é o final
inglório da maior campanha de perseguição que já se fez a um líder político
neste país”.
Além de
transmitir certo tom de desespero, a estratégia de defesa de Lula ultrapassa os
limites do ridículo. Tudo é superlativo. Numa semana, Lula é o maior santo da
história brasileira. “Não existe viva alma mais honesta do que eu neste País”,
afirmou no dia 20 de janeiro o ex-presidente. E ainda desafiou todos os
brasileiros de bem: “Pode ter igual, mas eu duvido”. Na semana seguinte, é o
maior perseguido político ao longo de toda a história brasileira. Subir em vida
nos altares da glória é sempre um arriscado passo.
Além disso,
seu entorno político faz questão de deixar claro que Lula não sofre de destemperança
verbal ou de arrebatamento retórico – fala acima do tom de caso pensado, para
vender a ideia de que é um coitado e está sofrendo um massacre.
Os supostos
ataques contra Lula nada mais são do que a revelação de informações de alto
interesse público: a promiscuidade do ex-operário com as grandes empreiteiras.
Revela-se também como algumas dessas empresas se esforçam por oferecer um pouco
de bem-estar ao líder político que cresceu atacando as elites. Não publicar
tais informações seria dispensar um tratamento privilegiado a quem sempre
afirmou combater os privilégios.
É
compreensível o desejo de Lula de que essas informações permanecessem ocultas.
Com seu faro político, sabe bem que essas notícias esburacam o que esperava que
fosse um fácil caminho para 2018. Certamente Lula intui como o povo – esse que
sofre as consequências da grave crise econômica, com inflação e desemprego
crescentes, e não tem a quem recorrer na hora da reforma da casa – vê tudo
isso: apartamento, sítio, cotas, reformas, barco, amizades, favores, pescarias.
A
compreensível irritação de Lula diante de todas essas notícias não justifica,
no entanto, sua metralhadora giratória contra a imprensa. Sua atitude apenas
faz abrir ainda mais o fosso entre o que ele é, de fato, e o mito do grande
estadista democrata que ele ajudou a criar para proveito próprio e da
companheirada. Democratas não agem assim. As coisas mal explicadas, mal contextualizadas,
um democrata honesto trata de explicá-las convincentemente. Lula sempre teve à
sua disposição todos os meios para informar com transparência. No tempo em que
ainda distinguia a sua realidade do mito que não parou de criar, Lula não se
cansava de dizer que devia a sua ascensão social e política ao trabalho da
imprensa. Mas ele mudou, sem deixar de ser o mesmo. Agora tenta, sem sutilezas,
fazer o povo de bobo, menosprezar sua inteligência ou seu senso comum.
A
vitimização de Lula é realmente muito perigosa, desperta talentos e instintos
bestiais. Seu fiel escudeiro, Tarso Genro, por exemplo, escreveu em sua conta
no Twitter: “A mídia faz de Lula o judeu da década, como os nazis fizeram deles
e comunas os alvos do seu ódio à democracia social. É só ler. Weimar”. Isso não
é apenas um grosseiro despropósito. É um desrespeito que atinge até mesmo quem
o proferiu, além de causar óbvios e profundos danos à verdade e à democracia.
O
ex-presidente Lula não está sendo perseguido, massacrado ou muito menos torturado.
Tem a seu dispor todos os legítimos meios de defesa característicos de um
Estado Democrático de Direito. Se não os usa, é porque não confia em sua
eficiência, ou melhor, sabe que tais meios desembocam naquilo que ele quer
evitar: a verdade. Prefere a demagogia – a arte de engabelar os trouxas.
O Estado de São Paulo, 8/2/2016
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