É incrível
a vocação centralizadora e autoritária da nossa cultura política. Todos acham
que se o Poder Executivo apresentar um projeto de lei não poderá ele ser
trabalhado com o Poder Legislativo. Quantas vezes tenho lido e ouvido, ao
mandar projeto ao Legislativo e ajustar os seus termos, que o “governo recuou”.
Grande engano.
Vivemos
numa democracia. Isso significa que o Legislativo, assim como o Judiciário
também governam. O Legislativo não é mero chancelador dos atos do Executivo. Ao
contrário. Propõe, sugere, acrescenta, modifica. Nos últimos tempos temos
procurado chegar a um consenso sobre a proposta de texto legal com as duas
Casas congressuais, a Câmara e o Senado. Estabelecemos diálogo na convicção de
que assim se exerce o poder popular descrito na Constituição federal. O
exercício do poder unitário, unipessoal só é encontrável nas ditaduras.
Mas
compreendo, sociologicamente, a nossa vocação centralizadora. Basta apanhar a
História do Brasil desde os tempos da colônia. Primeiro, ganhamos as capitanias
hereditárias, depois, o governo geral. Em seguida veio o Império, com o Estado
unitário. Depois, na República, tivemos um ciclo de 20 a 30 anos de aparente
descentralização, seguido de 20 anos de concentração. Foi assim de 1891 a 1930,
de 1930 a 1945, de 1945 a 1964 e daí até 1988.
Esses
ciclos históricos revelam que a tendência centralizadora absoluta é marca da
nossa concepção política. As pessoas sempre almejam que a União cuide de tudo e
de todos e, na União, o Executivo (sempre identificado como governo) tudo
controle. Trata-se, aliás, da tendência de considerar o Poder Executivo como
salvador da Pátria, supridor das demandas da sociedade, a cujo “poder da
caneta” os outros Poderes sempre recorrem, buscando apoio e, sobretudo,
recursos. Cientistas sociais, como Maurice Duverger, chegam a apontar a alta
concentração do poder nas mãos do comando do Executivo como uma característica
da América Latina, tradição que vem desde os tempos da colonização e da cultura
ibérica.
Nos
colonizadores concentrava-se toda a força e essa condição de certa forma se
enraizou no presidencialismo, como podemos identificar entre nós, quando a
República tomou o lugar do Império. Tornou-se bastante comum por aqui o
recorrente conceito sobre o “presidencialismo” de cunho imperial com que se
procura caracterizar a força do nosso sistema de governo, situação que deixaria
em desequilíbrio a tríade de Poderes arquitetada por Montesquieu.
É fato,
entretanto, que a democracia, entendida como governo de todos (afinal, o poder
emana do povo), é exercida pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Mas é dificilmente compreendida. Volto a registrar que a ideia reinante é de
que o Executivo produz e o Legislativo deve simplesmente aprovar. Um
contrassenso. Não é nem deve ser assim. De igual maneira, a Federação. Nela
União e Estados são autônomos. A União não pode interferir nas competências dos
Estados sob pena de inconstitucionalidade. A eles, Estados, cabem as chamadas
competências residuais. Ou seja: cabe-lhes o resíduo, o resto, do que não foi
expressamente conferido à União e aos municípios. Entre as residuais, a
principal delas é a competência para dispor sobre sua administração interna. A
organização, a estrutura, os direitos e deveres dos seus servidores constituem
o núcleo da sua competência residual. É tão grave a eventual incursão da lei
federal sobre as competências dos Estados que a Constituição federal chega a
registrar o impedimento de emenda constitucional que vise a abolir a Federação.
Ou seja, é preciso preservar a competência dos Estados (artigo 60, § 4.º, I).
Por outro
lado, a mesma Constituição prevê a intocabilidade da separação de Poderes
(artigo 60, § 4.º, III).
Faço essas
afirmações para pré-concluir: 1) é indisfarçável a nossa tendência à
concentração; 2) a nossa História assim o registra; 3) as nossas instituições
estão funcionando regularmente, sem interferência de um Poder em outro; 4)
temos, agora, a oportunidade de romper com esse ciclo histórico de agressão à
separação de Poderes e à Federação, suportes de uma democracia.
Também me
expresso dessa maneira a propósito de projeto de lei que estabelece a
repactuação da dívida dos Estados com a União, embutindo nela um teto de gastos
para os Estados. Trata-se de teto geral, passível de revisão anual apenas pelo
índice de inflação. Tal, aliás, como estamos fazendo com os limites de gastos
da União. No primeiro momento, o projeto continha regras referentes à Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF). Chegando à Câmara dos Deputados, dialogamos, conversamos,
negociamos e fizemos, por acordo, o projeto manter-se nos parâmetros
constitucionais para apresentar, logo em seguida, atualização da LRF. Tudo em
consonância com a Constituição federal, artigo 169, que autoriza que lei
complementar estabeleça limites para o pessoal ativo e inativo. No caso, o
limite de despesas primárias correntes está limitado à variação da inflação. É
quanto basta. Se os Estados decidirem criar despesas em algumas áreas, no
exercício de sua autonomia, deverão retirar esses valores de outros gastos.
Importa obedecer ao limite de gastos previsto no projeto, respaldado pelo
artigo 169 da Constituição federal.
Este
escrito se destina a evidenciar que minha conduta se respalda na Constituição
federal. Digo mais: minha formação democrática me impede gestos autoritários.
Não os praticarei. Esse é o caminho para a consolidação de um sistema
participativo que nos levará ao ajuste fiscal necessário, ao crescimento, com o
combate ao desemprego, ao desenvolvimento e à paz social, tão desejada pela
imensa maioria do povo brasileiro.
Cabe aos
críticos do governo, àqueles que aludem a “recuos”, escolher a via que desejam:
o autoritarismo, quando não há diálogo, ou a democracia. A minha escolha já
está feita. Dela não me desviarei.
Michel
Temer, presidente da República em exercício
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