quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Quando a instituição prevalece


Habituado a servir-se das instituições republicanas em benefício de seus interesses e conveniências políticas, o lulopetismo sofreu mais um fragoroso revés na sessão plenária do Senado Federal que transformou Dilma Rousseff em ré do processo de impeachment, colocando-a, finalmente, a um passo de ser definitivamente afastada da Presidência da República. Na condição de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), investido, por disposição constitucional, na condução dos trabalhos, o ministro Ricardo Lewandowski frustrou todas as tentativas da tropa dilmista de obstruir a sessão. O ministro se comportou com imparcialidade, serenidade e firmeza e, logo na abertura dos trabalhos, recomendou aos senadores, que ali estavam na condição de juízes, “atuar com independência, pautando-se exclusivamente pelos ditames das consciências e pelas normas legais”. Não foi exatamente o que aconteceu, como vieram a demonstrar as bisonhas tentativas procrastinatórias de quem talvez imaginasse que poderia contar com a cumplicidade de um ministro-companheiro. Mas o desempenho de Lewandowski demonstrou seu compromisso com a solidez institucional que é indispensável à estabilidade do regime democrático.

O fato de ter sido nomeado para a Suprema Corte pelo então presidente Lula da Silva e sua atuação como revisor do processo do mensalão, que frequentemente o colocou em conflito com o ministro-relator Joaquim Barbosa, levantaram dúvidas sobre se Lewandowski favoreceria o PT. Já a partir de sua eleição para a presidência da Suprema Corte, porém, e especialmente depois de aberto o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, Lewandowski demonstrou claramente que, se cultivava preferências partidárias, era capaz de mantê-las apartadas de suas responsabilidades como magistrado.

Já os militantes petistas, dentro e fora do Congresso, aferrados à convicção de que são os únicos representantes legítimos “do povo” e por isso podem contar com a indulgência geral e divina para lançar mão de qualquer meio para atingir seus objetivos, não se embaraçam com detalhes éticos e morais. Uma demonstração prática desse modo de pensar e agir tem sido dada pela tropa de choque dilmista ao longo de toda a tramitação, no Congresso Nacional, do processo de impeachment. Desde a classificação de “golpe” imposta a um processo que tem o apoio do Congresso Nacional e segue um rito determinado pelo STF, passando pela pecha de “usurpador” que procura colar à imagem de um vice-presidente da República constitucionalmente investido no exercício da Presidência, o lulopetismo não tem o menor escrúpulo de “partir para cima” de tudo e todos que a ele se opõem.

E foi seguindo essa linha suicida de comportamento que os defensores de Dilma – na verdade, defensores, acima de tudo, de sua própria sobrevivência política – tiveram o descaramento de, provavelmente iludidos com a possibilidade de contar com a indulgência de um ministro-companheiro, levantar naquela sessão do Senado questões de ordem despropositadas como as destinadas a, simplesmente, suspender o processo contra Dilma ou, pelo menos, adiar a votação programada para permitir a realização de “novas e importantes diligências”. Essas tentativas despudoradas e bisonhas de tumultuar os trabalhos – e garantir exposição diante das câmeras de televisão – foram firme e serenamente rechaçadas pelo ministro Ricardo Lewandowski. Só falta agora a tigrada acusá-lo de “traição”.


Este lamentável episódio do impeachment completa três meses desde o afastamento provisório da Presidência da “mulher honesta” que começa a ganhar visibilidade na Operação Lava Jato. É uma nódoa que só será extinta com o tempo e a união dos brasileiros em torno do enorme desafio de tirar o País da crise em que foi jogado por Dilma e seu mestre e criador arrependido. Menos mal que o Brasil ainda pode contar com instituições sólidas, como ficou demonstrado na histórica sessão do Senado de terça-feira.

O Estado de São Paulo, 11/8/2016

terça-feira, 9 de agosto de 2016

A democracia


É incrível a vocação centralizadora e autoritária da nossa cultura política. Todos acham que se o Poder Executivo apresentar um projeto de lei não poderá ele ser trabalhado com o Poder Legislativo. Quantas vezes tenho lido e ouvido, ao mandar projeto ao Legislativo e ajustar os seus termos, que o “governo recuou”. Grande engano.

Vivemos numa democracia. Isso significa que o Legislativo, assim como o Judiciário também governam. O Legislativo não é mero chancelador dos atos do Executivo. Ao contrário. Propõe, sugere, acrescenta, modifica. Nos últimos tempos temos procurado chegar a um consenso sobre a proposta de texto legal com as duas Casas congressuais, a Câmara e o Senado. Estabelecemos diálogo na convicção de que assim se exerce o poder popular descrito na Constituição federal. O exercício do poder unitário, unipessoal só é encontrável nas ditaduras.

Mas compreendo, sociologicamente, a nossa vocação centralizadora. Basta apanhar a História do Brasil desde os tempos da colônia. Primeiro, ganhamos as capitanias hereditárias, depois, o governo geral. Em seguida veio o Império, com o Estado unitário. Depois, na República, tivemos um ciclo de 20 a 30 anos de aparente descentralização, seguido de 20 anos de concentração. Foi assim de 1891 a 1930, de 1930 a 1945, de 1945 a 1964 e daí até 1988.

Esses ciclos históricos revelam que a tendência centralizadora absoluta é marca da nossa concepção política. As pessoas sempre almejam que a União cuide de tudo e de todos e, na União, o Executivo (sempre identificado como governo) tudo controle. Trata-se, aliás, da tendência de considerar o Poder Executivo como salvador da Pátria, supridor das demandas da sociedade, a cujo “poder da caneta” os outros Poderes sempre recorrem, buscando apoio e, sobretudo, recursos. Cientistas sociais, como Maurice Duverger, chegam a apontar a alta concentração do poder nas mãos do comando do Executivo como uma característica da América Latina, tradição que vem desde os tempos da colonização e da cultura ibérica.

Nos colonizadores concentrava-se toda a força e essa condição de certa forma se enraizou no presidencialismo, como podemos identificar entre nós, quando a República tomou o lugar do Império. Tornou-se bastante comum por aqui o recorrente conceito sobre o “presidencialismo” de cunho imperial com que se procura caracterizar a força do nosso sistema de governo, situação que deixaria em desequilíbrio a tríade de Poderes arquitetada por Montesquieu.

É fato, entretanto, que a democracia, entendida como governo de todos (afinal, o poder emana do povo), é exercida pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas é dificilmente compreendida. Volto a registrar que a ideia reinante é de que o Executivo produz e o Legislativo deve simplesmente aprovar. Um contrassenso. Não é nem deve ser assim. De igual maneira, a Federação. Nela União e Estados são autônomos. A União não pode interferir nas competências dos Estados sob pena de inconstitucionalidade. A eles, Estados, cabem as chamadas competências residuais. Ou seja: cabe-lhes o resíduo, o resto, do que não foi expressamente conferido à União e aos municípios. Entre as residuais, a principal delas é a competência para dispor sobre sua administração interna. A organização, a estrutura, os direitos e deveres dos seus servidores constituem o núcleo da sua competência residual. É tão grave a eventual incursão da lei federal sobre as competências dos Estados que a Constituição federal chega a registrar o impedimento de emenda constitucional que vise a abolir a Federação. Ou seja, é preciso preservar a competência dos Estados (artigo 60, § 4.º, I).
Por outro lado, a mesma Constituição prevê a intocabilidade da separação de Poderes (artigo 60, § 4.º, III).

Faço essas afirmações para pré-concluir: 1) é indisfarçável a nossa tendência à concentração; 2) a nossa História assim o registra; 3) as nossas instituições estão funcionando regularmente, sem interferência de um Poder em outro; 4) temos, agora, a oportunidade de romper com esse ciclo histórico de agressão à separação de Poderes e à Federação, suportes de uma democracia.

Também me expresso dessa maneira a propósito de projeto de lei que estabelece a repactuação da dívida dos Estados com a União, embutindo nela um teto de gastos para os Estados. Trata-se de teto geral, passível de revisão anual apenas pelo índice de inflação. Tal, aliás, como estamos fazendo com os limites de gastos da União. No primeiro momento, o projeto continha regras referentes à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Chegando à Câmara dos Deputados, dialogamos, conversamos, negociamos e fizemos, por acordo, o projeto manter-se nos parâmetros constitucionais para apresentar, logo em seguida, atualização da LRF. Tudo em consonância com a Constituição federal, artigo 169, que autoriza que lei complementar estabeleça limites para o pessoal ativo e inativo. No caso, o limite de despesas primárias correntes está limitado à variação da inflação. É quanto basta. Se os Estados decidirem criar despesas em algumas áreas, no exercício de sua autonomia, deverão retirar esses valores de outros gastos. Importa obedecer ao limite de gastos previsto no projeto, respaldado pelo artigo 169 da Constituição federal.

Este escrito se destina a evidenciar que minha conduta se respalda na Constituição federal. Digo mais: minha formação democrática me impede gestos autoritários. Não os praticarei. Esse é o caminho para a consolidação de um sistema participativo que nos levará ao ajuste fiscal necessário, ao crescimento, com o combate ao desemprego, ao desenvolvimento e à paz social, tão desejada pela imensa maioria do povo brasileiro.

Cabe aos críticos do governo, àqueles que aludem a “recuos”, escolher a via que desejam: o autoritarismo, quando não há diálogo, ou a democracia. A minha escolha já está feita. Dela não me desviarei.

Michel Temer, presidente da República em exercício

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Como se autodestruir por completo


“Nunca entre num lugar de onde tão poucos conseguiram sair”, alertou Adam Smith. “A consciência tranquila ri-se das mentiras da fama”, cravou o romano Ovídio. 

E na contramão de todos está alguém que abriu mão de si mesmo pelo poder. Lula construiu uma história de vida capaz de arrastar emoções e o levar à presidência. Agora, de modo desprezível, o mesmo Lula destrói-se por completo.
Não é preciso resgatar o tríplex, o sítio ou os R$ 30 milhões em “palestras” para atestar a derrocada do ex-presidente. Basta tão somente reparar a figura pitoresca na qual Lula se tornou.
O operário milionário sempre esbanjou o apoio popular e tomou para si o mérito de salvar o país da miséria. Contudo, junto disso, entregou-se aos afetos das maiores empreiteiras, não viu mal em lotear a máquina pública, nem constrangeu-se em liderar uma verdadeira organização criminosa.
Sem hesitar, brincou com os sonhos do povo e fez de seu filho, ex-faxineiro de zoológico, um megaempresário. Aceitou financiamentos regados à corrupção, fez festa junina pra magnatas e mentiu, mentiu e mentiu. O resultado, enfim, chegou: ao abrir mão de si mesmo, Lula perdeu o povo.
Pelas ruas, o ex-presidente é motivo de indignação e fonte de piadas. Lula virou chacota, vergonha, deboche. Restou-lhe a militância do pão com salame e aqueles que tratam a política com os olhos da fé messiânica.
Seu escárnio da lei confirma sua queda. Lula ainda enxerga o Brasil como um rebanho de gados e não percebe que está só, cercado por advogados que postergam seu coma moral. Enquanto ofende o judiciário e todos aqueles que não beijam seus pés, Lula trancafia-se na bolha de quem ainda acredita que meia dúzia de gritos e cuspes podem apagar os fatos.
O chefe entrou num mundo sem saída, trocou sua consciência pelo poder e corrompeu-se até dissolver sua essência. Lula morreu faz tempo. Restou-lhe, apenas, uma carcaça podre que busca a vida eterna no inferno de si mesmo.

Gabriel Tebaldi (graduado em História pela Ufes)
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