segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Lula foi deposto da regência da República

Por Jorge Araujo/Folhapress, a imagem que os historiadores
 do futuro não poderão ignorar
Em 23 de novembro, uma segunda-feira, Lula soube que o governo não tem dinheiro em caixa sequer para garantir o cafezinho de dezembro. Na terça, 24, soube que o amigo José Carlos Bumlai virou passageiro de camburão. Na quarta, 25, soube que o companheiro Delcídio do Amaral fizera uma coisa tão imbecil que, além de perder o próprio direito de ir e vir, transferiu para uma cela em Bangu 1 o banqueiro André Esteves. Na quinta, 26, soube que o filho caçula pesca na Wikipedia “trabalhos de consultoria” encomendados por lobistas dispostos a pagar R$ 2,4 milhões por entulhos cibernéticos.

Na sexta-feira, 27 de novembro, Lula soube que Delcídio está pronto para contar o muito que sabe aos condutores da Operação Lava Jato. No fim de semana, soube do vexatório desempenho na pesquisa Datafolha. Se a eleição presidencial fosse realizada agora, seria derrotado por qualquer um dos principais adversários possíveis ─ com uma votação semelhante às obtidas nos duelos com Fernando Henrique Cardoso. O chefe supremo da seita companheira também soube que a corrupção (sinônimo do PT, que é sinônimo de Lula) agora lidera o ranking dos mais aflitivos problemas do país.

Há pouco menos de um mês, o ex-presidente nomeou-se Regente da República, ordenou à rainha sem rumo que fosse brincar de Maria II em outras freguesias e reassumiu ostensivamente a chefia do governo. Os 20 dias seguintes foram consumidos em conluios cafajestes, barganhas repulsivas, meia dúzia de discurseiras para plateias amestradas e duas entrevistas que só serviram para confirmar que faltam álibis para tantos crimes. Alguém precisa dar-lhe a má notícia: por decisão do Brasil decente, o regente da nação foi deposto.

Além de Lula e seu rebanho, ainda não entenderam que o país mudou os integrantes da tribo que repete de meia em meia hora a ladainha exasperante: “Está tudo dominado”. Depois do assombroso 25 de novembro, mesmo os derrotistas profissionais e os vesgos por opção deveriam enxergar a guinada histórica. Naquela quarta-feira, os dominadores decadentes fizeram o que desejavam os antigos dominados, que se tornaram majoritários e hoje têm o bastão de mando ao alcance da mão.

Os movimentos no palco foram impostos pela opinião pública, que traduziu a vontade da imensidão de indignados que exigem o imediato encerramento da era da canalhice. Se tudo estivesse dominado, Bernardo Cerveró não perderia tempo gravando conversas bandidas para municiar a Procuradoria Geral da República, Rodrigo Janot não se animaria a pedir ao Supremo a prisão do senador Delcídio do Amaral, o ministro Teori Zavascki não determinaria à Polícia Federal que engaiolasse o líder da bancada governista na Casa do Espanto. Nem teria o apoio unânime da 2 ª Turma do STF para autorizar, pela primeira vez no Brasil democrático, a captura de um senador no exercício do cargo.

Se tudo estivesse dominado, Delcídio e o banqueiro André Esteves não acordariam com a notícia de que a impunidade chegara ao fim, os senadores endossariam o plano de Renan Calheiros para desmoralizar o Supremo e usariam o voto secreto para libertar o colega encarcerado. Rejeitaram por ampla maioria a votação clandestina e aprovaram as deliberações do STF por saberem que eram mantidos sob estreita vigilância, desde o começo da tarde, por multidões de eleitores grudados na TV. Pouco importa se o o roteiro original era outro, é irrelevante saber se os atores agiram a contragosto. A plateia descobriu que manda.

A soma de derrotas amargadas pelos vigaristas tornou inevitável a deposição do regente Lula. Foi a maior demonstração de força da oposição real. Pena que tantos vitoriosos ainda não saibam disso.

Augusto Nunes, 30/11/2015

sábado, 28 de novembro de 2015

A coreografia das trevas


Millôr Fernandes escreveu certa vez que “tarado é uma pessoa normal surpreendida em flagrante”, sugerindo que o ser humano, na sua dualidade, abriga zonas de sombra que, em alguma medida, o levam a práticas e desejos inconfessáveis.

“Se as pessoas pudessem ler o pensamento umas das outras, ninguém se cumprimentava”, resumiu Nélson Rodrigues.

O preâmbulo vem a propósito do senador Delcídio do Amaral, líder do governo, flagrado esta semana em prática, que, embora obscena e criminosa, não é estranha a quem circula no meio político – hoje e em qualquer tempo, aqui e em toda parte, mas hoje, convenhamos, mais aqui que em qualquer tempo ou qualquer parte. Que o digam os investigadores da Lava Jato.

A História mostra que a saga humana se decide mais nos bastidores e subterrâneos que no palco iluminado dos plenários e tribunas. Prevalece, frequentemente, a coreografia das trevas.

Delcídio foi, digamos, ao banheiro sem perceber que a porta estava aberta. Suas excreções morais foram captadas por um gravador – e foi essa circunstância, providenciada previamente por seu interlocutor, Bernardo, filho do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, que deflagrou o desastre em que está metido.

Não fosse isso, e teria saído sorridente da conversa, exibindo todo o prestígio de seu cargo e reputação, na certeza de que cumprira apenas mais um ato rotineiro do que se convencionou chamar de “negociação política” - ou quem sabe “missão política”.

Ele, de fato, era tido, por aliados e adversários, como um grande articulador; daí ser o líder do governo.

A reação no meio político evoca mais uma falha técnica que moral. Lula chamou-o de “imbecil” e classificou de “burrada” o que fez (desmentiu posteriormente, mas há diversas testemunhas de seu desabafo, segundo a Folha de S. Paulo). Foi, em síntese, um amador. Rui Falcão, presidente do PT, limitou-se a dizer que não se solidarizava pois “ele não estava em missão partidária”. Ah, bom.

Não houve, nos dois casos, condenação moral. No próprio Senado, que não teve como revogar a prisão, seus colegas confessavam estar constrangidos, mas ressaltavam ser ele um grande sujeito, um amigão e parlamentar competente.

Não era momento para elogios, de onde se deduz que, acima da condenação, ouviu-se um lamento – e um sinal preocupante de que a taxa de imunidade parlamentar perdeu substância. Houve ainda quem votasse por sua libertação: 13 senadores, ironicamente o número da legenda do PT, partido do condenado.

A presidente Dilma, informam os jornais, estaria preocupada – afinal, era o seu líder - com “as mentiras que ele poderá dizer”, pondo assim em cena um inédito desmentido prévio.

A preocupação, com certeza, é outra: é com as verdades que, em circunstância extrema, quem já perdeu tudo poderá revelar, em busca de atenuar sua pena. A Lava Jato tem levado à delação premiada gente habituada a conviver com o sigilo.

Delcídio, que deverá perder o mandato de senador, não é um político qualquer: era o líder não do PT, mas do governo – amigão do Lula e da presidente. Encontrava-se com Lula semanalmente. Por isso, deixa uma dúvida no ar: estaria em missão pessoal ou, digamos, política?

Afinal, o que engendrou – o silêncio e a fuga de um detento que é uma caixa preta de Dilma e Lula nos escândalos da Petrobras – não interessava apenas a ele, Delcídio. E qualquer investigação policial parte sempre de uma pergunta: a quem interessa o crime?

Entre as “falhas técnicas” cometidas pelo senador, uma selou o seu destino: a de ter se referido nominalmente a ministros do STF, o que resultou no rito sumário de sua prisão.

Ele, na gravação, tenta convencer o filho de Cerveró de que conseguiria emplacar um habeas corpus, pois tinha prestígio com alguns ministros. E os cita. Estes, diante disso, não tinham saída senão proclamar isenção, condenando-o.

Delcídio, assim, acabou prestando involuntariamente um serviço público: o STF, que já foi acusado de tentar melar a Lava Jato, com o fatiamento do processo, não tem agora como recuar da indignação exibida em relação a esse caso.

Num momento como este, de grave crise moral, nada como uma Corte Suprema indignada. Grato, Delcídio.

Isso poderá acelerar – espera-se que sim – ações análogas em relação a outros parlamentares, implicados na Lava Jato. O ineditismo de um senador preso em pleno exercício do mandato poderá perder essa conotação em breve.


Mais: a delação premiada de Nestor Cerveró, o homem-chave da negociata de Pasadena – que o então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli considerou “um bom negócio” -, poderá estimular outras; a do próprio Delcídio, pressionado pela família a contar a história completa. Não convém contrariar a família.

Ruy Fabiano, 28/11/2015

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

República de bandidos


Ninguém melhor do que a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, para expressar o sentimento de frustração que atinge em cheio os brasileiros: “Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós acreditou no mote segundo o qual a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 (o mensalão) e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora constata-se que o escárnio venceu o cinismo”. Nessa síntese está toda a trajetória dos embusteiros petistas que, desde a primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, prometeram fazer uma revolução ética e social no Brasil e agora, pilhados em escabrosos casos de corrupção, caçoam da Justiça e da própria democracia.

O mais recente episódio dessa saga indecente, ao qual Cármen Lúcia aludia, envolveu ninguém menos que o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral. Em conluio com o banqueiro André Esteves, o petista foi flagrado tentando comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, que ameaçava contar o que sabia sobre a participação de ambos no petrolão.

As palavras de Delcídio, capturadas em áudio gravado por um filho de Cerveró, são prova indisputável da naturalidade com que políticos e empresários se entregaram a atividades criminosas no ambiente de promiscuidade favorecido pelo governo do PT. Como se tratasse de uma situação trivial – a conversa termina com Delcídio mandando um “abraço na sua mãe” –, um senador da República oferece dinheiro e uma rota de fuga para que o delator que pode comprometê-lo e a seu financiador suma do País. Os detalhes são dignos de um arranjo da Máfia e desde já integram a antologia do que de mais repugnante a política brasileira já produziu.

Delcídio garantiu a seus interlocutores que tinha condições de influenciar ministros do Supremo Tribunal Federal e políticos em posições institucionais destacadas para que os objetivos da quadrilha fossem alcançados. O senador traficou influência. Mas o fato é que, hoje, as ramas corruptas que brotam do sistema implantado pelo PT se insinuam por toda a árvore institucional – com raras e honrosas exceções, entre elas o Supremo, que vem demonstrando notável independência.

Exemplo do contágio é que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estão sendo investigados pela Lava Jato. A nenhum dos dois ocorreu renunciar a seus cargos para que não sofressem a tentação de usar seu poder para interferir no processo, como já ficou claro no caso de Cunha. Renan, desta vez, tentou manobrar para que fosse secreta a votação do Senado que decidiria sobre a manutenção da prisão de Delcídio, na presunção de que assim os pares do petista o livrariam, criando uma blindagem para os demais senadores – a começar por ele próprio. Temerosos da opinião pública, os senadores decidiram votar às claras e manter Delcídio preso.

Enquanto isso, o PT, com rapidez inaudita, procurou desvincular-se de Delcídio, dizendo que o partido “não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade”, já que o senador, segundo a direção petista, agiu apenas em favor de si próprio. Se Delcídio tivesse cometido seus crimes para abastecer os cofres do PT, seria mais um dos “guerreiros do povo brasileiro”, como os membros da cúpula do partido que foram condenados no mensalão e no petrolão.

O PT e o governo não enganam ninguém ao tentar jogar Delcídio aos leões. O senador era um dos principais quadros do partido, era líder do governo no Senado e um dos parlamentares mais próximos da presidente Dilma Rousseff e de Lula. Sua prisão expõe a putrefação da política proporcionada pelo modo petista de governar.

Também ninguém melhor do que a ministra Cármen Lúcia, que resumiu a frustração dos brasileiros de bem, para traçar o limite de desfaçatez e advertir a canalha que se adonou da coisa pública sobre as consequências de seus crimes: “O crime não vencerá a Justiça” e os “navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades” não passarão “a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção”. É um chamamento para que os brasileiros honestos não aceitem mais passivamente as imposturas dos ferrabrases que criaram as condições para que se erigisse aqui uma desavergonhada república de bandidos.

Opinião, O Estado de São Paulo, 27/11/2015

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Prisão de Delcídio Amaral é uma punhalada no PT


Surpresa! Nem Eduardo Cunha, nem Renan Calheiros... O primeiro senador preso no exercício do mandato foi, nada mais, nada menos, o líder do governo Dilma Rousseff no Senado, Delcídio Amaral. Se já é um escândalo em si, torna-se ainda mais grave no contexto do mensalão e da Lava Jato, com figuras simbólicas do PT presas, o grande líder do partido acuado e o governo fazendo água por todos os lados.

Além do ineditismo da prisão de um senador com mandato, destaque-se que Delcídio nunca foi alvo prioritário do procurador Rodrigo Janot e tinha acabado de se livrar das suspeitas da Lava Jato, meses antes, por falta de provas. Foi ele próprio quem se atirou de cabeça numa operação suicida. Como senador, Delcídio não poderia ser preso a não ser em flagrante. Pois não é que ele tratou de providenciar esse flagrante e dá-lo de bandeja para a PF, o MP e o Supremo?

A acusação contra o líder do governo não foi mais a de que ele andou passando a mão em dinheiro da Petrobrás para se locupletar. Seu novo crime foi o de obstrução da Justiça, depois de, em desespero, ter caído na armadilha do filho de um cidadão preso e envolvido até a medula no roubo da Petrobrás.

Foi isso, a tentativa de impedir as investigações, que garantiu a votação unânime da 2ª Turma do Supremo a favor da prisão do senador. Agora, além de responder por obstrução de justiça, vai ter de esclarecer o que tanto tem a esconder.

Homem afável, político negociador, boa “fonte” para jornalistas, Delcídio sempre foi respeitado no Congresso e transitou muito bem entre PT e PSDB, governo e oposição. Torna-se, lamentavelmente, um novo Demóstenes Torres. O tombo é de igual tamanho.

Ex-ministro de Itamar Franco, ex-diretor da Petrobrás na era FHC, líder até do governo Dilma no Senado até esta quarta-feira, 25, Delcídio está politicamente morto antes até que Eduardo Cunha.

Suicidou-se pela ganância, pela esperteza, enfim, pelo escárnio de tentar comprar um bandido preso. Nem sempre bandidos que roubam ou compram bandidos têm cem anos de perdão...

Mas, muito além de Delcídio, o principal réu, ou vítima, desta quarta-feira  foi o PT. Não é trivial que tenham sido presos dois ex-presidentes, dois ex-tesoureiros, um ex-presidente da Câmara, um ex-vice-presidente da Câmara e agora o líder do governo de um mesmo partido, há treze anos no poder.

Numa referência direta à era PT, a ministra Cármen Lúcia condenou e lamentou nesta quarta-feira: “Houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou no mote de que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 (mensalão) e descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo”.

Dilma trocou uma solenidade aberta por um evento a portas fechadas. O PT lavou as mãos. Lula... 

Cadê Lula?! Em fila, ministros e líderes trataram de tentar se descolar dele, da sua tragédia.

Só que... Delcídio é do PT, líder do governo e não é caso isolado nem foi vítima de direitistas ou marcianos, mas sim alvo (e provável réu) do Supremo. A sua prisão não é só um foco de tensão entre Judiciário e Legislativo, mas também mais uma punhalada no PT, desfigurando ainda mais a imagem do partido e do seu governo na opinião pública, justamente quando o grande líder Lula enfrenta investigações sobre o filho, o amigão, ministros, correligionários. E a caixa-preta do BNDES mal começou a ser aberta...


Eliane Cantanhêde, O Estado de São Paulo, 26/11/2015

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A aula do professor Lula


No 30.º Congresso Nacional da Juventude do PT, o ex-presidente Lula revelou qual é seu sonho: “O ideal de um partido é que ele pudesse ganhar a Presidência da República, 27 governadores, 81 senadores e 513 deputados sem se aliar a ninguém”.
Eis aí, sem meias-palavras, aquele que diz ter sido o “mais republicano” de todos os presidentes e que reiteradas vezes declara que “ninguém fez mais pela democracia do que nós (os petistas) na história deste país”. Não se tratou de um ato falho. A esta altura, já está claro para todos, a começar pelos próprios aliados do PT no governo, que o desejo de Lula foi, é e sempre será governar sozinho, sem ter de dar satisfação a quem quer que seja, numa negação do próprio espírito da democracia.

Foi essa a aula de autoritarismo que o professor Lula ministrou para a turma jovem do PT. Mestre em descaramento, o ex-presidente admitiu que, como existem outros partidos políticos que também ganham votos, então é o caso de “aceitar o resultado e construir a governabilidade”. Assim, Lula tentou justificar a aliança com o PMDB, repudiada pelos militantes petistas no encontro.

Por “construir a governabilidade”, como comprovam os escândalos envolvendo o PT e seus aliados, entenda-se dividir o butim estatal para financiar a perpetuação no poder e, de quebra, enriquecer a tigrada. “Entre a política e o sonho, entre o meu desejo ideológico partidário e o mundo real da política, tem uma distancia enorme. Precisamos aceitar e fazer alianças, em nome da governabilidade”, pontificou Lula, sugerindo que o PT não teve alternativa senão juntar-se à escumalha do Congresso para governar, já que não ganhou a eleição sozinho.

O Lula que articulou esse presidencialismo de cooptação, corrupto por definição, é o mesmo Lula que exortou os jovens militantes petistas a acreditarem na política. Ele se disse preocupado com a “tentativa de setores dos meios de comunicação e da sociedade de induzir a sociedade brasileira a não gostar de política”. Para o chefão petista, a imprensa “trabalha para mostrar que a política está apodrecida”.

Mais uma vez, Lula atribui a terceiros – os tais “setores dos meios de comunicação e da sociedade” – a responsabilidade pelo colapso moral que se abateu sobre a política nacional, para a qual o mensalão, o petrolão e outros tantos escândalos contribuíram de forma decisiva. Lula quer fazer o País acreditar que a corrupção que carcome a política – resultado direto do jogo sujo lulopetista – só existe porque a imprensa a noticia e porque parte da sociedade contra ela se revolta.

Além disso, Lula também quer fazer acreditar que a desastrosa situação política e econômica do País é resultado não da incompetência da presidente Dilma Rousseff, mas de sabotagem de oposicionistas, que “perderam e não souberam perder”. Sem corar, ele exortou os correligionários a “ajudar a Dilma a sair da encalacrada em que a oposição nos colocou”.

É com lições desse tipo que Lula pretende formar uma nova geração de petistas, à sua imagem e semelhança – isto é, gente que aceita a ruína da política como um fato da vida, que se aproveita disso da melhor maneira possível para conquistar e preservar o poder e que, se flagrada dilapidando o erário por corrupção ou inépcia, culpa a imprensa que, ora vejam, insiste em investigar os malfeitos e torná-los públicos.

Os ensinamentos do mestre Lula já começam a dar frutos. No tal congresso da juventude petista, havia um cartaz em que José Dirceu, José Genoino, João Vaccari Neto, Delúbio Soares e João Paulo Cunha, todos condenados por corrupção, foram retratados como “guerreiros do povo brasileiro”, injustamente condenados graças à pressão da mídia.

“São presos políticos”, disse Maria Beatriz da Silva Sato Rosa, de 20 anos, neta de Lula, mostrando que quem sai aos seus não degenera e que os novos petistas aprenderam direitinho a principal lição do líder: fingir-se de vítima de um sistema feito para criminalizar o PT. E tudo porque, segundo a jovem herdeira de Lula, “eles têm medo de que ele volte”.

Opinião, O Estado de São Paulo, 24/11/2015

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Um baque para a esquerda latina

Mauricio Macri, durante votação neste domingo em Bueno Aires
A vitória de Maurício Macri nas eleições para a presidência da Argentina (acima, ele ao votar) põe fim a 12 anos conhecidos como Era Kirchner, um período em que o país se transformou numa espécie de paraíso da heterodoxia econômica, misturada ao populismo típico dos peronistas, à progressiva irrelevância no cenário internacional e a tentativas frequentes – embora nem sempre bem-sucedidas – de controlar o Judiciário e a imprensa. Trata-se, também, de um baque para a esquerda latino-americana, acostumada a ídolos populistas e a ver os “hermanos” como aliados no combate ao “imperialismo ianque”.

Se você anda chocado com o resultado cada vez pior da política econômica implantada no governo da presidente Dilma Rousseff, é bom lembrar que nada se compara a Cristina Kirchner. O efeito Orloff – piada baseada naquela propaganda de vodca cujo slogan era “eu sou você amanhã” – aparentemente continua valendo: os argentinos estão anos adiante do Brasil no caminho da bancarrota. Basta lembrar que a Argentina vive há mais de dez anos na tal “nova matriz econômica”, aquela que preconiza mais gastos públicos para fazer a economia crescer, foi implantada no primeiro governo Dilma e é defendida até hoje pelos economistas heterodoxos e pelos desinformados nas páginas dos nossos jornais.

Lá, o resultado disso foi o previsível. A inflação é estimada em 25% – estimada porque os índices oficiais não são confiáveis desde que o governo interveio no IBGE argentino, o Indec, para manipular os cálculos. O país não sabe direito o que é crescimento econômico desde 2012, ano que marca o esgotamento no ciclo de alta no preço de commodities globais como soja e petróleo. A classe média portenha flerta com a pobreza há anos, e a miséria se espalha pelas províncias mais pobres, onde boa parte da população é sustentada pelas políticas sociais do governo. Cerca de 40% da população argentina recebe uma pensão, salário ou benefício do Estado, parcela que dobrou desde Cristina assumiu o poder em 2007.

Déficit público, porém, é com a Argentina mesmo. O resultado fiscal como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) vem piorando ano após ano pelo menos desde 2008 – de um superávit de 1% para um déficit de 6% este ano. O dólar no câmbio paralelo, ou “dólar azul, como é chamado por lá, tinha, até as eleições, uma cotação 70% superior ao câmbio oficial. As reservas cambiais estão perto do fim. Não há acordo para a renegociação da dívida externa, pois vários credores não aceitaram os termos do calote dado por Cristina. Com isso, a Argentina não tem crédito na praça.

Ao longo de 12 anos, o populismo introduziu no léxico argentino um vocabulário próprio – os “abutres” (fundos que não aceitam os termos de renegociação), a “década ganha” (cínico apelido dado por ela à Era Kirchner), a “mesa dos argentinos” (outra expressão cínica usada para justificar o controle das importações, de modo a privilegiar a produção local), além de tiradas como “medir a pobreza estigmatiza” ou “matriz produtiva diversificada com inclusão social”. Todo esse linguajar acabava se resumindo a uma única letra: K, de Kirchner.

Com a eleição de Macri, a Argentina deverá adotar um alfabeto mais plural e um novo vocabulário. Ele é o primeiro presidente não oriundo nem da ala peronista nem da radical, que dominam a política argentina há décadas. Sua chapa, a Cambiemos, foi eleita com base em uma plataforma de tons liberais, contrária ao controle do comércio ou dos capitais. Deverá promover mudanças pró-mercado, como o fim do controle cambial. Mas Macri já afirmou que não mexerá nos programas sociais, nem reverá nacionalizações, como as dos fundos de pensão e da petrolífera YPF.

A principal mudança deverá ser a adoção de uma postura mais institucional diante da imprensa e do poder Judiciário. Ele não tem o perfil bolivariano do casal Kirchner. Na política externa, é esperado o afastamento da Argentina do eixo formado por Venezuela, Bolívia e Equador. Tanto Macri quanto o derrotado Scioli disseram que gostariam de voltar a se aproximar mais dos Estados Unidos. É um movimento que também tende a beneficiar o Brasil. É, por fim, absolutamente inverossímil que Macri se enrole tanto quanto Cristina se enrolou numa investigação policial – prestes a denunciar Cristina por acobertar o papel do Irã em dois atentados terroristas em Buenos Aires, o promotor Alberto Nisman foi encontrado morto em condições misteriosas.

Filho de um empresário, Macri foi vítima de um sequestro violento em 1991, que só terminou quando seu pai pagou o resgate de US$ 6 milhões. Por 12 anos, até 2007, era famoso como o presidente do time de futebol Boca Juniors. Jamais foi conhecido pelo carisma, pelo bom humor ou pelo dom para a oratória. Entrou na política como deputado, depois foi eleito prefeito de Buenos Aires. Fez várias melhorias na infraestrutura da cidade, tanto em transporte quanto em habitação, além de implementar reformas no Banco Ciudad, controlado pelo município.

Sua maior dificuldade para governar será interna. Apenas 4 dos 22 governadores eleitos em outubro passado podem ser considerados seus aliados. A coligação de Macri terá uma maioria apertada na Câmara de Deputados, e o Senado será controlado pelos kirchneristas por uma margem ampla. Não se sabe qual será também a reação de Cristina após a derrota de seu candidato, Daniel Scioli.

Tanto Scioli, 58, quanto Macri, 56, fazem parte de uma nova geração na política argentina. Ambos estavam ainda na adolescência nos anos de chumbo da ditadura. Não viveram a radicalização que fraturou o país. Só vieram a se interessar por política muito depois, quando a Argentina já era uma democracia. “A geração pós-democrática, cujos integrantes pertencem a distintos partidos, tem uma forma distinta de se relacionar com a política”, escreve no jornal “La Nación” o colunista Joaquín Solá. “Bem-vindos. Estava na hora de que chegasse uma geração que não tivesse a necessidade de explicar o mundo como uma conspiração e sem líderes ungidos em semideuses.” O mesmo vale para o Brasil.


Helio Gurovitz, O Globo, 23/11/2015

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Não dá para engolir tudo

Jornalistas odeiam censura e cerceamento à liberdade de expressão, mas alguns se assustam quando chefes militares da ativa fazem colocações verdadeiras e oportunas sobre a conjuntura nacional.

Vale recordar que os profissionais das três Forças se dedicam, durante a carreira, ao estudo de problemas brasileiros e à avaliação da conjuntura internacional.
Além da Universidade Militar (quatro anos), cursam, como capitães, a Escola de Aperfeiçoamento (um ano); depois, mediante concurso, já oficiais superiores, a Escola de Comando e Estado Maior (dois anos); e, por último, durante um ano, um pós-doutorado, na área de política e estratégia.
Saem da teoria e vivem os problemas "in loco". Residem, invariavelmente, nos lugares mais inóspitos do território nacional, particularmente na Amazônia, onde, quase sempre, só os "milicos" se fazem presentes. Conhecem o país como poucos. Pagam impostos e são obrigados a votar.
Importante notar que a incapacidade de boa parte dos governantes lhes custa caro. Por conta disso, distribuem água no Nordeste; constroem e reparam estradas e pontes; ocupam comunidades para reprimir o crime; monitoram, sozinhos, boa parte das imensas fronteiras; retomam invasões ilegais; cuidam de inúmeras comunidades indígenas abandonadas; cobrem deficiências do sistema de saúde; gerenciam catástrofes; combatem a dengue, entre outros.
Ou seja, os militares cumprem qualquer missão, além de suas tarefas constitucionais. Ainda assim, são mal remunerados e dispõem de orçamento destroçado. Por motivos óbvios, não podem se organizar em sindicatos, nem fazer greves.
Os chefes militares exigem de seus comandados dedicação integral, até em fins de semana e feriados, sem qualquer remuneração extra. Devem, portanto, mantê-los inteirados da situação.
O general de Exército Antônio Hamilton Martins Mourão construiu sua carreira pautado pela lealdade, retidão e respeito aos subordinados. Soldado exemplar, líder inconteste, nunca se permitiu mentir, blefar, caluniar ou se omitir.
Desafio que apontem qualquer inverdade nas palavras que Mourão dirigiu a outros militares, em atividade interna. Um dos slides de sua palestra informava que "a maioria dos políticos de hoje parecem privados de atributos intelectuais próprios e de ideologias, enquanto dominam a técnica de apresentar grandes ilusões que levam os eleitores a achar que aquelas são as reais necessidades da sociedade".
O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, julgou que esses são assuntos institucionais que cabiam a ele, comandante, abordar. Pediu a transferência de Mourão do Comando Militar do Sul para outra função, na secretaria de Finanças, igualmente nobre, compatível com o posto que ocupa. Assunto encerrado. Princípios de hierarquia e disciplina. Simples assim.
Fica a dica: autoridades civis, que conduzem os destinos do Brasil (aquelas que enfiarem a carapuça), se querem evitar esse tipo de desconforto, comportem-se com um mínimo de dignidade, competência e probidade, evitando tantas mentiras, escândalos e roubalheiras. Não dá para engolir tudo. 
Esquerdopatas, fiquem calmos. São outros tempos. As Forças Armadas seguirão apolíticas e apartidárias, mas, pelo que levam na almajamais serão bolivarianas.
Os castrenses não pensam em tomar o poder, nem pretendem violar as instituições do regime democrático em que vivemos, ainda que pleno de imperfeições.
No entanto, não somos robôs descerebrados e insensíveis. Guardamos, tanto quanto vocês, o direito e o dever de espernear contra tantos desmandos e falcatruas.
Brasil, acima de tudo!
AUGUSTO HELENO PEREIRA, 68, general da reserva do Exército. Foi comandante da Missão das Nações Unidas no Haiti (2004 e 2005). Folha de São Paulo, 16/11/2015

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Sonho


Lula sonhava eternizar-se como o maior dos brasileiros. Terá de contentar-se em ser o que de melhor o petismo foi capaz de produzir

Não sei, não, mas uma desconfiança minha, até antiga, a cada dia se robustece mais.

Eu desconfio que foi esse “dizinfiliz” do Lula que comeu o papagaio de Graciliano Ramos e colocou a culpa no lesado do Fabiano! Acho que não, deve ser mais um factóide criado por essa minha mente que já demonstra sinais de degeneração, subjugada pela ação inexorável da idade e vítima inocente que tenta desesperadamente sobreviver nos escombros do que um dia foi um cérebro com algum lampejo de vida inteligente, mas que não resistiu aos encantos e ao assédio da “mardita” cachaça.

Se foi o flagelo do Garanhuns ou não, eu não sei; eu só sei que, temendo uma reação truculenta do mal- encarado dono da cadela Baleia, ele “vazou” para as bandas do Sul. Bom de lábia desde tenra idade, não encontrou maiores dificuldades para se instalar por aqui e logo começou a trambicar com uns generais entediados. Foi mais ou menos nessa época que conseguiu convencer os metalúrgicos de que era sindicalista e viciou-se na bebida “derrubando” vários litros de Cavalo Branco em reuniões com empresários aterrorizados, em cujos orifícios de passagem de excremento não passava nem uma agulha sequer.

O final dessa história é de conhecimento geral. Todos os brasileiros foram testemunhas do seu desfecho, mas não custa nada relembrar: cansado de perseguir viúvas pelos corredores dos sindicatos da vida, traiu o levante da Vila Euclides e apostou todas suas fichas na fundação de um partido político capaz de assegurar o sucesso de sua carreira política. A ascensão financeira e social seria somente consequência. E como foi!

É triste assistir ao prelúdio do ocaso de um líder parido no ventre das massas populares, que tinha tudo para eternizar-se como o governante hábil e pacificador que uniu uma nação sob o manto da liberdade, da igualdade e da brasilidade. No entanto, derrotado pelo ego, arrisca-se a entrar para a história como um farsante que, consumido pelo rancor incontrolável, preferiu acreditar em suas próprias mentiras disseminando a fábula fazendo crer que foi por sua vontade que os pobres começaram a viajar de avião assiduamente e a comer filé mignon pelo menos duas vezes por semana, estigmatizando-os como os “burgueses bolivarianos” criados pelo socialismo do século 21.

Diz a lenda que Lula amou tanto a pobreza que fez dela sua companheira inseparável. Sustentam, ainda, as más línguas, que era durante as campanhas eleitorais que esse sentimento mostrava o quanto era grande o seu amor pelos pobres.

Símbolo maior do apogeu apoteótico dessa jornada ao centro da (des)governança corrupta e irresponsável capitaneada pelo ex-presidente e que aterroriza os brasileiros há praticamente treze anos, Dilma Rousseff traduz com perfeição a dimensão do mal que o maior de todos os petistas impôs a toda uma nação. Nessa viagem ao encontro do caos, alguns, inconformados com o papel de meros passageiros da alegria, foram além. Aliançaram-se. Outro tanto, ousou mais. Tornou-se cúmplice!

Uns têm Lula como deus. Outros, como diabo. Particularmente, não o acho nem um nem outro. Eu o tenho somente como um embusteiro oportunista que a sorte, tudo indica, está se cansando de bafejar e já não se preocupa mais em esconder que ele envelheceu apenas fisicamente. A alma guarda o mesmo frescor de trinta anos atrás. O ódio a preservou da ação do tempo.


Da mesma forma que lhe aguçou a inteligência, a raiva companheira lhe solapou a sabedoria. Perdeu o Brasil, perdemos nós. Infelizmente.

Mauro Pereira, 16/11/2015.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Filhos de Lula, netos do Brasil?


Faz parte da pior cinematografia brasileira a obra em que Flávio Barreto tentou filtrar e tornar cristalinas as águas turvas em que mergulha a figura de seu "Lula, o filho do Brasil". O filme conta a história de um menino de origem miserável, cujo caráter teria sido marcado pela figura amorosa de dona Lindu, mulher de grande valor, que criou sozinha a numerosa prole. Em meio às dificuldades do sertão e da cidade grande, ela impôs a todos uma firme determinação moral: "Nesta família ninguém vai ser ladrão nem prostituta".

O filme e a frase me vieram à lembrança ao ler que o presidente nacional do PT, Rui Falcão, informado da busca e apreensão de documentos na empresa de Luís Claudio Lula da Silva, filho do filho do Brasil, exclamou indignado: "Tem tubarão e vão atrás de peixinho!". Referia-se a quem? Não sabia que Rui Falcão fosse dado a sutilezas e ironias. Sobre o mesmo episódio, o noticiário do dia 27 relatou que Lula se queixou amargamente da presidente e do ministro José Eduardo Cardozo, que não teriam intervindo para estancar as investigações. "A situação passou dos limites", haveria dito Lula.

De fato, passou dos limites. Os filhos de Luiz Inácio - Luís Cláudio e Fábio Luís - incorporaram Lula ao próprio nome e, em poucos anos, a exemplo do pai, se tornaram empresários muito bem sucedidos. Receita, não única, mas segura, para o sucesso no mundo dos negócios brasileiros: acrescente Lula ao nome ou seja parente do homem. Rapidamente, milhões cairão do céu em suas contas bancárias.
  
Não sei se o leitor destas enojadas linhas já reparou que a megalomania de Lula, a mesma que o leva a afirmar que acabou com a pobreza no país, tem a melhor representação precisamente no entorno do presidente e de seu partido. Companheiros que, em 2003, desembarcaram em Brasília viajando de ônibus e calçando chinelo de dedo, hoje vestem Armani e voam em jatinhos públicos ou privados. Nada mais acelerado (nem celerado!), em matéria de desenvolvimento social.

O filho do Brasil, pai dos pobres e padrinho dos ricos sem caráter, lida com tanta grana que se expôs a uma investigação da COAF. Enquanto isso, os netos do Brasil, os filhos do "filho", proporcionam lições de sucesso empresarial que deveriam ilustrar manuais em cursos de Administração. Fabio Barreto está devendo à nação um segundo filme, atualizando a biografia do filho de dona Lindu.

 Percival Puggina 

domingo, 1 de novembro de 2015

Lula assume o comando geral

Capo di tutti capi
Lula cumpriu o que se propunha a fazer em sua viagem a Brasília na quinta-feira: assumiu de fato o comando do PT e do governo. Para botar tudo em pratos limpos, reuniu-se com o Diretório Nacional do partido e, à noite, no Palácio da Alvorada, com os ministros que colocou no Planalto, mais o seu preposto na presidência do PT. A presidente Dilma Rousseff também estava presente. Diante dos correligionários usou e abusou de seus melhores recursos retóricos para estabelecer as novas diretrizes para tempos de guerra. Fez pose de herói e de vítima, deu conselhos e aplicou reprimendas, divertiu-se com a ironia e o deboche, permitiu-se a modéstia e a humildade, explodiu em ímpetos de valentia, tudo junto e misturado. Nos aplausos que recolheu deve ter encontrado consolo para a decadência de seu prestígio no mundo real, no qual 54% dos brasileiros afirmam que “de jeito nenhum” votariam nele em 2018.

Ordenou Lula ao PT: chega dessa história de falar mal do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Levy, Lula sabe, é necessário para fazer o ajuste fiscal, botar as contas do governo em ordem e dar um jeito na lambança que “Dilminha” promoveu em seus primeiros quatro anos de desgoverno. Assim, conformem-se por enquanto os petistas e filopetistas remanescentes, porque “as coisas estão difíceis, mas vão melhorar”.

Quanto a Eduardo Cunha, Lula também sabe, é importante para evitar que progridam as tentativas das “elites” de promover o impeachment de Dilma. Até hoje a chefe do governo só fez e falou bobagens, mas agora ela está sob controle e é necessário que permaneça onde está para permitir que seu padrinho dê um jeito nas coisas para chegar a 2018 com alguma chance de se candidatar mais uma vez ao posto que nunca deveria ter deixado. Portanto, nada de ficar falando em contas na Suíça e irrelevâncias desse tipo, até porque não se deve “prejulgar” ninguém.

Para dramatizar a necessidade de apoio ao ajuste fiscal e enquadrar o PT, que se inclinava a formalizar um pedido de afastamento de Joaquim Levy e divulgar críticas à “política econômica” de Dilma, na reunião do Diretório Nacional Lula não teve o menor constrangimento de dar o dito por não dito. Ele afirmara, dias antes, que o ministro da Fazenda tinha “prazo de validade”. Também admitiu, pela primeira fez publicamente, o estelionato eleitoral praticado no ano passado: “Ganhamos as eleições com um discurso e, depois, tivemos que mudar o discurso e fazer o que dizíamos que não íamos fazer. E isso é um fato”. Essa confissão dá bem a medida dos extremos a que Lula está disposto a chegar para evitar o naufrágio do projeto de poder do PT, que faz água por todos os lados desde que, ao assumir o segundo mandato, Dilma meteu na cabeça que teria competência para assumir sozinha o comando político do governo.

Falando aos petistas como se já fosse candidato à Presidência, Lula preocupou-se também em minimizar a importância do cerco da Polícia e do Ministério Público Federais a si e a sua família, como consequência do inevitável surgimento de suspeitas a respeito da repentina prosperidade do clã Da Silva. Na falta de melhores argumentos, apelou para o deboche: “Disseram que uma nora minha recebeu R$ 2 milhões. Aí, vão perguntar quem é rico na família. Daqui a pouco uma nora entra com um processo contra a outra para ter o dinheiro repatriado”.


Além da participação na reunião do diretório petista, Lula almoçou com a liderança do PCdoB, a sempre fiel linha auxiliar do PT, onde repetiu os principais pontos de seu pronunciamento aos petistas. À noite, jantou no Palácio da Alvorada com Dilma, os ministros Jaques Wagner, da Casa Civil, e Ricardo Berzoini, da Secretaria de Governo, além do presidente nacional do PT, Rui Falcão. Em todas essas ocasiões ressurgiu em grande estilo a prodigiosa metamorfose ambulante – expressão cunhada por ele próprio para demonstrar que se considera acima do Bem e do Mal. Era o líder populista que não tem o menor escrúpulo de falar apenas o que acredita que as pessoas querem ouvir ou o que as circunstâncias políticas exigem. Está aí o homem que governa de novo o País, agora e mais uma vez sem intermediários.

O Estado de São Paulo, 1/11/2015
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