sábado, 28 de março de 2015

Apertem os cintos: o piloto do Brasil sumiu


Não há antídoto contra a loucura de quem pilota um avião ou um país. Podemos submeter um piloto de Airbus ou o presidente de uma nação a avaliações psicológicas e físicas periódicas, para tentar assegurar um certo equilíbrio e coerência nas decisões tomadas na cabine de comando. Mas nada é 100% garantido. Crises de depressão ou egocentrismo são especialmente perigosas para quem controla a vida de centenas de passageiros ou milhões de habitantes.

Vivemos uma situação de descontrole total na cabine de comando do Planalto. A queda do país é abrupta em todos os níveis – e já era esperada por quem não se deixou iludir em 2014. Está claro que a recessão começou no ano das mentiras. Desemprego sobe, renda tem a maior queda em dez anos, preços aumentam 7,9%. Trabalhadores são assaltados nos metrôs, nos pontos de ônibus, nas vias expressas congestionadas, nos túneis. Os Estados estão quebrados, os aliados voam como baratas tontas e moscas azuis, a “comandanta” é chamada de agiota por prefeitos muy amigos.  

Só não sabemos ainda quem são hoje o piloto e o copiloto do Brasil – e qual deles é mais propenso a ataques de pânico ou de autoritarismo. Temos apenas duas certezas: uma é que tem gente demais empoleirada no comando, posando de bonzinho, mas querendo derrubar o Brasil de encontro às montanhas, estilhaçar qualquer possibilidade de ajuste de expectativas. A outra certeza é que nós somos os trancados do lado de fora, reféns de um bando de loucos mal-intencionados.

Quem são o piloto e os copilotos hoje responsáveis por nossa vida e a de nossos filhos e netos? Está difícil enxergar Dilma Rousseff sentada na poltrona de quem aperta os botões e define a direção e a velocidade do jumbo Brasil. Se traçarmos um paralelo com a tragédia do Airbus que provocou luto e estupor no mundo, Dilma hoje se parece mais com aquele que foi ao banheiro em hora imprópria, de aterrissagem, e não conseguiu retornar.

Ninguém escuta mais as broncas de Dilma, que estão virando sussurros. Ela pegou o machado para decepar a lei de novembro passado, que aliviava as dívidas dos prefeitos. O machado voltou como bumerangue. Não importa mais o partido político na hora em que o bolso aperta. Pode ser Eduardo Paes (PMDB-RJ) ou Fernando Haddad (PT-SP). Paes já entrou com ação contra Dilma. Haddad já disse que não vai deixar barato. Os calotes se ampliam nos Estados. A irresponsabilidade fiscal compromete o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Trocando em miúdos, os únicos que precisam pagar as contas em dia somos nós, os contribuintes.

Ao enfrentar um clima adverso, nuvens negras e trovoadas, o pior conselheiro é a solidão – por isso, é tão crucial ter “alguém” com experiência, honestidade e credibilidade ao lado do comandante. Quem será?

O jumbo Brasil precisa do tecnocrata Levy como copiloto. Mas lhe faltam experiência e autoridade políticas para lidar com os abutres ou aplacar disputas. Quem teria de enfrentar as rebeliões dos aliados seria a “presidenta”. Não foi ela quem ganhou nas urnas? Só que Dilma foi ao banheiro e não conseguiu voltar, não abrem a porta para ela, não há mais cavalheiros, só cavaleiros do apocalipse, até em seu próprio partido, o PT.

O que parecia inacreditável aconteceu. Quem apoia hoje medidas de austeridade da presidente, quem é contra o impeachment, quem é a favor da governabilidade para não espatifar o Brasil no Planalto Central é uma das instituições mais criticadas por Lula, Dilma e sua turma: a imprensa.

O jumbo Brasil está sem rumo. E quem está aboletado na cabine de comando são os amotinados do PMDB, a dupla caipira Renan Calheiros e Eduardo Cunha, um alagoa­no e um carioca com milhares de fios de cabelos implantados e muitos delírios de Poder na cabeça. Ambos odeiam um tripulante da nave Brasil com fama de oportunista, Gilberto Kassab. A manobra de Kassab para criar mais um partido, o PL, é chamada por Renan de “molecagem” e por Cunha de “alopragem”.

Sob a pressão de moleques, aloprados e loucos, Dilma é a primeira refém da armadilha que Lulalá e ela criaram. Já não lhe compete demitir ou nomear. Dilma hoje é torpedeada até quando tenta acertar. Mas é impossível ter pena. Se a hora é de arrocho, Dilma, dê o exemplo, ceda à jogada do novo PMDB e comece a cortar seus 39 ministérios e seus 22 mil cargos de confiança. Porque é imoral o tamanho dessa máquina e das boquinhas públicas.

Confiança se ganha devagar e se perde muito rápido. Poucos de seus eleitores embarcariam hoje num avião pilotado pela senhora. Os maiores reféns somos nós. Apertem os cintos.


Ruth de Aquino, revista Época.

terça-feira, 24 de março de 2015

Crise institucional


O PT se vê cada vez mais distante da sociedade e políticos não quererão como aliada uma presidente que aparece como fraca

O país pode estar rumando para uma crise institucional. A velocidade dos acontecimentos políticos tem sido surpreendente. O governo dá mostras visíveis de perda de controle, sem que se saiba ao certo quem manda no país. Em linguagem hobbesiana: quem decide em última instância?

Até um ministro, o da Educação, chega a ser demitido por um anúncio do presidente da Câmara dos Deputados, como se não coubesse à presidente da República essa decisão. O próprio ministro, em um tipo de jogada ensaiada, opta, com estardalhaço público, sair do governo como se esse fosse um barco naufragando.

Estamos diante de uma situação completamente nova. O panelaço nem uma tradição nacional é. Importamos da Argentina. Tem, contudo, um profundo significado: as pessoas não mais querem escutar a presidente ou os seus mensageiros, no caso ministros. Não importa o que tenham a dizer. Não mais gozam de confiança e, neste sentido, nem mais merecem ser escutados. Medidas paliativas como a reforma política ou o projeto contra a corrupção nem dignos de atenção são. O mesmo já foi dito em 2013.

As manifestações do dia 15 de março foram um marco nacional. Reuniram em torno de dois milhões de pessoas! A população nacional disse nitidamente “Fora Dilma” e “Fora PT”. O partido e os seus movimentos sociais perderam completamente a rua. Já tinham sido enxotados em 2013.

Mesmo assim, jogaram uma carta temerária, a de organizarem uma manifestação própria dois dias antes, na sexta-feira. Ainda vivem na ilusão de acreditarem em sua capacidade de mobilização. Ledo engano. Reuniram no máximo 150 mil pessoas e, ainda assim, com várias dentre elas pagas. O fracasso foi total. O contraste é gritante!

As manifestações de 2013 foram a expressão genérica e abstrata de uma revolta contra tudo o que está aí, concentrando-se, enquanto estopim, na questão da mobilidade urbana e no preço das passagens de ônibus. Agora, pelo contrário, há uma proposta positiva que aglutina: é exigida a saída de Dilma do governo, assim como do PT.

O isolamento da presidente é manifesto. Mais do que isto, ele revela que ela está perdendo progressivamente as condições de exercício do poder. O PT se vê, por sua vez, cada vez mais distante da sociedade, e os políticos não quererão como aliada uma presidente que aparece como fraca.

O Congresso, ele também, tenderá ainda mais a não seguir as orientações governamentais, devolvendo medidas provisórias, “negociando” projetos de lei e tornando a vida da presidente ainda mais difícil. O ajuste fiscal pode ser, nesta perspectiva, prejudicado. A lógica política primaria sobre todo o resto.

Aqui, no entanto, pode surgir um elemento que sinalize republicanamente para o país impedir sua queda na anomia, podendo se tornar um pária das finanças internacionais. O PMDB está acenando com apoio às medidas de ajuste fiscal, no que deveria ser seguido por outros partidos, seja os de oposição, seja o próprio PT. O que está em jogo é o país, enquanto bem coletivo, situado acima dos bens partidários particulares.

O PSDB hesita em seguir nesta direção, embora reconheça a importância de uma completa reformulação das condições econômicas. Coloca-se em uma posição de recolher os dividendos políticos do que considera, com razão, como um estelionato eleitoral. A presidente e o PT disseram uma coisa antes da eleição, acusando o seu adversário de pretender fazer tudo aquilo que estão, agora, efetivamente fazendo. A mentira foi o instrumento político da vitória, a descoberta da verdade a expressão de profunda crise governamental.

A presidente da República não sabe o que fazer. Medidas políticas são requentadas como se as ruas pudessem ser assim atendidas. Inimigos imaginários são culpados pela crise atual, como se fossem o mercado externo e a seca os responsáveis dos erros governamentais. A realidade cobra o seu preço. Os erros nem são reconhecidos, de modo que toda interlocução com a sociedade fica obstaculizada. Um país cristão poderia se reconhecer em quem erra, se arrepende e pede perdão. Certamente não se reconhecerá na arrogância.

O PT é uma nave sem rumo. Não defende as medidas de ajuste econômico por as considerarem como “neoliberal”, como se fosse “neoliberal” o bom senso na administração das contas públicas. Imaginem se um(a) chefe de família pudesse gastar indiscriminadamente sem atentar para o orçamento doméstico! Teria de cortar gastos se quisesse sobreviver. Seria, por isto, “neoliberal”?

O partido, porém, está radicalizando. O campo e a cidade já se encontram em tensão. A ofensiva do MST e de seu braço urbano, os sem-teto, está claramente delineada. Diga-se, a seu favor, que acreditaram no discurso eleitoral. São eles, porém, os bolivarianos do Brasil, pretendendo implantar o “socialismo do século XXI”. Embora não contem com o apoio da população, não deixam de fazer um jogo extremamente perigoso.

Invasões e depredações no campo, ocupações de rodovias e ruas das principais cidades já estão se tornando “normais”, em uma “anormalidade” que pode vir a ameaçar as instituições. Os que os estão apoiando e insuflando jogam gasolina no fogo. Não reclamem depois das consequências.

Não havendo uma recuperação da economia, uma recomposição governamental de sua base parlamentar, um afastamento da imagem da presidente do esquema do petrolão e um arrefecimento de ânimos dos movimentos sociais, poderemos viver uma crise institucional. Uma crise institucional significa a falência da capacidade de a presidente da República governar o país, havendo paralisia decisória e comprometimento do funcionamento de nossas instituições democráticas.

Sem condições, a presidente Dilma, nesse cenário, poderá cair. A sua continuidade no cargo, em determinado momento, poderá vir a ser interpretada por congressistas e população em geral como uma “ameaça existencial” à vida republicana. Trata-se de um cenário extremo, porém não descartável, devido à rapidez com que o cenário está se deteriorando no país.


Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

segunda-feira, 23 de março de 2015

Os reais assaltantes


A Petrobras carrega no DNA fortes traços de simbologia nacionalista. Afinal, surgiu, no início da década de 50, de um amplo movimento político de que tiveram participação muito ativa os militares, conhecidos por esta característica ideológica. Grupos de esquerda também aderiram, porque se tratava de combater o “imperialismo ianque".

Passam-se os anos e a estatal, devido à sua história, continua a se prestar a toda sorte de manipulações quando grupos e corporações que se beneficiam de alguma forma da companhia se sentem ameaçados. Basta se cobrir com a bandeira do Brasil, subir em carro de som, e denunciar “conspirações” tenebrosas contra a empresa. Sempre haverá quem acredite, principalmente se alguma máquina partidária e sindical estiver por trás da manobra.

É o que acontece agora no escândalo do petrolão, cujo principal protagonista é o PT, partido que, junto com o PP e PMDB, está no centro de um gigantesco esquema montado na empresa a fim de desviar dinheiro para os partidos e candidatos das legendas.

Os relatos dos desfalques — praticados com empreiteiras que superfaturavam contratos assinados com a estatal com o objetivo de ajudar os partidos — são avassaladores. Entre os ex-dirigentes implicados no golpe, dois firmaram acordos de delação premiada, pelos quais se beneficiam de atenuação de penas ao ajudar nas investigações.

Os relatos conhecidos até agora feitos por Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento, e Pedro Barusco, gerente-geral da diretoria de Serviços, e a prisão de Renato Duque, apadrinhado pelo PT, mas ainda em silêncio, confirmam o tamanho do escândalo. Enquanto os testemunhos transcorrem, milhões de dólares e euros têm sido bloqueados em contas no exterior. Apenas Barusco confessou ter desviado US$ 97 milhões —, pois as pessoas físicas de diretores também participaram da festa. É com base no próprio roubo que ele estima que o PT tenha recebido desse assalto algo entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões, dos quais US$ 50 milhões captados pelo próprio João Vaccari Netto, tesoureiro da legenda.

Num conhecido truque de punguismo de rua, o lulopetismo, enquanto assaltava a empresa, gritou “pega ladrão!”. E se envolveu na bandeira brasileira.

Mas os verdadeiros inimigos da Petrobras são os partidos que articularam o petrolão, com o lulopetismo à frente, representado pelo militante José Sérgio Gabrielli, presidente da estatal em quase todo o período dos saques aos cofres da empresa.


O resultado, até agora, é que a empresa perdeu o crédito no sistema financeiro global e teve a nota de risco rebaixada. E não demonstra a mínima condição de exercer o monopólio na operação nas áreas do pré-sal e deter 30% de todo consórcio formado para explorá-las. Num paradoxo, o mesmo lulopetismo que restaurou parte do monopólio estatal da companhia quase a faliu por forçá-la a subsidiar o consumo interno de combustível. E ao depená-la.

O Globo - Editorial - 23/03/2015

sábado, 21 de março de 2015

A crise é o PT


Diz-se que uma foto vale mais que mil palavras – e um símbolo mais que mil fotos. Uma das primeiras providências que Lula tomou, ao chegar à Presidência da República, foi mandar recortar na grama do jardim do Palácio da Alvorada uma imensa estrela do PT e pintá-la de vermelho.
Estavam ali simbolizados os valores que pautariam os sucessivos governos petistas. Governo e partido – pior: Estado e partido – passaram a ser uma coisa só, numa linha de raciocínio segundo a qual o que é bom para o PT é bom para o Brasil.
Portanto, apenas o PT – e ninguém mais – sabe o que é bom para o Brasil. Dentro dessa lógica, cabem todo o Mensalão, o Petrolão e outras caixas pretas ainda não vasculhadas (BNDES, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica etc.). O PT inventou a corrupção do bem – e a defende com ódio sincero.
Ainda que a estrela ajardinada tenha sido removida semanas depois, em face das críticas que provocou, seu simbolismo mostrou-se irremovível. “O Brasil é nosso”, dizem os petistas. Lula, no recente ato da ABI, bradou que “a Petrobras é nossa” – isto é, deles, que, com base nisso, a sugaram até a falência.
Num de seus inumeráveis arroubos de palanque, registrados no Youtube, Lula diz que só não descobriu o Brasil porque “não estava vivo naquela época”. Se estivesse, é o que se deduz, teria se antecipado a Pedro Álvares Cabral. Como não foi possível, joga ao lixo os 500 anos que o precederam e inaugura uma nova história.
Esse sentimento de posse em relação ao país e suas instituições explica a, digamos assim, dificuldade do PT em aceitar a alternância no poder. São capazes, nas palavras da candidata Dilma Roussef, de “fazer o diabo” para ganhar as eleições. E fizeram e ganharam, mas o “diabo” mandou a conta, que aí está.
A insistência com que o PT repete que venceu as eleições sugere que ele mesmo não está convencido disso. Venceu, mas como? Mediante compromissos que não está cumprindo e não terá como cumprir. Não só: venceu por estreita margem, que, numa pesquisa, indicaria empate técnico.
Não apenas os 51 milhões de eleitores de Aécio rejeitaram o PT. O que dizer dos 37 milhões que não votaram em nenhum dos dois? De que lado estão? Dilma não parece ter entendido que, na soma total, foi eleita por uma minoria – e mesmo esta acabou frustrada pelo descumprimento das promessas eleitorais.
Isso explica o fato de estar refém de vaias, manifestações e panelaços. Para se locomover, precisa acionar um vasto aparato de blindagem, que contrasta com o fato de estar no terceiro mês deste segundo mandato. O “Fora FHC”, acionado menos de um mês após a posse de Fernando Henrique - reeleito no primeiro turno, em 1999 -, não foi um grito das ruas.
Foi concebido por alguns aloprados do PT, sob o comando do então governador gaúcho Tarso Genro. Não prosperou exatamente porque faltou o grito das ruas. Agora, acontece o contrário: os tucanos se opõem ao “Fora Dilma”, enquanto as ruas bradam por ele. Que governador petista se disporia às vaias de sua base e do adversário – como aconteceu quinta-feira passada, em Goiânia, com o governador tucano Marcone Perillo – para defender a presidente em nome da tolerância política?
O sentimento petista de posse legítima e definitiva do país dificulta a negociação da crise. Documento interno vazado da Secretaria de Comunicação da Presidência da República recomenda que se invista nos blogs sujos – aqueles pagos com dinheiro público para difamar adversários – e nos “guerrilheiros” (sic) virtuais.
Rui Falcão, presidente do PT, pede punição às redes de TV, que, segundo ele, deram publicidade às manifestações do dia 15. Confunde notícia com publicidade: se a notícia é boa, é jornalismo; se é ruim, é publicidade golpista. Como não noticiar dois milhões de pessoas nas ruas do país contra o governo?
O fracasso das manifestações do partido no dia 13 indica que já não manda nas ruas. O “exército do Stédile” carece de mão de obra. Não bastam sanduíche de mortadela e cachê. Sem classe média – a mesma que levou o PT ao poder e hoje o abandona -, não há movimento nas ruas, não há revolução, não há nada.
Marx, Lênin, Stalin, Fidel Castro, Che Guevara eram todos de classe média. É onde se produz e se põe em cena a chamada massa crítica de qualquer sociedade, à direita ou à esquerda.
A “elite branca” – termo racista (e, portanto, criminoso) com que o PT busca satanizar a classe média e apostar na divisão do país – é responsável pela construção do PT, que não possui (nunca possuiu) um único negro em seu comando.
Lá estão os olhos azuis de Marta Suplicy, João Pedro Stédile, Guido Mantega, Gleisi Hoffmann, Renato Duque, entre outros. O mesmo partido que diz ter levado 20 milhões à classe média agora a abomina e discrimina racialmente.
Um partido nutrido nas elites acadêmicas de São Paulo tem tanta legitimidade para rejeitar a “elite branca” quanto para defender a Petrobras. E o resultado de tanta contradição para não “largar o osso” (vide Cid Gomes) é que o partido não vê saída para a crise – e por um motivo simples: ele próprio é a crise.

RUY FABIANO

sexta-feira, 20 de março de 2015

Agonizando em praça pública


As últimas 24 horas demonstraram com rigor a crise profunda em que o governo Dilma está mergulhado, agregando uma série de problemas criados por seu próprio entorno aos que já estão sobre a mesa desde a reeleição. Dois fatos especialmente aumentaram a pressão sobre o governo: um documento atribuído à Secretaria de Comunicação (Secom) com sugestões absurdas da tática a ser usada para tentar reverter a popularidade negativa do governo; e a crise criada por um comentário do ministro Cid Gomes, repetindo como farsa uma frase de Lula em 1989 sobre a quantidade de picaretas e achacadores que o Congresso abriga. 
Não bastassem os problemas que o governo tem que enfrentar sem apoio da base aliada, que continua dividida entre seus próprios interesses e a tentativa de fazer populismo num momento de grave crise econômica, vem o ministro Cid Gomes levar para dentro do Palácio do Planalto uma crise política que seria dispensável nesse momento.
Lula já dissera, quando terminou seu mandato de deputado constituinte, que havia 300 picaretas no Congresso. Essa sua frase não foi obstáculo a que, anos mais tarde, fizesse acordos políticos com a maioria desses picaretas, e mais alguns que surgiram pelo caminho.
Já Cid Gomes, depois de ter dito coisa similar, saiu ontem do Congresso debaixo de críticas contundentes, que recebiam aplausos dos “achacadores” de plantão. Para o ex-governador do Ceará, há no Congresso entre 300 e 400 deputados que vivem do quanto pior, melhor. Seriam os “achacadores” do governo, que, disse ele na fala em que supostamente pediria desculpas, deveriam “largar o osso”.
Sua maneira arrogante de se dirigir ao Congresso, até mesmo apontando o dedo para o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, dizendo que preferia ser chamado de mal educado a ser acusado de achacador como Cunha o fora pelo Ministério Público, só fez piorar a situação, embora possa ter tido sucesso em setores do Palácio do Planalto que pensam como ele e não podem explicitar esse sentimento.
Não está aqui em questão se o ministro da Educação tem ou não razão, ou se ele é a pessoa mais adequada para fazer essa acusação. Cid Gomes simplesmente atravessou a calçada para escorregar em uma casca de banana, e o pedido de demissão é uma consequência lógica da pressão do PMDB, mas o que importa é que governo vai agonizando em praça pública.
Só um governo destrambelhado, sem comando e sem rumo como esse, não resolve esse problema com a demissão do ministro no momento exato em que a frase foi divulgada, não importa se o conteúdo é verdadeiro ou não.
E também só em um governo que está em seus estertores acontece o vazamento de um documento como o da Secom. E só num governo incompetente alguém coloca no papel propostas tão absurdamente ilegais como se fossem naturais. Como, por exemplo, reconhecer que há uma simbiose entre o aparato oficial de comunicação do governo e os do PT, além de elementos externos, como os chamados “blogueiros sujos”, classificados de “soldados” de fora do governo, pagos para fazer uma “guerrilha” de informação: “As responsabilidades da comunicação oficial do governo federal e as do PT/Instituto Lula/bancada/blogueiros são distintas. As ações das páginas do governo e das forças políticas que apóiam Dilma precisam ser muito melhor coordenadas e com missões claras. É natural que o governo (este ou qualquer outro) tenha uma comunicação mais conservadora, centrada na divulgação de conteúdos e dados oficiais. A guerrilha política precisa ter munição vinda de dentro do governo, mas ser disparada por soldados fora dele.
Diz também o documento atribuído à Secom e não desautorizado, que “a publicidade oficial em 2015 deve ser focada em São Paulo, reforçando as parcerias com a Prefeitura. Não há como recuperar a imagem do governo Dilma em São Paulo sem ajudar a levantar a popularidade do Haddad. Há uma relação direta entre um e outro.
Não é com propaganda que os governos, o de Dilma e o do prefeito Fernando Haddad, recuperarão a popularidade perdida devido à incompetência no trato das questões do dia a dia do cidadão-eleitor. Só fatos, decisões concretas, reconhecimento de erros, farão com que seja possível pensar em uma recuperação de imagem. E assim mesmo sem garantia de sucesso.
A proposta só demonstra claramente como o governo Dilma se confunde com o PT e não tem uma visão global, nem dos problemas nem das soluções.
Um governo para todos, balela da propaganda oficial.
Merval Pereira, O Globo, 19/3/2015

quinta-feira, 19 de março de 2015

A democracia brasileira não deve nada a Dilma nem ao PT


Em entrevistas e pronunciamentos após as grandes Manifestações de 15 de Março, a presidente Dilma tentou usar de uma estratégia para capitalizar a seu favor estes atos, fazendo um esforço para fingir ignorar que tais manifestações espontâneas e pacíficas foram justamente contra ela, seu governo e seu partido. Combinando a arrogância com a demagogia que lhe é própria, a presidente novamente mentiu de maneira factual e histórica, ao procurar passar a ideia de que ela e integrantes de seu partido merecem algum crédito pelo fato de vivermos em uma democracia, em que as pessoas podem se manifestar livremente contra o governo.

Isso é rigorosamente falso e não passa de uma demagogia barata e apropriação indevida de méritos alheios, como a história demonstra. Fazendo a pose vitimista conveniente, a presidente insistiu na falácia de que muitos “deram a vida para que as pessoas hoje pudessem se manifestar livremente”, em uma alusão aos grupos guerrilheiros como VAR-Palmares e Colina, os quais ela integrou, que empreenderam enfrentamento o armado contra o regime o regime militar anos atrás. A falácia reside na mentira difundida há décadas de que estes grupos faziam a luta armada em reação ao regime militar e em defesa da democracia. Sabemos hoje muito bem, por meio de documentos e relatos de pessoas que viveram aquele período, que as duas afirmações são falsas.

A falsificação da história
Ações terroristas e de luta armada patrocinadas por grupos de esquerda ocorriam no país já em 1961, três anos portanto antes da intervenção militar. A intervenção veio, por clamor popular, em resposta a estas ações armadas e não o contrário, como a falsificação da história veio a relatar anos depois e como a fala da presidente sugeriu.

Nenhum dos grupos de esquerda envolvidos em ações armadas (que é bom frisar, tiveram o início antes de 1964) tinha em seu programa a defesa da democracia. O objetivo desses grupos não era nem nunca foi o de derrubar o regime militar, restaurar as liberdades civis plenas, restabelecer a liberdade de imprensa, a independência do legislativo e do judiciário e convocar eleições gerais. O objetivo desses grupos, conforme se encontra documentado e em relatos posteriores de alguns de seus ex-integrantes, era o de derrubar o regime militar para implantar a ditadura deles, nos mesmos moldes dos regimes comunistas soviético ou cubano, regimes esses que financiavam suas ações.

Ao falar de pessoas que supostamente “deram a vida pela democracia” a presidente deturpa o fato histórico de que estas mesmas pessoas, na verdade, ceifaram a vida de dezenas e dezenas de civis inocentes e desarmados que não tinham nada a ver com luta política, e que foram vítimas das ações terroristas e criminosas perpetradas por esses grupos que desejavam implantar a sua ditadura, sob o pretexto de lutar por liberdade. Entre estes civis inocentes estavam muitas pessoas comuns que estavam na hora errada e no lugar errado, que perderam suas vidas por conta da ação de criminosos que anos mais tarde seriam retratados como heróis da liberdade.

As vítimas quase anônimas do terrorismo de esquerda
Existem registros históricos e documentos oficiais que mostram que mais de cento e vinte civis inocentes morreram por conta da ação criminosa dos grupos de esquerda durante o regime militar. Dentre estas vítimas inocentes da esquerda estão (*):

Jaime Pereira da Silva: morto em 01/08/1971 em PE na varanda de sua casa durante tiroteio entre terroristas e policiais.

Gentil Procópio de Melo: taxista, assassinado em 02/09/197 no RJ a sangue frio por integrantes do Partido Comunista Revolucionário que decidiram roubar um carro para execução de uma ação revolucionária, que consistiria num assalto a um banco.

Jayme Cardenio Dolce, Silvâno Amâncio dos Santos, Demerval Ferreira dos Santos:  vigias de segurança, mortos em 02/09/1971 no RJ por um grupo de terroristas que executavam um assalto à Casa de Saúde Dr. Eiras

João Pereira: sertanejo morto em 26/02/1972 na região do Araguaia no PA pelo PC do B em uma ação de justiçamento praticada pelo partido, por ter servido de guia mateiro para as forças governistas que combatiam a guerrilha.

Sílvio Nunes Alves: bancário, morto em 27/09/1972 em assalto a banco no bairro da Penha no RJ, promovido pelas organizações terroristas PCBR, ALN, VPR, Var Palmares e MR8.

Luiz Honório Correia:  civil comum morto em 01/10/1972 no RJ por terroristas em assalto à empresa de Ônibus Barão de Mauá

Severino Fernandes da Silva: civil comum morto em 06/10/1972 no interior de PE por terroristas durante ação violenta na região rural do estado

Estes são apenas alguns dos 120 (cento e vinte) assassinatos de civis inocentes cometidos pelos terroristas de esquerda que promoviam a luta armada nos país durante o regime militar. Estas pessoas morreram porque esses assassinos, que hoje são retratados nos livros escolares como heróis que lutavam pela democracia e pela liberdade, viam com naturalidade matar pessoas inocentes em nome de seu objetivo principal que era a implantação de outra ditadura, a deles, na qual também poderiam continuar matando e reprimindo impunemente quem bem desejassem, como fazem hoje as ditaduras de Cuba e da Venezuela.

A quase totalidade das famílias desses civis mortos não recebeu nenhum tipo de amparo ou de apoio oficial. Não se tem conhecimento de nenhuma vítima ou familiar de vítima do terrorismo de esquerda daquele período que tenha se beneficiado do programa multimilionário de indenizações de supostas vítimas da ditadura. Os crimes praticados pela esquerda nesse período não foram objeto de investigação da Comissão da Verdade, que se ocupou tão somente de exercer um revanchismo histórico e ideológico, investigando apenas um lado da história, razão pela qual o documento oficial produzido por essa comissão não tem nem terá validade alguma como registro histórico, pois será apenas a reafirmação de uma falsificação iniciada há anos, mas agora com timbre oficial e paga com dinheiro público.

A volta à democracia não se deve aos guerrilheiros
O regime militar, especialmente após 1968, foi um período de exceção na vida política brasileira e não deve ser tomado como modelo, pois nenhum regime é melhor que a democracia com a liberdade que ela proporciona. A democracia brasileira foi uma reconquista de todos os brasileiros, e seu restabelecimento envolveu negociações e concessões mútuas entre segmentos do poder militar e dos civis, principalmente lideranças políticas históricas do antigo MDB, como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves entre outros, além de setores do próprio partido governista de então. E o restabelecimento da democracia somente foi possível porque aqueles que queriam outra ditadura e que mataram dezenas de inocentes em nome desse desejo, foram derrotados militarmente.

Se hoje vivemos um regime de liberdade e de democracia, devemos isso a inúmeros atores políticos e militares, que souberam negociar uma transição pacífica e pactuada do poder militar para os civis. Não devemos nada àqueles que pegaram em armas e cometeram crimes matando civis inocentes com a intenção de implantar a ditadura que eles queriam. Pelo contrário, muitos dos que estavam do lado dos que pegaram em armas, ao menos no plano ideológico, se beneficiaram da reconquista negociada da democracia, que se materializou por meio da Lei da Anistia de 1979, e retornaram ao país e passaram novamente a atuar na cena política.

Apoio a ditaduras e a regimes de opressão
Apesar da reconquista da democracia, aqueles que no passado pegaram em armas e mataram inocentes com o objetivo de implantar outra ditadura no país, e não para lutar por democracia como a mentira oficial repetida pela presidente diz, e que hoje estão ocupando posições de poder na vida política nacional, seja no governo ou em cargos de direção do PT, não abandonaram seus sonhos autoritários e antidemocráticos da juventude. Estando hoje nas posições de mando que conquistaram pela via democrática, estes mesmos atores políticos do passado não relutam em apoiar sem qualquer constrangimento regimes de ditaduras que um dia sonharam e ainda sonham em implantar no país.

Estes mesmos atores do passado e que dão as cartas hoje na política brasileira apoiam de modo inequívoco ditaduras como a de Cuba ou a nascente ditadura bolivarianista de Nicolas Maduro na Venezuela. Esse apoio não se limita a gestos políticos, mas se materializa em ações concretas, inclusive de respaldo econômico e financeiro oficial por parte do governo brasileiro a estes regimes.

Deve-se observar que desde o início da era petista, toda a política externa brasileira, contrariando o que determina a nossa Constituição e contrariando também os interesses econômicos do próprio país, é orientada para dar respaldo político, suporte econômico e apoio diplomático a estes regimes de ditadura, como a venezuelana e a cubana. Regimes onde não existe liberdade de expressão ou liberdade de imprensa, onde opositores do governo são presos sem qualquer ordem judicial e são submetidos a tortura, onde as polícias são usadas não para garantir a segurança pública, mas para atuar como guarda pretoriana dos respectivos ditadores, como a Guarda Nacional Bolivariana da Venezuela que, somente no ano passado e apoiada por milícias armadas do partido governista, matou dezenas de pessoas que tentavam protestar contra a ditadura de Maduro.

O caso da Venezuela é exemplar, pois o regime de ditadura bolivarianista naquele país tem o apoio explícito do PT e exerce um fascínio em seu líder, Luís Inácio da Silva, o Lula, que já deu declarações explícitas de apoio ao tardiamente falecido Hugo Chaves e a seu herdeiro Nicolas Maduro. Por mais de uma oportunidade, Lula disse que na Venezuela existe “democracia até demais”, deixando claro que para Lula, o excesso de democracia ocorre quando opositores são presos e torturados, quando judiciário do país é aparelhado e quando o legislativo é transformado apenas num órgão que chancela as decisões do ditador. O excesso de democracia para Lula é quando toda a imprensa do país fica sob controle estrito do governo, como ocorre na Venezuela, e quando até mesmo o direito dos cidadãos do país de ter acesso a redes sociais na internet é limitado.

A identificação do PT e de toda esquerda brasileira com a ditadura bolivariana da Venezuela ficou evidenciada quando nas manifestações chapa-branca nas cores vermelhas realizadas no dia 13 de março, o que mais se via eram bandeiras da Venezuela, ao lado das bandeiras vermelhas. Praticamente não se viu a bandeira nacional.

Quem ameaça a democracia hoje é o PT
Hoje o Brasil vive uma crise política combinada com o risco de recessão econômica. A raiz desta crise está no fato de o PT, apesar de ter chegado ao poder pela via democrática, não ser um partido capaz de conviver com a democracia: seu projeto autoritário e antidemocrático de poder permanente exclui a possibilidade de existência de adversários, seja no âmbito institucional, seja na própria sociedade. Daí a tentativa de atacar e demonizar aqueles que na sociedade civil se opõe a eles, por meio de termos supostamente desqualificadores como elite branca, reacionários, coxinhas. Termos esses que viraram motivo de chacota e escárnio. Mas esse tipo de prática petista de demonizar o adversário tem um DNA bem definido: é a herança do stalinismo, que o PT carrega consigo desde o seu nascimento.

Soma-se a isso as tentativas permanentes por parte do PT de cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa, componentes essenciais de qualquer regime democrático, por meio de iniciativas dissimuladas como controle social da mídia, regulação econômica de empresas de comunicação, ou então iniciativas que visam cercear a liberdade de expressão dos indivíduos nas redes sociais, por meio de eufemismos como combate a intolerância e a supostos crimes de ódio nas redes sociais. O mesmo partido que tenta esses subterfúgios para na prática impor a censura e limitar o livre direito de expressão dos cidadãos, é o mesmo partido cujos militantes não se furtam de usar de todo tipo de violência, agressão racista e sexista, e ameaça verbal nas redes sociais contra aqueles que criticam qualquer aspecto das políticas petistas.

A visão autoritária do PT exclui a possibilidade de alternância do poder, como ocorre em toda democracia. Para garantir seu projeto autoritário de poder hegemônico e antidemocrático, o PT apostou na divisão da sociedade brasileira, tentando colocar ricos contra pobres, pregando o ódio à classe média, incitando ódio racial de negros contra brancos, estimulando um suposto conflito de gays contra héteros e outras práticas típicas do receituário gramsciano. Soma-se a isso a ação no plano do estado, por meio da tentativa recorrente de aparelhando de suas instituições e a tentativa de solapar a independência dos poderes da república por meio de mecanismos de corrupção institucionalizada.

A reação da sociedade brasileira
Estas estratégias de destruição da democracia perpetradas pelo PT, seja por ações no plano ideológico na sociedade civil, seja pelas tentativas de aparelhamento do estado e descaracterização de suas instituições, surtiram efeito até certo ponto. Mas a sociedade brasileira é complexa e dinâmica demais, e uma parcela expressiva dela está se dando conta do que se passa. Fazer engenharia social num país de mais de duzentos milhões de habitantes não é tão fácil como o PT imaginou. O que se observa hoje é que o PT e o governo Dilma conseguiram unir o país, não por ódio ou preconceito contra o PT como eles alegam, mas por que muitos brasileiros entenderam o que o PT é e representa. O país se une em defesa da democracia.

Não queremos ser Venezuela ou Cuba! Não queremos viver tutelados por um Grande Irmão! Não queremos viver dependentes das benesses do estado. O brasileiro quer um governo que funcione, que seja honesto, que não minta à população e que deixe o brasileiro fazer aquilo que ele sabe fazer: usar sua criatividade e seu talento para trabalhar, produzir e melhorar de vida pelo seu próprio esforço e mérito. E isso somente é possível num ambiente de democracia e liberdade.

E é para isso que milhões de brasileiros de todas as classes sociais, de todas as regiões do país, de todas as etnias, estão saindo ás ruas, se manifestando pacificamente, dentro da lei, sem confronto com a polícia e sem distúrbios: para em primeiro lugar desfrutar da democracia e da liberdade as quais não devemos à presidente Dilma nem ao PT. E também para assegurar e defender essa democracia e essa liberdade contra o projeto antidemocrático e contrário à própria democracia e à própria liberdade, representado pelo PT. As pessoas estão saindo às ruas essencialmente contra o PT.


(*) Nota:
Os nomes das vítimas civis da guerrilha de esquerda citados nesse artigo foram retirados do excelente levantamento feito pelo jornalista Reinaldo Azevedo com base em documentos oficiais. A lista completa dos cento e vinte pessoas, a maioria civis, mortas pelos grupos de esquerda durante o regime militar, pode ser vista no link abaixo.
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/tag/mortos-pela-esquerda/

terça-feira, 17 de março de 2015

Presidente sitiada


O PT perdeu o controle das ruas, não tem mais o monopólio da mobilização das massas

Superou todas as expectativas: cerca de dois milhões de brasileiros foram às ruas em várias cidades do país para protestar contra o governo Dilma e o PT. São Paulo liderou, com metade deste montante. Em todo lugar, foi um ambiente de muita revolta e indignação, mas pacífico e familiar. Em Copacabana, levei minha filha e vi várias crianças e adolescentes. Os mascarados infiltrados não tiveram vez.

O contraste fica evidente: na sexta-feira 13, pelegos da CUT e “soldados” do “exército de Stédile” colocaram alguns gatos pingados nas ruas, a maioria em troca de mortadela e R$ 35. Havia ali até imigrantes que nem falam português. Foram apenas pelo dinheiro. Um “protesto” chapa-branca esquizofrênico, contra o governo, mas a favor de Dilma.

O PT perdeu o controle das ruas, não tem mais o monopólio da mobilização das massas. Fala em nome dos trabalhadores, mas os esfola com a inflação elevada e os impostos crescentes. Precisa pagar para reunir algumas pessoas em defesa da presidente, e faz isso em dia de semana, pois os “trabalhadores” ali presentes não trabalham: querem somente esmolas estatais.

Já no domingo os verdadeiros trabalhadores trocaram o dia de descanso pelo dever cívico de se manifestar contra um governo mentiroso, incompetente e corrupto. Sem organização partidária, foi um protesto totalmente espontâneo da parcela da população que não aguenta mais tanta roubalheira e cinismo. Essas pessoas querem um país melhor, desejam resgatar o direito de sonhar com o futuro, manter a esperança usurpada pelo governo.

A reação do PT e de seus militantes virtuais foi a pior possível, o que só joga mais lenha na fogueira. Primeiro, acusaram os manifestantes de “golpistas da elite”, como se fosse algum golpe gritar “fora Dilma” nas ruas, e como se fosse apenas a elite por trás dessa manifestação. Mesmo o impeachment, que era parte da agenda de alguns manifestantes, é um instrumento constitucional que foi usado contra Collor pelos próprios petistas. E naquele tempo não era “golpismo”.

Depois, quando viram o tamanho da coisa, resolveram repetir que só tinha eleitor do Aécio nas ruas, e que o governo Dilma é muito democrático e tolerante. Dilma escalou dois ministros para dar seu recado, mas o tiro saiu pela culatra. Cardozo, ministro da Justiça, insistiu na abertura ao diálogo do governo, o que todos sabem ser um mito. E ainda posou de grande defensor da democracia, um sujeito que já palestrou no Foro de São Paulo a favor de Cuba e Venezuela. É como Suzane von Richthofen enaltecendo o amor aos pais!

Para piorar a situação, Cardozo puxou da cartola a “reforma política”, que o PT tem tratado como panaceia para o problema da corrupção. Repetiu a importância de se adotar o financiamento público de campanha, como se a culpa do petrolão fosse das empreiteiras apenas, e não dos corruptos do PT. Não cola. Essa não era a pauta das manifestações. A voz das ruas não pede reforma política; deseja mudança de governo!

Enquanto os ministros defendiam o governo Dilma, novo “panelaço” ecoou pelo país. O governo continua negando a realidade, tratando os brasileiros como uma cambada de idiotas. Dilma sequer teve a coragem de falar diretamente com a população. A presidente já não pode circular pelas ruas do Brasil, pois sabe que será alvo de vaias. Agora não consegue nem se dirigir aos telespectadores pela TV. É uma presidente acuada, sitiada. E ainda faltam 45 meses de segundo mandato!

O que vai ser daqui para frente ninguém sabe ao certo. A situação de Dilma parece insustentável. O escancarado estelionato eleitoral em curso retirou qualquer legitimidade da presidente. A tentativa de jogar a culpa sempre para ombros alheios e a incapacidade de admitir erros fizeram de Dilma uma governante fraca, pois uma estadista jamais agiria assim. O PMDB, da base aliada, está cada vez mais afastado e rebelde. A governabilidade não existe mais.

O PT definha, em pânico. Lula, o responsável por isso tudo, ainda vai conseguir destruir o partido que ajudou a criar. Os brasileiros que têm olhos para enxergar já sabem que o único projeto do lulopetismo é se agarrar ao poder para sempre. Inspiram-se nos chavistas. Nunca ligaram para os pobres. Gostam mesmo é da pobreza e da ignorância, pois garantem um mercado cativo para seu populismo.

O Brasil vive uma subversão de valores. Banalizaram e institucionalizaram a corrupção. A ética foi jogada no lixo. Lula achou que era possível comprar todos. Não é. Está chegando a hora do acerto de contas com quem se recusou a se vender por migalhas estatais...


Rodrigo Constantino - Economista e presidente do Instituto Liberal - O Globo, 17/3/2015

segunda-feira, 16 de março de 2015

Crise grave, mas sem saída


O Brasil tem agora o antes e depois de 15 de março de 2015. Mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas para protestar contra a presidente Dilma Rousseff e contra o PT, que, desde 1980, era quem tinha força e capacidade de mobilização.

Quem poderia imaginar que o PT mudaria de lado e passaria a ser alvo, após 30 anos de glórias e de jogar as ruas contra tudo e contra todos em nome da ética? Bastaram 12 anos de poder para o caçador virar caça. E isso tem um lado dramático. Mas cada um colhe o que plantou.

À crise política, aos erros na economia, aos desmandos éticos, ao desmanche da Petrobrás, soma-se o último fator que faltava: as ruas. Fecha-se o cerco. Não foi uma manifestação a mais, foi uma para entrar na história, tal a dimensão e a extensão.

Em junho de 2013, a classe média assalariada explodiu nas ruas com uma pauta difusa - e confusa - de reivindicações e de acusações generalizadas contra "tudo o que está aí". Já neste 15 de março de 2015, jovens e velhos, mulheres e homens, empresários e assalariados tiveram uma pauta bastante específica: a rejeição a Dilma, ao governo e ao PT.

Registre-se uma grande ausência: a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não apareceu na sexta-feira nem no domingo, fosse para aprovar ou desaprovar qualquer dos dois movimentos. Mas o pior não foi isso: as multidões, com seus cartazes e slogans, simplesmente ignoraram Lula. Será que Lula, para o bem e para o mal, também não é mais o mesmo?

Do outro lado, a palavra impeachment, que foi o mote original da convocação pelas redes sociais, perdeu apelo e se enfraqueceu ao longo do processo e praticamente desapareceu no dia D. O "Fora Dilma" é simbólico. O pedido de impeachment, bem mais concreto, sumiu.

Tudo isso desaba sobre o PT num momento em que Dilma despenca nas pesquisas de opinião em todas as faixas e em todas as regiões e em que o governo deixa de ser um trunfo do partido para se transformar num fardo político. Por quê? Porque não tem o que dizer, não tem o que apresentar, não tem um horizonte melhor a oferecer.

Diz a regra que, se você não tem o que dizer, é melhor ficar calado. Dilma quebrou essa regra no Dia Internacional da Mulher e ontem destacou os ministros José Eduardo Cardozo e Miguel Rossetto para responder à avalanche popular com os dois temas sacados em junho de 2013: reforma política e pacote anticorrupção. Dois anos depois, é tudo o que o governo tem a dizer?

Como "defesa", os ministros disseram que quem foi às ruas não foi o eleitor de Dilma, foi o de oposição. Isso escamoteia o desgaste real e perceptível da presidente recém-reeleita; é uma admissão de que a oposição está cada vez mais forte e mais organizada e confirma que o governo, incapaz de fazer autocrítica, continua autista, isolado, talvez incapaz de ouvir a voz rouca das ruas. Pior: foi para o confronto e perdeu.

O governo, via PT, CUT e UNE, pagou para ver e deu no que deu. Os atos de sexta-feira, organizados, foram relevantes, mas os protestos de ontem, espontâneos, mostraram que os irritados com o governo ultrapassam em muito os aliados do PT.

É hora de o governo lamber as feridas e de a oposição avaliar seriamente como entrar no vácuo das manifestações. Espera-se que Dilma passe a ouvir, a conversar, a ceder, mas isso é querer que Dilma deixe de ser Dilma. Espera-se que o governo recomponha uma economia esgarçada e recupere a capacidade de articulação política com o Congresso, mas é preciso combinar com o PMDB.


E da oposição, o que se espera? Aí está o X do problema. As manifestações foram contra o PT, mas não foram a favor da oposição. O PSDB parece não saber o que dizer, o que fazer e para onde ir, está sem rumo e a reboque das ruas. E isso leva a um diagnóstico bastante grave: a crise é gigantesca, mas sem saída.

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo, 16 março 2015

sábado, 14 de março de 2015

Raios e trovoadas


Quem semeia raios econômicos, colhe tempestades políticas e trovoadas sociais

Nem tudo piorou de 2010 a 2014. Caíram de 131 para 98 por ano os brasileiros fulminados por raios em diversas regiões do país, de todas faixas etárias e sociais. As vítimas do que os antigos acreditavam ser a ira dos deuses são em número bem maior do que as temidas mortes em acidentes aéreos e não há nada que as explique, além de estar no lugar errado, na hora errada. Ou aquela palavra que não se diz.

Mas justo na hora em que o governo Dilma enfrenta um tiroteio cerrado de todos os lados e grandes turbulências, na semana passada, um raio atingiu em cheio o quartel da Guarda Presidencial, em Brasília, levando ao hospital 31 militares feridos, felizmente sem vítimas fatais. E sem que a oposição ou as elites golpistas pudessem ser responsabilizadas.

A advertência metafórico-meteorológica parece sob medida para a infalível, incontestável e incorrigível Dilma, mas também para cada um de nós. Os raios fulminam a onipotência humana e revelam a nossa fragilidade e precariedade, nos fazem aceitar que, se não há justiça na natureza, nem no cosmos, nem nos deuses e religiões, nos resta acreditar que a ideia de fazer justiça é só uma invenção humana, com todas as suas imprecisões e contradições, como parte do processo civilizatório.

Diz a lenda que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas há registros de descargas que atingem o mesmo ponto até mais de duas vezes. Mas, ao contrário da História, os raios não se repetem como farsa, mas como tragédia, inexorável e inexplicável. Raios políticos, como metáfora da força do acaso, já caíram várias vezes no Congresso, na Presidência e no Ministério da Fazenda.

Vítima constante de raios, como os que mataram Tancredo Neves, Luís Eduardo Magalhães e Eduardo Campos, o Brasil agora sofre com os raios econômicos semeados pelo governo Dilma, colhendo tempestades politicas e trovoadas sociais. Não há nenhuma crise internacional, os Estados Unidos cresceram 4,6% no trimestre, até a União Europeia e a América Latina cresceram mais do que o Brasil, com menos inflação. A crise é de quem a criou, a conta é nossa.


Mas, cuidado, panelas atraem raios.

Nelson Motta, O Globo, 14/3/2015

O recado das ruas


O PT, na oposição, se dizia diferente dos demais partidos. No governo, mostrou não era: era igual no que eles tinham de pior

14/03/2015 - 01h00
Lula, entre outras façanhas, recolocou as Forças Armadas na agenda política do país. Ao convocar o “exército do Stédile”, o MST, para ir às ruas e derrotar os que se opõem ao PT – 93% da população, segundo pesquisa em mãos do Planalto -, deu a senha para que se justifique a presença militar na cena pública.

Felizmente, tal não ocorreu. Os militares sabem distinguir bravata de realidade. O “exército do Stédile” paga R$ 35 por soldado, fornece transporte em ônibus alugados com verba do imposto sindical e mais um farnel de sanduíche de mortadela.

Não foi suficiente para reunir mais que sete ou dez mil “soldados” na avenida Paulista. Mas Stédile avisa: “Engraxem as chuteiras, pois o jogo apenas começou”. Que jogo? Com esse time, não se chega nem à quinta divisão.

O PT, na verdade, está apavorado. Se apenas 7% do país apoiam o governo Dilma, estamos diante de uma de duas hipóteses: ou a burguesia aumentou o seu tamanho – e é a maior do planeta – ou o partido perdeu sua massa de manobra.

O que restou ao PT foi a militância paga, o “povo profissional”, que se manifesta em dias de semana porque não trabalha. A conivência do governo federal é óbvia. Quando os caminhoneiros fecharam as estradas, mandou a Guarda Nacional reprimi-los; quando o MST fez o mesmo, não mandou ninguém.

Enquanto os caminhoneiros protestavam contra o aumento do diesel – que é vendido mais barato no Paraguai, que o importa de nós -, o MST protestava contra a burguesia e o imperialismo. Aos caminhoneiros, foi aplicada a multa de R$ 10 mil por dia de paralisação; ao MST, foi fornecida a remuneração acima.

O roubo não é um componente ideológico. Não é de esquerda, nem de direita: é simplesmente um crime, capitulado nos códigos penais de países “de esquerda” e “de direita”. A população, em sua esmagadora maioria, nem sabe o que são esses conceitos. Mas sabe muito bem o que é embromação, malandragem – e sabe distinguir bem a retórica do mentiroso.

Sabe constatar gestos de cara de pau, quando, por exemplo, os predadores da Petrobras convocam um ato em defesa da empresa que eles mesmos liquidaram. Quando Lula, no ato da ABI, em que convocou o “exército do Stédile”, diz que “a Petrobras é nossa”, está sendo sincero pelo avesso. Comete um ato falho, sem o perceber. A frase embute uma confissão, que explica o que a CPI está apurando na Câmara dos Deputados.

O PT, na oposição, se dizia diferente dos demais partidos. No governo, mostrou não era: era igual no que eles tinham de pior. É hoje aliado dos que, no passado, classificava de ladrões. Hoje, diante do Petrolão, um escândalo sem precedentes, se esforça para mostrar que é igual a todos, que apenas deu sequência a uma prática já instalada. Com isso, piora o que já é ruim.

Quando alguém se defende de um ilícito com o argumento de que outros também o praticaram, não está propriamente se proclamando inocente. Quando esse alguém é governo, acrescenta ao delito de que é acusado outro: o de prevaricação.

Se seu predecessor, de fato, delinquiu, e ele, 13 anos depois, o revela, sem ter tomado qualquer providência punitiva, é, no mínimo, cúmplice por omissão.

São contradições como essas, que o desespero produz, que, por acúmulo, levaram à insatisfação popular expressa na última pesquisa. A manifestação de amanhã, aguardada com imensa expectativa, não pertence a nenhum dos partidos de oposição, embora seja legítimo que estes a ela se associem.

Mas, entre seus recados explícitos, está a decretação não apenas da falência moral do PT e do governo, mas de todo o sistema político que os viabilizou. A oposição tem que olhar com humildade e autocrítica este momento, se pretende a ele sobreviver. E o PT deve começar a providenciar a operação-retirada, ainda que permaneça figurativamente no governo.


Não se governa com 7%. Nesses termos, é preciso baixar a crista e buscar socorro político enquanto é tempo. E o socorro político hoje não está na Praça dos Três Poderes, mas na sociedade, que exige novos rumos (e novos governantes) para o país. Esse o recado das ruas, que assistiremos neste domingo.

Ruy Fabiano
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