terça-feira, 28 de abril de 2015

O problema é o PT

O argumento de que a liderança petista é totalmente diferente de sua base e que o partido traiu seus ideais não se sustenta após um mínimo de reflexão

O Partido dos Trabalhadores está no olho do furacão, perdendo cada vez mais simpatizantes sob uma avalanche de escândalos de corrupção. Alguns já chegam a falar na possível extinção da sigla, o que parece um tanto prematuro. Outros surgem para jogar uma boia salvadora e fazer de tudo para separar a cúpula da base partidária, e com isso inocentar a última e preservar a aura de pureza do partido e seus ideais. Mas será que a liderança do PT realmente traiu seus membros?

Não engulo a tese nem por um segundo. Sou autor de um livro de 2005 chamado “Estrela cadente”, escrito antes do mensalão, e nele já mostro como a bandeira ética do PT era apenas marketing: “A principal bandeira do PT sempre foi a ética. O partido vendia uma imagem de que era diferente dos demais partidos, envoltos em escândalos de corrupção e acordos espúrios apenas para maior poder político. Pretendo mostrar que essa bandeira era feita de um pano falso, e não está apenas esgarçada, mas totalmente destruída pelas traças do poder”.



A esquerda radical tem uma habilidade incrível de se reinventar após cada desgraça que produz, e assim preservar sua utopia igualitária. Quando o socialismo se impôs em diferentes cantos do mundo, e os liberais já alertavam para a iminente tragédia, as experiências efetivamente trágicas não podiam ser culpa do socialismo. Era preciso criar o conceito de “socialismo real”, culpar os ditadores em si, os desvios éticos, tudo, menos a própria utopia.

A mesma coisa aconteceu recentemente com a Venezuela. Quantos “intelectuais” não se encantaram com o gorila Chávez e seu “socialismo do século XXI”? Quantos não vibraram com a “justiça social” que estava por vir? Depois que o resultado inexorável das práticas socialistas ficou evidente, com mais um rastro de miséria e escravidão deixado para trás, o problema não podia ser com o próprio socialismo, mas com os tais desvios das lideranças. O fracasso socialista é sempre órfão, quando a paternidade não é jogada sobre os ombros dos capitalistas, numa inversão que só socialistas teriam a cara de pau de fazer.

O argumento de que a liderança petista é totalmente diferente de sua base e que o PT traiu seus ideais não se sustenta após um mínimo de reflexão. Ora, que ideais seriam esses? O PT não é, por acaso, sócio da ditadura cubana no Foro de São Paulo? Não é aliado dos sequestradores das Farc? Não demonstrou sempre afinidade ideológica com o regime venezuelano? Então, qual ideal foi traído pela cúpula?

Quando José Dirceu e companhia foram condenados e presos, a postura oficial do PT não foi a de tratá-los como vítimas injustiçadas pelo “sistema burguês”? Quem permaneceu no partido após o mensalão não estava, portanto, dando seu aval aos métodos escancarados do partido para se perpetuar no poder? Não eram cúmplices da quadrilha?

Os socialistas sempre acharam que seus “nobres fins” justificavam quaisquer meios, por mais nefastos que fossem. Ora, essa espécie de salvo-conduto para o crime está no cerne dos problemas atuais do PT, mergulhado nos maiores escândalos de corrupção que o Brasil já viu. A concentração de amplo poder arbitrário no Estado, outra velha bandeira do partido, também tem tudo a ver com a situação atual. Como, então, alegar que a base do partido é uma vítima de sua liderança?

Como se não bastasse, e como que para ridicularizar a tese de sociólogos e jornalistas que tentam separar o joio do trigo, a própria base do PT lança um caderno de teses para seu próximo congresso simplesmente enaltecendo o comunismo, culpando a “imprensa golpista” pelo lamaçal em que o partido se encontra hoje. Imprensa legítima, pela ótica bizarra desses petistas, é aquela formada por blogs bancados por estatais e até dinheiro desviado dos nossos impostos, como mostra a Operação Lava-Jato. Quem aplaude essa mídia chapa-branca pode ser vítima da cúpula petista, por acaso?

Os “salvadores do PT limpo”, ou de seu “passado nobre”, posam como esquerdistas moderados, e acusam de “demônios” a direita “paranoica” que vive presa na Guerra Fria e fala em bolivarianismo. Em que mundo esses “moderados” vivem, que não enxergam o que prega oficialmente o próprio PT?

Não há nobres ideais no PT, tampouco vítimas inocentes. São todos cúmplices de um projeto totalitário de poder, que encara a democracia como uma “farsa” para se manter no poder, que endossa os métodos mais abjetos em nome de um igualitarismo utópico que mascara a inveja dos medíocres. O problema não está apenas na cúpula do partido, nem houve traição alguma. O problema é o PT.

Rodrigo Constantino, O Globo, 28/04/2015

sábado, 25 de abril de 2015

Delírios à beira do abismo


O Caderno de Teses do PT, a ser debatido em seu 5º Congresso, em junho, em Salvador – e disponível em seu site -, expõe o grau de alheamento de sua militância em relação à conjuntura presente. O partido propõe, em síntese, uma revolução, a partir da mobilização das massas. Que massas?

O partido não percebe que perdeu a hegemonia das ruas. Seu projeto socialista, de viés autoritário – autointitulado “hegemônico” -, jamais enfrentou tantos obstáculos.

A economia vai mal, suas principais lideranças estão às voltas com o Código Penal e as massas que ocupam as ruas pedem que deixe o poder. A presidente reina, mas não governa. O poder está nas mãos de uma trinca peemedebista: Michel Temer, vice-presidente; Eduardo Cunha, presidente da Câmara; Renan Calheiros, presidente do Senado.

A economia está nas mãos de um tecnocrata liberal, Joaquim Levy, que representa o avesso do projeto socialista do partido. Os Cadernos de Teses – um conjunto de sete apostilas, cuja primeira tem o provocativo título de “Um Partido para Tempos de Guerra” – parecem ignorar a nova realidade posta ao partido. Age como se cada etapa de sua presença no poder tivesse obtido êxito.

No processo de aparelhamento gradual da máquina administrativa do Estado e dos organismos de representação da sociedade civil, este momento – o quarto mandato consecutivo na presidência da república – seria o de up grade revolucionário. Mas alguma coisa não deu certo – e a militância não percebeu.

O partido perdeu seguidores e ganhou adversários, a tal ponto que passou a ser enxotado das ruas. Seu líder maior, Lula, não mais aparece em locais públicos. Fala apenas a auditórios ideologicamente higienizados. Idem a presidente da República, cuja presença é inevitavelmente saudada por vaias.

As pesquisas mostram que, se as eleições fossem hoje, o PT perderia no primeiro turno, não importa o adversário. Em vez de discutir o que mudou, onde se deu o desvio, o 5º Congresso do PT põe em debate teses que, ainda que seu projeto houvesse triunfado, seriam senão inviáveis, ao menos complicadíssimas.

Entre outros disparates: reestatização de tudo o que foi privatizado; cassação de todos os ministros do STF que condenaram os mensaleiros do partido; estatização da Rede Globo e das TVs que exibem programas religiosos; demissão de todos os ministros do governo Dilma que não rezem pela cartilha socialista: Joaquim Levy (Fazenda), Kátia Abreu (Agricultura) e Armando Monteiro (Desenvolvimento Industrial), exatamente os que avalizam a presidente perante o mercado.

E há mais. Os Cadernos repetem exaustivamente a palavra democracia, que as propostas negam. Ao mesmo tempo em que defendem o “aprofundamento do combate à corrupção”, propõem o cancelamento de todas as denúncias e investigações em curso. E há uma nota pitoresca: a proposta de cassação de um único parlamentar, o deputado Jair Bolsonaro. Um projeto revolucionário que mira e nomina um único adversário.

O que se constata é que o partido vive não apenas seu ocaso político e moral, mas sobretudo intelectual. Um partido que nasceu no ambiente das academias, sobretudo a USP, sonhado por intelectuais de grande respeitabilidade, termina em mãos de uma militância iletrada, alheia aos fatos que ela própria construiu e que pretende transformar com bravatas. Não se cura uma febre quebrando o termômetro, mas é o que a militância petista propõe em seus delirantes Cadernos de Teses.

Ruy Fabiano, O Globo, 25/4/2015

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Ruína da Petrobras tem nome(s): Lula e Dilma


Ao divulgar o balanço da Petrobras, Aldemir Bendini, presidente da companhia, pediu “desculpas em nome dos funcionários.” Disse que “há um sentimento de vergonha.” A maior injustiça que se pode cometer com a estatal é acomodar nos ombros do seu corpo funcional toda a responsabilidade pelo desastre escancarado na escrituração tardia. Essa ruína tem nome(s): Lula e Dilma Rousseff.

Por delegação de Lula, a Petrobras está sob a alçada de Dilma desde a chegada do PT ao poder federal, em janeiro de 2003. Primeiro, ela foi ministra de Minas e Energia, de cujo organograma pende a estatal. Depois, acumulou as atribuições de supergerente da Casa Civil com a presidência do Conselho de Administração da Petrobras. Em seguida, como presidente da República, centralizou todas as funções anteriores.

Lula e Dilma já disseram que não sabiam de nada sobre a pilhagem que pôs a Petrobras de joelhos. Agora, além da piada da cegueira, a dupla terá de arranjar uma lorota para justificar a incompetência. Os números oficiais informam que a corrupção não foi o maior problema da Petrobras. A inépcia gerencial foi sete vezes superior à roubalheira.

Os auditores lançaram na coluna do passivo perdas de R$ 50,8 bilhões. Desse total, R$ 6,194 bilhões referem-se ao câncer das propinas escarafunchadas na Operação Lava Jato. Os outros R$ 44,63 bilhões viraram fumaça por conta da incúria administrativa. Nessa conta, entram delírios nascidos da megalomania de Lula e do interesse em fazer uns dinheirinhos para saciar os apetites do conglomerado partidário que gravita na órbita do governo.

Cancelaram-se novas etapas da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e do Comperj, no Rio. Foram enviadas às calendas as refinarias companheiras do Ceará e do Maranhão, prometidas pelo morubixaba do PT aos clãs Gomes e Sarney, respectivamente.

Sob Lula, Dilma engolira todos esses empreendimentos sem esboçar contrariedade. Se discordasse, teria sido enviada ao olho da rua pelo chefe. Ou teria pedido o boné. Preferiu ficar. Mais que isso: sucedendo o criador, optou por manter o discurso triunfalista e as obras delirantes. Pior: escamoteou a movimentação dos representantes da bancada do dinheiro na diretoria da Petrobras.

Admita-se, para efeito de raciocínio, que o grosso do escândalo que carcome a administração Dilma foi jogado no colo dela pelo antecessor. A criatura teve uma chance de espantar a macumba do criador há pouco mais de um ano. Em março de 2014, numa resposta ao Estadão, Dilma informara em nota que, como presidente do Conselho Administrativo da Petrobras, aprovara a compra da refinaria texana de Pasadena com base em “informações incompletas'' deitadas sobre um “parecer técnica e juridicamente falho'' pelo então diretor Nestor Cerveró.

Dias depois, o juiz Sérgio Moro mandou a Polícia Federal prender Paulo Roberto Costa, um ex-diretor da Petrobras que deixara a empresa sob elogios da direção. Podendo associar-se a sério aos esforços para lancetar o tumor, Dilma se deixou enquadrar por Lula e pela banda do PT que traz um código de barras na lapela.

Criticada pelo “erro” do sincericídio da nota sobre Pasadena, a presidente recolheu a língua e liberou seus operadores para negociarem o silêncio de Cerveró e de Paulinho. Com isso, abriu mão de se tornar solução para continuar sendo parte do problema. Por azar, Paulinho decidiu lutar pela redução de suas penas com o suor do seu dedo. Foi imitado por outros 15 delatores.

Na noite passada, ao informar que a Petrobras registrou prejuízo de R$ 21,58 bilhões no ano de 2014, invertendo o lucro de R$ 23,6 bilhões que amealhara em 2013, Aldemir Bendini construiu uma analogia aérea: “Vejamos o caso de um desastre aéreo. É sempre através dele que se aperfeiçoam as medidas de segurança. Vamos dizer que a gente passou por um grande desastre. Isso servirá para que a gente invista cada vez mais em governança.”


A imagem, por infeliz, remete a plateia à tragédia aérea mais recente, aquela em que o copiloto Andreas Lubitz trancou o piloto do jato da companhia Germanwings do lado de fora da cabine e mergulhou o voo 4U9525 nas montanhas dos Alpes franceses, matando 150 pessoas. Se Dilma bobear, Lula ainda vai bater à sua porta para, num desespero simulado, assumir o papel do piloto inocente.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

FHC, Lula e a história


Manifestações em verde e amarelo, tendo como trilha sonora o Hino Nacional, são sempre emocionantes, mexem com a alma, remetem às Diretas-Já. Mas, depois de 30 anos assistindo ao PT banhando o País com sua estrela, suas bandeiras vermelhas e seu combate à corrupção, há também uma sensação de amargura, de melancolia, quando se veem e ouvem hoje milhares ou milhões de pessoas nas ruas gritando vigorosamente: "Fora PT, fora Lula!".

É uma pena. O partido teve suas décadas de glórias, subiu a rampa do Planalto, alçou Lula à condição de campeão de popularidade e capotou. Inebriados, o partido e Lula meteram os pés pelas mãos, perderam a compostura, lambuzaram-se nos palácios, nas estatais, nas mamatas e boquinhas. É por essas e outras que, em geral, a alternância no poder é um princípio tão salutar.

De certa forma, e por motivos diferentes, Lula deve agora repetir a trajetória de Fernando Henrique Cardoso. FHC sai do inferno, Lula despenca do paraíso, e as imagens dos dois, que se distanciaram tanto na opinião pública nos 12 anos de PT, começam lentamente a se aproximar.

O tucano brilhou com o Plano Real, elegeu-se duas vezes em 1.º turno e elevou orgulhosamente o patamar do Brasil no cenário internacional, mas foi ferido por sucessivas crises econômicas externas e crises políticas internas e acabou atingido em cheio por um slogan capcioso: "a herança maldita", uma mentira criada por Lula que ganhou pernas, rodou o País e se cristalizou como verdade. O próprio PSDB escondeu o seu grande legado em três campanhas presidenciais consecutivas.

Lula foi aos píncaros com uma conjuntura econômica externa e interna muito favorável, aprofundou ao máximo a inclusão social, abriu o paraíso à classe média com o aquecimento do crédito e da demanda e iluminou o Brasil no mundo como nunca antes se teve notícia. Mas, no submundo, produziam-se o mensalão, o petrolão, as maracutaias do PT e, dali, emergiam sabe-se lá quantos Andrés Vargas, Valdomiros, Erenices, Roses. A corrupção goteja, vem do alto e se espalha em solo raso.

Tanto quanto FHC, Lula foi ao céu e, do céu, começa a descer ao inferno. Ele e os militantes renitentes ainda sonham com a volta por cima em 2018, mas o Datafolha apurou que Lula perdeu 21 pontos de popularidade entre novembro de 2010 e este abril e, pela primeira vez, se houvesse uma eleição hoje, ele perderia para o tucano Aécio Neves. É uma guinada e tanto, considerando-se que Lula é Lula. Será que Lula era Lula?

Na perspectiva histórica, bem mais adiante é possível que Fernando Henrique e Lula se acomodem em patamares mais realistas, menos passionais, com o espaço de grandes líderes que são, sem a demonização de FHC nem endeusamento de Lula. Ambos tiveram êxitos e fracassos, e, nem tanto ao céu nem tanto ao mar, deixaram uma marca indelével no País. Sessenta anos depois de sua morte, Getúlio Vargas merece uma pilha de biografias que o recolocam no patamar real de político e homem que acertou tremendamente e errou na mesma proporção.

E a história, com interessante rapidez, já começa a resgatar a real importância de FHC e tende a fazer depois o mesmo com Lula, que no poder jogou os escrúpulos às favas e passou a ver o mundo a partir do próprio umbigo, mas será para sempre, de gerações em gerações, o menino pobre de Garanhuns, o grande líder sindical, o encantador de massas que acreditava piamente incluir as pessoas e preparar o futuro com geladeira, fogões e viagens.

Mas a história tem seu tempo. Hoje, no calor de tantas emoções e tantas crises, o sentimento das ruas é de "fora Dilma, fora PT", o que, na essência, significa "fora Lula". Na narrativa cotidiana atual, ele é o santo de pés de barro, derretendo com o insaciável PT e com os desastres de Dilma - que, por essas ironias da vida e da política, nem era Lula nem era PT, mas é decisiva para apagar do horizonte o "Lula 2018".


Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo, 15/4/2015

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Bye Bye Dilma


Domingo é dia. De novo. O governo respondeu mal. Ele joga com o tempo. Sabe que é difícil manter tanta gente na rua quando sem um resultado tangível. É um cálculo válido para período de estabilidade e crescimento. O Brasil em crise é um fio desencapado. As manifestações não conseguiram ainda seu objetivo: Fora Dilma.
No entanto, Dilma já não está tão dentro como antes. A iniciativa política foi arrebatada pelo PMDB. O ajuste econômico é conduzido pelo liberal Joaquim Levy, que o negocia com o Congresso Nacional.
O debate sobre o ajuste tem conteúdo para ser discutido dias seguidos. Quase todos concordam que um ajuste adequado levará o Brasil de novo ao crescimento. Mas poucos se perguntam sobre o crescimento. Será que vamos reunir forças para um novo voo de galinha? Retomar o crescimento significa entupir os lares de eletrodomésticos e carros, exaurir os rios de forma irresponsável?
Mesmo para um voo de galinha as perspectivas não são boas. Teremos energia para o crescimento em 2016? Nossas estradas suportam um aperto econômico - elas que foram devastadas pelo tempo e pela corrupção? Todos se interrogam para onde estamos indo. Marchar para uma euforia consumista e, depois, cair na depressão torna a política econômica uma nova droga.
O escritor Frei Betto usou a imagem do filme Good Bye Lenin! para expressar o espanto de alguns eleitores de Dilma: é como se dormissem com a vitória de sua candidata e acordassem com a de Aécio Neves, seu adversário. Esse filme de Wolfgang Becker é bem lembrado porque conta a história de uma comunista fervorosa de Berlim oriental que ficou oito meses em coma e acordou depois da queda do Muro. E o esforço do seu filho era para mascarar os traços do capitalismo e evitar que ela se chocasse com o movimento da História.
Good Bye Lenin!, na minha opinião, não exprime apenas a perplexidade dos eleitores de Dilma. Ele exprime a perplexidade de toda a esquerda, que deveria estar acordando de um grande sonho e se espantar com o mundo, como a comunista de Berlim ao ver um imenso anúncio publicitário do outro lado da rua. Seria como se um cubano acordasse na Costa Rica ou um venezuelano nos supermercados do Peru, algo tão diferente. Nesses anos em que o Muro de Berlim caiu, muitos continuaram em coma, ou protegidos das mudanças no mundo real.
Isso não teria tanta importância se a esquerda não fosse para o poder com uma parte das ilusões. Ela confundiu partido com Estado e capitalismo de leis implacáveis com seus sonhos socialistas.
Não deveria. Marx estudou muito para explicitar essas leis. Nem sempre acertou, mas as estudou profundamente e jamais apoiaria um enfoque apenas consumista. Não porque Marx fosse da elite branca. Mas porque saberia que a conta seria cobrada na frente.
Hoje a conta está sendo cobrada. Dormiu-se com a promessa do paraíso, acorda-se numa realidade inequívoca: tanto Dilma como Aécio seriam obrigados a algum tipo de ajuste.
A confusão entre governo e poder, entre partido e Estado acabou arruinando uma experiência, finalmente, dinamitada pela corrupção.
Uma esquerda no governo não poderia comprometer-se a fundo com Cuba e Venezuela. Ainda que admirasse os dois modelos, o que é um alto grau de miopia, deveria levar em conta uma posição nacional.
Uma esquerda no governo deveria abster-se de levar o capitalismo a um outro sistema, mas, sim, tirar o melhor proveito de suas potencialidades e reduzir seus impactos negativos. O capitalismo pode alcançar altos níveis de inovação e criatividade, como nos Estados Unidos, ou mesmo uma respeitável rede de proteção, como na Escandinávia.
Não vejo como transitar do capitalismo para outro sistema econômico, exceto através da decadência e destruição de seus alicerces. E isso nem na Venezuela vai acontecer. O sonho bolivariano encarnou num homem que esmaga os opositores e conversa com passarinhos. Quando vão despertar? Quando encontrarem Nicolás Maduro cantando salsas e merengues nas pizzarias do seu bairro?
Bye Bye Dilma não é apenas o acordar de um sonho eleitoral. E um sono de 12 anos - de pouco mais de 25 anos se contarmos da queda do Muro de Berlim. O projeto não se perdeu apenas pela questão ética. Seus passos estão intensamente discutidos no escândalo do petrolão e outros que se espalham como tanques em chamas.
Mas os fins, quais eram mesmo os fins? Para onde é que nos levavam?
Dentro do País vivemos a crise do populismo econômico. Lá fora, nossa importância diplomática foi dramaticamente reduzida.
Não dói somente ver Dilma e o PT se comportarem como se nada de errado tivesse acontecido. Dói também ver a perspectiva de um grande esforço fiscal desaguar numa visão de crescimento de novo insustentável, tanto econômica como ambientalmente.
A Califórnia passou por mil desafios, abrigou a indústria de cinema e da informática, e agora se vê diante da necessidade de se reinventar. E muitos perguntam se conseguirá, como das outras vezes. A crise hídrica é grave por lá. No Brasil nem sequer nos colocamos a ideia de uma primeira reinvenção. E a crise hídrica é grave por aqui.
Toda vez que falam "vamos fazer o ajuste fiscal, voltar a crescer", tenho um calafrio. De novo, um voo de galinha na economia e na política?
Seria necessário rever o caminho. A visão puramente eleitoral é sempre punida pelas leis do capitalismo. Não há espaço para uma esquerda monocrática que confunde suas ideias com o interesse nacional, que julga aproximar-se do socialismo, mas avança para o colapso econômico.
Essa esquerda dormiu abraçada numa bandeira vermelha e acordou com a multidão em cores verde e amarelo. Se acordou, finge que está dormindo.
Fernando Gabeira 

sábado, 4 de abril de 2015

10 coisas que aprendi com os petistas, na Internet


A grande web é uma arena de gladiadores e um tratado sociológico sobre a vergonha alheia. Aqui aprendemos, como em nenhum outro lugar, como se comportam os partidários das mais diferentes tribos e escolas de pensamento. Uma, em especial, se destaca nesses tempos de crise – a dos petistas. Eis uma classe entregue a desconstruir adversários e críticos, abraçando o governo da maneira mais desavergonhada possível, reinventando-se através das desculpas mais esfarrapadas do mundo.
Abaixo, 10 coisas que aprendi com eles nos últimos meses.

1) Quem não é petista, é tucano
 Não importa quem você é ou o que você defende: se você não é petista, você é tucano. Não há outra opção disponível. Ataque um descaso do Partido dos Trabalhadores e espere: será apenas uma questão de tempo para que um ataque ao PSDB apareça na sua frente como se esse fosse um argumento. E aqui não importa se você reside num estado ou numa cidade governada por tucanos. Quem ataca Lula e Dilma automaticamente defende Geraldo Alckmin, Aécio Neves e Fernando Henrique Cardoso. É uma determinação implícita nos debates, um contrato que você assinou se responsabilizando sem saber.
2) Quem não é petista não gosta de pobre viajando de avião
Por alguma razão inexplicável, quem não é petista não gosta de pobre viajando de avião. Não me pergunte por quê, mas alguém que não apoia o atual governo só pode assumir essa posição porque perdeu sua escrava doméstica; não consegue alugar seus apartamentos graças ao sucesso do “Minha Casa, Minha Vida“; não gosta de negros cursando o ensino superior (mesmo que você seja negro); e se irrita porque é obrigado a ficar mais tempo preso no trânsito com seu carro, engarrafado no meio de um monte de veículos populares guiados por domésticas, cabeleireiras, pedreiros e porteiros (o que lembra a velha máxima “congestionamento é progresso”, dita por Paulo Maluf em certa ocasião). Como disse Rui Costa, o atual governador petista da Bahia, “o antipetismo é a insatisfação da classe média”. Para ele, “o Brasil está vivendo um segundo período de fim da escravidão“, com a derrota de “pessoas [que] veem como um absurdo o porteiro chegar de carro ao trabalho e se incomodam ao ficar atrás de um agricultor ou uma empregada doméstica em uma fila de aeroporto; acham que pobre não pode ter carro, não pode andar de avião, não pode entrar em uma universidade”. Não há outra razão possível – quem ataca o PT é rico e não gosta de pobres. Simples assim.
3) Você protesta contra o governo porque nunca leu um livro de história na vida
Você não votou na Dilma porque nunca leu um livro de história na vida (certamente não os do Mario Schmidt). É duro ter que dizer isso, mas você certamente é um iletrado que ignora o fato irrefutável de que por 500 anos o Brasil foi governado pela direita (somos um país tão conservador que já eramos de direita antes mesmo da direita nascer). Na última campanha presidencial, conforme apontado por diversas pesquisas de opinião, a candidata petista liderou com folga entre aqueles com escolaridade até a 4ª série, mas viu um cenário radicalmente oposto entre aqueles com ensino superior, que apoiaram em massa o candidato da oposição. Na dúvida, os mais escolarizados fugiram dos livros de história.
4) Quem não é petista, nem tucano, defende a Ditadura Militar
 Se você não é petista, só há um caminho possível além de ser tucano – você é um defesor da Ditadura Militar. Não, não há outra razão. Dilma combateu os militares, se você não gosta dela, logo os defende. O caminho é muito claro: você não gosta do PT porque provavelmente é um fascista. E nem adianta olhar pro lado, tô falando com você mesmo, que esconde pôsteres do Mussolini no quarto. Você que quer a instauração de um regime racial, que toma as ruas com as cores do país para protestar contra o governo. Você é um radical de ultradireita que se cumprimenta dizendo “anauê” para sua trupe.
5) Você não pode reclamar dos bilhões desviados pela corrupção porque fura fila na padaria
Você não tem o direito de reclamar dos casos de corrupção cometidos pelo governo. Por duas razões. A primeira porque o PT não criou a corrupção, logo não faz sentido acusar o partido de nada – além disso, o PT é o único partido que manda investigar. A segunda, porque você fura a fila da padaria, já buzinou perto de um hospital e já estacionou em local proibido. E nem adianta dizer que você nunca fez nada disso, porque o jeitinho está na alma do brasileiro. Antes de reclamar dos bilhões de reais desviados pelo PT, pense naquele dia em que você colou fazendo uma prova de geografia na oitava série. Além disso, lembre-se do primeiro argumento dessa lista: o PSDB já esteve envolvido em casos de corrupção. Todos os seus argumentos contra o PT são inválidos, tucanalha!
6) O processo constitucional de impeachment é golpe
 Se você toma as ruas reclamando de um governo envolvido em esquemas de corrupção – do zagueiro ao ponta-direita – pedindo a investigação da presidente, se ousa pronunciar a palavra impeachment, só o faz porque é automaticamente um golpista. Isso mesmo. O impeachment é um processo regulado no Brasil pela lei 1.079/50, um artifício democrático e constitucional, não presente em regimes ditatoriais (você já viu algum ditador saindo do cargo porque sofreu um processo de impeachment?). Ainda assim, caso você ouse pronunciá-lo, pedindo apuração dos fatos, você é um defensor da ditadura. Ok o governo se aproximar de regimes ditatoriais (como Cuba e Venezuela), oferecendo ajuda econômica e política. Ok os petistas terem pedido a saída de quase todos os presidentes eleitos no país desde a redemocratização. O culpado é você, que exige a independência do Judiciário e do Legislativo, que pede por investigações e o cumprimento da lei.
7) Dilma não pode sair porque seu vice, eleito pelos petistas, não presta
Além de golpista, aprendemos com os petistas que você também não tem consciência política - afinal, se sai a Dilma entra o Michel Temer no lugar, e quem em sã consciência gostaria disso? Todo mundo que votou na Dilma votou no Temer também (afinal de contas, não existe um candidato único à presidência, mas uma chapa-presidencial), mas você não tem consciência aqui por querer que seu vice tome o poder. Quem elegeu Michel Temer vice-presidente de um país onde os vices assumiram o poder em 1/3 das ocasiões desde a redemocratização, ignorando o fato de que ele poderia assumir o poder a qualquer momento, podem lhe ensinar agora como ser um eleitor mais consciente.
8) Quem vaia Dilma é machista
Se você vaia a presidente, se bate panelas quando ela aparece na televisão, se por algum motivo não gosta dela, só o faz porque é um machista (mesmo que você seja uma mulher). Não adianta ignorar a realidade. O machismo é um sentimento inconsciente que expressamos muitas vezes sem querer, homens e mulheres. Faz parte da nossa cultura. Se você não gosta de uma presidente mulher é porque têm ódio de mulheres - provavelmente não se sente tão à vontade vendo mulheres alcançando posições de destaque na sociedade. Toda oposição à Dilma é uma apologia ao machismo. Esqueça o noticiário, esqueça os casos de corrupção, esqueça a economia, busque um psicólogo.
9) Todos os problemas do país serão resolvidos com uma reforma política
Todas as soluções para o país estão na Reforma Política proposta pelos movimentos sociais e sindicais de esquerda – afinal, eles representam a sociedade, não é mesmo? É ela quem irá estabelecer a paz mundial, curar todas as doenças, devolver o poder ao povo brasileiro. Quer combater a corrupção? Os petistas têm a solução: acabem com o financiamento privado de campanha. Depois da proibição, segundo os simpatizantes do partido que mais recebe doações de empresas privadas no país, não mais haverá caixa 2 (um crime que remete a um dinheiro que já não é contabilizado de forma legal, mas tudo bem), não mais obras superfaturadas no país, não mais escândalos em ministérios e nas estatais. Sem dinheiro privado de campanha, como num passe de mágica, os políticos brasileiros não terão mais incentivos para o roubo e as aproximações com empresários corruptos. A verba de dinheiro público aos partidos irá aumentar substancialmente – com o dinheiro dos pagadores de impostos, claro – mas esse é o preço que se paga para combater uma chaga tão dura na sociedade brasileira. Ok, não há qualquer indício que a corrupção diminua no país com a medida, mas pelo menos o partido que manda investigar está mandando investigar.
10) 2 milhões de pessoas tomaram as ruas no dia 15/03 porque a Globo ordenou
Por fim, aprendi com os petistas na internet que dois milhões de pessoas tomaram as ruas do país em protesto contra o governo porque a Globo convocou. Sim, caros leitores: se a maior emissora do país registra em sua programação o maior protesto da história do Brasil é porque ela claramente está se opondo ao governo e convocando as pessoas para o ato. E o brasileiro é como um zumbi: ele viu os protestos sendo noticiados na televisão no domingo de manhã, vestiu sua camisa verde e amarela e tomou conta das ruas sedento por carne humana. Grave bem, tudo que acontece de errado nesse país é culpa da Globo. Não há razões para descontentamento. O brasileiro é um povo alienado porque a Globo o coloca contra o governo. As milhões de pessoas que tomaram as ruas provam isso. O fato do PT ter ganho as últimas quatro eleições presidenciais, num período em que a Globo permaneceu líder de audiência, é um mero acaso, um acidente. Nos últimos treze anos ela não teve força suficiente para mudar a vontade de um povo soberano que não é bobo e que grita “abaixo a Rede Globo”. Agora, como mágica, tudo é diferente. Esse é o Brasil.

Rodrigo da Silva
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