sábado, 26 de março de 2016

O ocaso de um mito chamado Lula


Neste momento em que a Operação Lava Jato desconstrói a imagem de Lula, depurando-a de todos os artifícios, instala-se uma espécie de assombro geral nos meios intelectuais e artísticos do país, onde ainda reina forte resistência aos fatos.

Tal depuração baseia-se em alentados registros – e o mais eloquente vem da própria voz de Lula, captada nos recentes grampos telefônicos, autorizados pela Justiça, em que exibe solene desprezo pelas instituições, em especial o Judiciário.

Não se deve apenas aos truques do marketing político-eleitoral a construção da imagem do falso herói. Bem antes do advento dos Duda Mendonça e João Santana, hoje às voltas com a Justiça, Lula já desfrutava de altíssimo conceito redentor, esculpido no âmbito universitário, onde o projeto do PT foi engendrado.

E aqui cabe repetir o bordão lulista: nunca antes neste país, um presidente da República foi brindado com tantos títulos honoris causa por parte de universidades, mesmo sem ter dado – ou talvez por isso mesmo - qualquer contribuição à atividade intelectual.

Ao contrário: Lula e seus artífices difundiram o culto à ignorância e ao improviso, submetendo a atividade intelectual à condição subalterna de mera assessora de um projeto populista.

A epopeia de alguém que veio de baixo e galgou o mais alto cargo da República fascinou e comoveu a intelligentsia brasileira, que o transfigurou em gênio da raça. Pouco interessava o como e o quê fez no poder – questões que agora se colocam de maneira implacável -, mas o simples fato de que a ele chegou.

O símbolo falsificava o ser humano por trás dele. E o país embarcou numa ilusão de que agora, dolorosamente – e ainda com espantosas resistências, – começa a desembarcar.

Fernando Henrique Cardoso, símbolo da nata acadêmica nacional, deixou suas digitais nesse processo. A eleição de Lula, em 2002, contou com sua colaboração. Como se recorda, FHC desengajou-se da campanha presidencial de José Serra, dizendo a quem quisesse ouvi-lo: “Agora, é a vez de Lula”.

Conta-se que, naquela ocasião, ao recebê-lo em Palácio, chegou a oferecer-lhe antecipadamente a cadeira presidencial. Era o sociólogo sucedido pelo operário, ofício que Lula já não exercia há mais de duas décadas. As cenas da transmissão da faixa presidencial, encontráveis no Youtube, mostram um Fernando Henrique ainda mais deslumbrado que seu sucessor.

Lula, na ocasião, disse-lhe: “Fernando, aqui você terá sempre um amigo”. No dia seguinte, cessou o entusiasmo: o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, em sua primeira entrevista, mencionava a “herança maldita” do governo anterior, frase repetida como mantra até os dias de hoje.

E o “amigo” não mais pouparia seu antecessor, por quem cultiva freudiana hostilidade. A erudição, ao que parece, o incomoda, embora a vida lhe tenha proporcionado meios bem mais abundantes de obtê-la que a outros grandes personagens da cultura brasileira, de origem tão modesta quanto a sua, como Machado de Assis, Gonçalves Dias e Cruz e Souza, mestiços que, em plena escravidão, ascenderam ao topo da vida intelectual do país.

O mito Lula começou ainda na década dos 70, em pleno governo militar – e contou com a cumplicidade do próprio regime, que, por ironia, o viu como peça útil na desconstrução da esquerda, abrigada no velho MDB e em vias de defenestrar eleitoralmente o partido governista, a Arena. O regime extinguiu casuisticamente o bipartidarismo, de modo a esvaziar a frente oposicionista.

A frente, em que a esquerda tinha protagonismo, entendia que não era oportuno o surgimento de um partido de base sindical, que a esvaziaria, diluindo os votos contrários ao regime. Lula foi peça-chave nesse processo, concebido pelo general Golbery do Couto e Silva, estrategista político do governo militar.

Há detalhes reveladores em pelo menos dois livros recentes: “O que sei de Lula”, de José Nêumanne Pinto, que cobriu as greves do ABC pelo Jornal do Brasil naquele período, e com ele conviveu; e “Assassinato de Reputações”, de Romeu Tuma Jr., cujo pai, o falecido delegado Romeu Tuma, então chefe do Dops, foi carcereiro de Lula, no curto período em que esteve preso.

Tuma e Nêumanne convergem num ponto: Lula foi informante do Dops, o que lhe facilitou a construção do PT, a cujo projeto se agregariam duas vertentes fundamentais - a esquerda universitária paulista e o clero católico da Teologia da Libertação.

Essa gênese explica a trajetória vitoriosa do partido: o clero proporcionou-lhe a capilaridade das comunidades eclesiais de base e os acadêmicos prestígio e acesso à grande mídia.

A ambos, o PT retribuiu com Lula, o símbolo proletário de que careciam para forjar o primeiro líder de massas que a esquerda brasileira produziu e que a levaria, enfim, a vencer eleições presidenciais. Deu certo – e deu errado.

Lula chegou lá, mas corre o risco de concluir sua trajetória na cadeia. Os acertos de seu primeiro governo derivam da rara conjunção de uma bonança econômica internacional com os ajustes decorrentes do Plano Real. Finda a bonança e desfeitos os ajustes, restou a evidência de que não havia (nunca houve) um projeto de governo – e tão somente um projeto de poder.

A Lava Jato, ao tempo em que reduz Lula a seu exato tamanho, político e moral – e, ao que se sabe, há ainda muito a vir à tona -, mostra o que fez, à frente do PT e do país, para que esse projeto se consolidasse e o eternizasse como pai dos pobres – uma caricatura de Vargas, com mais dinheiro e menos ideias.

De gênio político, beneficiário de uma conjuntura que desperdiçou, lega à posteridade sua grande obra: Dilma Roussef, personagem patética que tirou do anonimato para compor um dos momentos mais trágicos da história da República.


O historiador do futuro terá o desafio de decifrar o que levou a inteligência do país – cujo dever de ofício é antever e evitar tais desvios - a embarcar num projeto suicida, a serviço da estupidez, não hesitando em satanizar os que a ele se opõem.

Ruy Fabiano, Blog do Noblat, O Globo 26/3/2016.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Luta armada

Acuada, a presidente Dilma Rousseff achou por bem voltar-se contra a maioria da população brasileira. De seu bunker no Palácio do Planalto, rodeada por militantes partidários e em tom de franca confrontação, a mandatária deu início ontem a uma ofensiva em prol da manutenção de seu mandato com invocação por sinal trocado ao golpe militar de 1964.

Dilma aludiu à rede da legalidade deflagrada há 52 anos por Leonel Brizola no Rio Grande do Sul em defesa do governo João Goulart, como se o Brasil hoje estivesse em situação semelhante: sob o risco da quebra do estado de direito, prestes a cair numa ditadura. Seria grave se fosse verdade, mas o pior é que é mentira essa tentativa de qualificar como ilegal uma realidade pautada pelo respeito à Constituição.

Se há alguém do lado sombrio da lei são os investigados pelo Ministério Público com respaldo do Supremo Tribunal Federal, conforme assentou a ministra Rosa Weber ao negar provimento ao habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Luiz Inácio da Silva, enquanto a presidente se pronunciava no Palácio do Planalto.

Na palavra, a presidente defende a lei. Nos atos, a Justiça corrobora a legalidade, de resto abrigada no desejo da maioria da população expresso tanto nos protestos de 13 de março quanto nas pesquisas de opinião que indicam 68% de rejeição ao atual governo. Com isso, a presidente põe a maioria na condição de “golpista”.

O fracasso da ideia de salvar o governo em geral e o ex-presidente Luiz Inácio da Silva em particular dando a ele o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, era uma das favas mais contadas da República. Afora uma euforia desarvorada reinante no PT, todas as análises apontavam na direção do erro. Evidente que aquilo não poderia dar certo. Caso de pau que nasce e morre torto.

Atingido o limite da ignomínia, o governo resolveu prosseguir ao cogitar da troca de comando na Polícia Federal como solução para seus problemas. Concretizada a manobra, obviamente dará errado. Será mais um da interminável série de tiros no peito do Palácio do Planalto. Gasolina em fogo incandescente.

As entrevistas do novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, são provocativas e, por isso, contraproducentes. Ele se posiciona em defesa da lei ao indicar que punirá quaisquer ações de vazamentos de informações. Mediante o “cheiro” de irregularidades, à revelia de comprovações.

Tudo certo, não fosse o adendo em que dispensa provas para aplicar punições. Trata-se de uma incongruência em relação ao discurso palaciano de que a Operação Lava Jato atua sem provas.
Por esse critério, ou muito menos, boa parte da República já estaria na cadeia. Aí incluídos os dois maiores beneficiários de todo esquema de corrupção, os presumidos mandantes por evidente domínio de todos os fatos.

Dora Kramer, 23/3/2016

segunda-feira, 21 de março de 2016

Não é a Lava Jato que está fora da lei

O que há em comum entre estas pessoas presas por corrupção?
Em várias ocasiões – e muito especialmente no julgamento do mensalão –, o Partido dos Trabalhadores (PT) tentou vender a ideia de que as atividades ilícitas de seus membros não eram assim tão ilícitas. Seriam “apenas” caixa 2. Seriam “apenas” a manutenção de práticas já existentes desde os tempos do Brasil colônia. De vez em quando, os petistas tentavam ir um pouco mais longe, dizendo que as ações da tigrada seriam na verdade meritórias. Desse delírio partidário nasceu o ridículo ímpeto de proclamar como heróis do povo brasileiro alguns réus condenados na Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Agora, o PT mostra que é capaz de ir ainda mais longe em sua perversa retórica. Diante dos avanços da Operação Lava Jato, o partido não tem se contentado em dizer que o que fez não foi ilegal ou que seu líder e seu séquito não são criminosos. Apregoam abertamente a ideia de que os criminosos estão do outro lado do balcão. Nessa tresloucada visão, os contrários à lei seriam a Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário – muito especialmente o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Fernando Moro.

É uma completa inversão de valores – como se os petistas estivessem do lado da lei e fossem as instituições as descumpridoras da lei. Haja descaramento. Sem conseguir apresentar uma explicação convincente para as inúmeras denúncias e escândalos em que estão implicados, os líderes petistas partem para o ataque.

Parece maluquice, mas é apenas a exacerbação da sem-vergonhice: o PT anda querendo criminalizar a Operação Lava Jato. Tal tentativa só pode ser a reação desesperada de quem não tem fatos nem argumentos a apresentar em sua defesa. Afinal, responde pelo saque do Brasil. Manifesta completo desespero, pois o movimento de criminalizar o Poder Judiciário, a Polícia Federal e o Ministério Público não tem qualquer respaldo jurídico, nem muito menos apoio popular.

É evidente que a sociedade está do lado de quem cumpre a lei. As manifestações do dia 13 de março foram suficientemente elucidativas quanto a isso. A população respeita e admira a Operação Lava Jato, vislumbrando no trabalho realizado em Curitiba um Brasil sério, que trabalha, que funciona, que não se detém diante de poderosos políticos ou de influentes empresários. Pôr-se contra esse esforço anticorrupção, como vem fazendo o PT, é nada mais nada menos que um suicídio político.

No aspecto jurídico, é um absoluto despautério a tentativa do PT de criminalizar a Operação Lava Jato e, em concreto, a atuação do juiz Sergio Moro. Vige no País a garantia do duplo grau de jurisdição – tem-se sempre a possibilidade da revisão de uma decisão de um juiz monocrático por um órgão colegiado. Na verdade, o problema do PT não é tanto com o juiz de primeira instância, mas com os tribunais, que têm reconhecido sobejamente a correção das decisões de Moro.

Nos últimos dias, a campanha contra o juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba recrudesceu sensivelmente, após a retirada do sigilo do processo envolvendo o ex-presidente Lula e a consequente divulgação de áudios gravados. Como o que foi revelado não agradou nem a Lula nem a Dilma – afinal, a cafajestagem explícita nas conversas faz corar frades de pedra –, o PT e o Palácio do Planalto tentaram tratar como criminosa a decisão de Moro.

Pura encenação. Sabe-se bem que as escutas foram feitas de acordo com a lei e, portanto, podem ser usadas em juízo como prova contra Lula. A tentativa de criminalizar a decisão de Moro de levantar o sigilo das gravações é coisa de aloprados. Entre os pilares da isenção do Poder Judiciário está o princípio do livre convencimento do juiz. Pretender que uma decisão judicial fundamentada – com amplos e sólidos argumentos, diga-se de passagem – seja tratada como se fosse um crime, pela simples razão de haver produzido efeitos políticos contrários aos interesses dos inquilinos do Palácio do Planalto, equivale a querer que o País volte aos tempos do absolutismo. Um Estado Democrático de Direito tem muitas garantias, mas entre elas não está a imunidade para o ilícito.

O Estado de São Paulo, 21/3/2016

quinta-feira, 17 de março de 2016

Golpe de Estado


Não é outra coisa senão um golpe de Estado a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff. Esse ato foi, simultaneamente, uma declaração de guerra aos brasileiros honestos e às instituições da República e a abdicação de fato da presidente Dilma de seu cargo, entregando-o de vez a seu criador e consumando dessa maneira o tal “golpe” que o PT, Dilma e Lula tanto acusavam a oposição de tramar. Temos agora na Presidência de fato da República um tipo que não recebeu um único voto para ocupar aquela posição nas últimas eleições.

Já os mais de 54 milhões de votos que Dilma recebeu na reeleição foram rasgados com essa assombrosa decisão. Dilma tornou-se, por vontade própria, subalterna do demiurgo petista, na presunção de que este, como “primeiro-ministro” em um parlamentarismo de fancaria, terá o poder que ela não tem mais – e a capacidade que nunca teve – para reverter o colapso de seu triste governo.

Ao mesmo tempo, Dilma aceitou acoitar Lula em seu gabinete, concedendo-lhe foro especial para que o chefão tenha melhores condições de tentar se safar da Justiça – uma sacada que transforma o exercício do governo em algo próximo do mais puro e simples gangsterismo. Também se poderia dizer que o bando, que estava acéfalo, agora tem um chefe.

Investigado em diversas frentes em razão de suas relações promíscuas com o baronato do capitalismo oportunista, Lula foi pilhado vivendo à custa desses generosos patrocinadores, preocupados em lhe proporcionar o bom e o melhor – tudo como pagamento pelos lucrativos serviços que Lula lhes prestou nos governos petistas. A polícia e a Justiça entendem que o capo ainda precisa explicar melhor, sem xingar os investigadores nem debochar das instituições, como ele constituiu tão fraterna confraria – que, não por acaso, está no centro da roubalheira na Petrobrás.

Não era pequena a possibilidade de que Lula fosse preso a qualquer momento em razão dos diversos inquéritos dos quais é alvo em primeira instância. Agora, feito ministro, terá o privilégio de ter seu caso avaliado pelo Supremo Tribunal Federal, onde espera receber – e rogamos para que esteja totalmente enganado – a condescendência que certamente não teria do juiz federal Sérgio Moro.

Assim, Lula se torna o próprio exemplo de uma de suas tantas bravatas a respeito da impunidade no Brasil, na época em que ele ainda era o paladino da ética na política. Disse ele, em 1988: “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; mas quando um rico rouba, vira ministro”. Já se pode dizer que, para ser ministro do atual governo, a probidade é dispensável – a única exigência é que o candidato esteja sob investigação da Polícia Federal ou seja réu da Justiça. O Brasil já sente saudade do tempo em que os ministros eram escolhidos apenas como forma de barganha fisiológica.

Se a cartada de Lula será ou não bem-sucedida, só o tempo dirá, mas convém lembrar que o foro privilegiado não livrou da cadeia a quadrilha petista que atuou no mensalão. Enquanto o dia de encarar o tribunal não chega, Lula poderá exercer a Presidência de facto, sem ter recebido um único voto de um único brasileiro para isso. E não se diga, com o cinismo que é peculiar ao lulopetismo, que Lula, afinal, nunca deixou a cadeira presidencial e sempre influenciou Dilma. O que vai acontecer daqui em diante, ao menos na cabeça dos apaniguados do chefão petista, está em outro patamar: Lula vai ditar a política econômica, promovendo a “virada” tão desejada por essa caterva de irresponsáveis.

Já se espalhou que Lula pretende implementar um certo “plano de reanimação nacional”, para reverter a crise econômica. Nem é o caso de perguntar como o mago petista pretende realizar tamanho milagre, pois nada disso é se não rematada empulhação, como quase tudo o que caracteriza sua trajetória. Mas é o suficiente para animar a tigrada, com vista a 2018. O presidente da CUT, Vagner Freitas, por exemplo, já disse que Lula vai mudar “radicalmente” o governo e “dar uma guinada à esquerda”. Pobre Brasil.


Aos cidadãos brasileiros, ofendidos por essa desavergonhada demonstração de desprezo pela democracia, resta exercer nas ruas o direito de manifestação e pressionar o Congresso e o Judiciário a não permitirem que o golpe se complete. O Brasil não pode ser governado por uma quadrilha.

O Estado de São Paulo, 17/3/2016

quarta-feira, 16 de março de 2016

Lula lá: Epílogo


A longa e penosa desconstrução de Luiz Inácio Lula da Silva culminou em sua nomeação, hoje, como ministro de Estado — seu último recurso para se precaver de uma prisão tida como provável e, agora dentro do Governo, sua última cartada para salvar o que não tem conserto nem nunca terá.

Os millenials de hoje não viveram isso, mas há quase 27 anos, na primeira eleição direta para Presidente da República depois de duas décadas de regime autoritário, boa parte dos brasileiros cantava o refrão:

“Lula lá, brilha uma estrela/
Lula lá, cresce a esperança/
Lula lá, o Brasil criança/
Na alegria de se abraçar”

A política era, então, uma avenida para a mudança, e Lula, o símbolo máximo de um partido em boa fé, que reunia intelectuais, trabalhadores e, na medida em que o tempo passava, crescentes setores da classe média.

Um mensalão, um petrolão e quatro eleições consecutivas depois, nada resta daquela narrativa de esperança que não sua absoluta e irrevogável inversão.
O Ministro Jacques Wagner disse esta semana que o Juiz Sergio Moro quer ‘criminalizar a política’. Não, ministro. A política foi achincalhada e prostituída por seus próprios participantes. O juiz que agora manda prender não criou o problema, assim como o mensageiro não é responsável pelas más notícias que traz.

Hoje, parte significante dos brasileiros querem Lula lá — lá em Curitiba. É bem verdade que o ex-Presidente não é réu na Lava Jato, mas a Política não precisa dos recibos e provas documentais exigidos pela Justiça. A Política vive de instintos, impressões, batom na cueca — e, no que tange a Lula, o tribunal da opinião pública discute hoje não o veredito, mas a pena.

A nomeação de Lula como ministro — talvez o evento mais escandalosamente esquisito desde a candidatura de Pablo Escobar ao Congresso da Colômbia — traz consequências imediatas.
Entrincheirado no Planalto, Lula voltará a ter um palanque diário para vender sua teologia do perseguido, gerando ruídos ainda mais estridentes e em choque direto com os decibéis das ruas.
Pior: tudo indica que Lula vai tentar engendrar a política econômica que boa parte do mercado e do empresariado temia: ‘dê-lhes crédito ao povo, e eles te amarão de volta.’ (Se fosse assim, Trabuco seria Presidente.)

Isso tudo vai exacerbar um quadro político já caótico, levando esta crise ao ápice e, fatalmente, à sua resolução final. Como o clima exaltado e uma política em derretimento nuclear são ‘bad for business’, os mercados vomitaram ontem e hoje o otimismo dos últimos dias: o real se enfraquece e a Bolsa cai.

A questão de fundo é: Lula ainda tem alguma força — e o Governo, algum instrumento — para segurar o impeachment? Parece improvável.

Este Governo que assistimos pela televisão está vivo, ou trata-se de uma alma penada que se recusa a desencarnar?  ‘I see dead people’.

A realidade política expressa pelas ruas é que o Governo Dilma respira por aparelhos. Depois de alienar a classe média, está perdendo rapidamente os pobres, castigados pela inflação e humilhados pelo desemprego. O que antes eram manifestações de uma Avenida Paulista acusada de coxinhismo agora é uma revolta geral que atinge todos os Estados da Federação, até mesmo o santo Nordeste, aqueles ingratos…

A realidade econômica é ainda mais simples: se tentar gastar dinheiro que não possui para reconquistar capital político, o Governo colherá mais inflação, desemprego e ressentimento.
O mercado opera com a tese de que o Lula Ministro ‘adia’ o impeachment, mas parece mais lógico que sua nomeação seja o catalista que faltava para o epílogo desse seriado político-policial.

O PMDB já fez sua coreografia no fim de semana, revelando-se pronto (ansioso?) para um governo de transição, e, dado o nível inédito de incerteza institucional (com toda a linha sucessória temendo a Lava Jato), tudo indica que a maior parte do espectro político vai acabar cooperando, goste-se de Michel Temer ou não.

Dilma pode fazer Lula ministro, mas o Congresso não pode mais ignorar as ruas. Se deputados e senadores não ouvirem a população, é provável que em poucas semanas não só petistas sejam hostilizados em restaurantes. Todo o sistema político será empurrado para a vala comum, e o Brasil, exposto a essa perigosa deterioração.

Como Lula dobrou a aposta, a oposição e as ruas têm que pagar pra ver — ou se retirar. É assim no truco; é assim na vida.

Sergio Moro pode inspirar o País, mas a sociedade tem que salvar a si própria. E a hora chegou.


Geraldo Samor, Veja.com, 16/3/2016.

Nova afronta aos brasileiros


Confirmada a nomeação de Lula para não importa qual Ministério, Dilma Rousseff estará abrindo mão, de fato, de sua condição de chefe do governo, como preço a pagar pela possibilidade de prorrogação do prazo de sobrevivência do PT no poder. Ao mesmo tempo, ao transferir o comando do País a seu padrinho – que no domingo passado, na forma do Pixuleco, foi um dos principais alvos das clamorosas manifestações de protesto que tomaram conta do País –, Dilma desmascara o apreço que o lulopetismo alega ter pela “voz das ruas”. Fazer de Lula ministro de Estado, neste momento, é afrontar os brasileiros. Mais uma vez.

Afirmar que, uma vez ministro, Lula passará a governar de fato o País não é exagero retórico, como certamente alegarão os petistas, mas o desfecho natural da escalada por meio da qual Lula exigiu que Dilma, nos últimos meses, moldasse o Ministério segundo suas preferências e conveniências. Assim, ela se livrou de ministros com os quais mais se identificava, mas foram condenados pelo PT: Pepe Vargas, da Secretaria de Relações Institucionais; Miguel Rossetto, da Secretaria-Geral da Presidência; Joaquim Levy, da Fazenda; Aloizio Mercadante, da Casa Civil; e José Eduardo Cardozo, da Justiça. Finalmente, Lula e o PT se deram conta de que o problema não era a equipe, mas a própria Dilma. E, ao que tudo indica, o chefão do PT, docemente constrangido, acabará cedendo aos apelos da tigrada e assumirá o poder de fato como último recurso para salvar a si mesmo e a seu partido.

Estará sendo implantado no País, então, o tal semipresidencialismo que algumas sumidades lulopetistas passaram a defender nos últimos dias, numa versão que concentrará nas mãos de Lula o poder político e em particular o comando da política econômica, restando a Dilma Rousseff a pompa e circunstância necessárias para salvar as aparências. Poderá continuar pedalando todas as manhãs pelas vizinhanças do Palácio da Alvorada.

Não há o que lamentar sobre o futuro imediato que parece reservado a Dilma Rousseff. Ela já está e continuará pagando o preço de sua inacreditável incompetência política e gerencial, agravada pela teimosia, arrogância e prepotência que esconde sob o manto de uma falsa altivez.

Para Lula, tornar-se ministro é mais que voltar ao poder. É obter foro especial – no caso, a Suprema Corte – para os vários processos em que consta como investigado. E, se o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir adotar o mesmo procedimento do mensalão, o foro privilegiado estará estendido a todos os demais implicados nesses processos, inclusive o clã Da Silva. Não é desprezível o peso dessa implicação judicial na decisão de Lula de superar sua “hesitação” e “aceitar” um Ministério. Mas isso não significa que ele se livrará da cadeia. Que o digam os “guerreiros do povo brasileiro”, também conhecidos como mensaleiros.

É claro que uma vez ministro Lula colocará todo o peso de sua influência política na tarefa de impedir o impeachment de Dilma. E terá à sua disposição todo o aparelho estatal, que usará com a desfaçatez que demonstrou cabalmente nos anos em que exerceu a Presidência.

Mas isso não é tudo – o que significa que pode vir coisa mais cabeluda por aí. Foram apresentadas a Dilma como conditio sine qua non para a “aceitação” do cargo de ministro por Lula medidas que levarão a economia nacional para o subsolo da cova funda em que já nos meteram. Entende Lula, com o apoio do PT e das entidades que o partido controla, que é indispensável agir rápida e vigorosamente em duas frentes: acabar com essa história de ajuste fiscal e promover a abertura de farto crédito para a compra de bens de consumo e investimentos em infraestrutura. Dinheiro para tudo isso? Dá-se um jeito, nem que seja metendo a mão nas reservas internacionais.


Se tudo isso de fato acontecer, o Destino, além de deixar órfãos os brasileiros, comprovará que Lula é bom profeta. Pois foi ele quem disse, em 1998: “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia; mas quando um rico rouba, vira ministro”.

O Estado de São Paulo, 16/3/2016

domingo, 13 de março de 2016

Chegou a hora de dizer: basta!


A maioria dos brasileiros, conforme atestam há tempos as pesquisas de opinião, exige que a petista Dilma Rousseff deixe a Presidência da República. A oportunidade de expressar concretamente essa demanda e, assim, impulsionar a máquina institucional responsável por destituí-la, conforme prevê a Constituição, será oferecida hoje, nas manifestações populares programadas Brasil afora. Chegou a hora de os brasileiros de bem, exaustos diante de uma presidente que não honra o cargo que ocupa e que hoje é o principal entrave para a recuperação nacional, dizerem em uma só voz, em alto e bom som: basta!

Que as famílias indignadas com a crise moral representada por esse desgoverno não se deixem intimidar pelo rosnar da matilha de petistas e agregados, cujo único interesse na manutenção de Dilma na Presidência é preservar a boquinha à qual se habituaram desde que o PT chegou ao poder.

Essa turma é hoje minoritária, quase marginal, totalmente destituída da força que um dia teve, quando seduzia a parte ingênua da opinião pública nacional com a promessa de um governo de vestais, empenhado apenas em promover a justiça social. Como essa farsa foi desmascarada pelos fatos – o Brasil se viu mergulhado em escândalos inéditos em sua história e o desastre do governo Dilma transformou o sonho do fim da pobreza no pesadelo da década perdida –, restou aos petistas insinuarem que os cidadãos comuns, aqueles que não se organizam em sindicatos ou “movimentos sociais” destinados, por incrível que pareça, a defender privilégios, correm algum risco se forem às ruas.

Já faz tempo que, ao farejar o fim dessa era de privilégios, a tigrada lançou no ar suas ameaças, com a pretensão de se impor pela força, já que pela razão não era mais possível. Em fevereiro de 2015, o chefão petista, Luiz Inácio Lula da Silva, se disse pronto para a “briga” e invocou o “exército do Stédile”, em referência ao raivoso líder do MST. Depois, em agosto, em pleno Palácio do Planalto, sob o olhar cúmplice de Dilma, o presidente da CUT, Vagner Freitas, pediu a seus colegas sindicalistas e assemelhados – essa turma de boas-vidas alimentados pelo trabalho alheio – que saíssem às ruas “entrincheirados, com armas na mão, se tentarem derrubar a presidente”. Agora, encurralado pela Justiça, Lula tornou a arrotar suas ameaças, que encontram eco nos ouvidos de um número cada vez mais reduzido de seguidores, desesperados para ter algo em que se agarrar diante do esboroamento do poder petista.

Já ficou claro, no entanto, que esse punhado de irresponsáveis nada pode contra a maioria dos brasileiros honestos. Suas bravatas destemperadas nada são diante da resolução do povo, agora mais do que nunca convencido de que o País não suporta mais tanta corrupção e tanta incompetência. Já em seu primeiro mandato Dilma havia revelado, para quem quisesse ver, toda a sua incapacidade de governar. Mesmo assim, graças a uma campanha eleitoral baseada no medo e em mentiras de todo tipo, Dilma conseguiu se reeleger – para levar o País a um dos mais calamitosos períodos recessivos de sua história e a uma aguda crise política e moral.

Sem nenhuma vocação nem para a política nem para a administração, Dilma não teve forças para resistir ao sequestro de seu governo por oportunistas de variados naipes. É a eles que o País está entregue hoje e é contra eles todos – Dilma, Lula e os demais condôminos desse indecente edifício construído à base de corrupção e de mentiras nos últimos 13 anos – que os brasileiros erguerão hoje sua voz nas ruas.


Tudo isso poderia ter sido evitado se Dilma tivesse tido a grandeza de renunciar ao cargo. Na undécima hora, ela enfim revelaria algum traço da estadista que Lula prometeu para o País. Esse gesto serviria para evitar o sempre traumático impeachment, agora praticamente inevitável, e aceleraria a urgentíssima transição para um governo munido da legitimidade indispensável para reunificar o País e conduzi-lo para longe da tormenta. Mas já ficou reiteradamente claro que Dilma, Lula e os petistas são incapazes de pensar senão em salvar seus mesquinhos interesses, além da própria pele. Diante disso, resta aos cidadãos brasileiros mostrarem seu poder, proclamando, inequivocamente, que não admitem mais que o lulopetismo, desonesto e incompetente, continue encastelado no governo.

O Estado de São Paulo, 13/3/2016

sexta-feira, 11 de março de 2016

Percalços de uma alma honesta


Se quem não deve não teme, Luiz Inácio Lula da Silva deveria estar feliz com a oportunidade que lhe é oferecida pelo Ministério Público (MP) de São Paulo, que o denunciou à Justiça, de acabar de uma vez por todas com a perseguição de que alega ser vítima no caso do tríplex no Guarujá. Bastaria que sua equipe de advogados – privilégio reservado a uma pequena elite de brasileiros – livrasse o ex-presidente da acusação. Caberia aos advogados demolir, no mérito, as suspeitas e acusações, em vez de se dedicarem a manobras protelatórias relativas a preliminares processuais. Não lhes seria trabalhoso apresentar em juízo provas irrefutáveis de que Lula é “a alma mais honesta deste país”.

Nada disso foi feito e o resultado foi a apresentação de denúncia criminal contra Lula e, mais grave que isso, com pedido de prisão preventiva do ex-presidente. Lula temia os rigores da Lava Jato e acabou em maus lençóis por fatos mais corriqueiros, como falsidade ideológica, ficando ao lado de denunciados por estelionato – o célebre 171.

De qualquer modo, e como o seguro morreu de velho, quando a denúncia do MP foi protocolada na Justiça paulista, na quarta-feira, Lula estava em Brasília cumprindo uma intensa agenda de reuniões com políticos e altas autoridades, todos interessados em protegê-lo da “perseguição” que policiais, procuradores e juízes, “cooptados pela direita”, estão promovendo contra ele. Um cidadão prestativo e engenhoso chegou a sugerir que Lula seja nomeado ministro, o que lhe garantiria foro para escapar dos rigores da Justiça de Curitiba.

Essa ideia bizarra – há quem diga que foi de jerico – dá a medida da desorientação e do desespero dos petistas diante da crise política. Um dos maiores entusiastas dela é o ministro Ricardo Berzoini, da Articulação Política, que cederia o posto a Lula: “Quem é que não gostaria de ter um Pelé no time?”.

Ninguém parece estar se importando – provavelmente com exceção da própria Dilma – com a situação constrangedora em que estaria colocada a presidente da República ao assinar a nomeação de um ministro que, no interior da máquina governamental, teria mais autoridade do que ela própria – que, aliás, já não tem nenhuma. Mas talvez seja exatamente essa a mirabolante ideia dos jericos: colocar Lula no poder, com gabinete no Palácio do Planalto, enquanto a Dilma seria permitido fingir que continua governando. A ideia foi apresentada a Lula em jantar no Alvorada, na terça-feira, como parte de uma ação mais ampla de recomposição do primeiro escalão do governo. Segundo se apurou, o ex-presidente afirmou que “vai pensar” no assunto.

Como parte do esforço de mobilização política em sua defesa, Lula esteve também na residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros, peemedebista que, segundo as mais recentes especulações, tende a se distanciar do Palácio do Planalto. Participaram do encontro vários senadores do PMDB, que foram contemplados por Lula com novas frases de efeito produzidas por seu delírio persecutório. Por exemplo: “Se quisesse, eu poderia incendiar o País. Mas esse não é o meu papel. Sou um homem da paz”.

Renan Calheiros ofereceu a Lula uma cópia da Constituição Federal – que certamente o homenageado nunca leu nem lerá –, num gesto que parecia destinado a sugerir que as investigações da Lava Jato têm atropelado os preceitos constitucionais. Mas há também quem tenha sugerido uma versão mais óbvia do gesto de Renan: chamar a atenção de Lula para o fato de que existe uma Constituição no Brasil.


É compreensível que o chefão do PT esteja aflito para envergar uma armadura política que o preserve de dissabores com a Justiça, mas a dura realidade que o confronta é a de que foram ele próprio e a tigrada que cevou que criaram as evidências contra as quais nenhum argumento se sustenta. O caso do tríplex é emblemático dessa situação. Para começar, Lula jamais deveria ter-se permitido, e à sua família, sequer chegar perto do condomínio Solaris, símbolo da gestão safada da direção de uma cooperativa de bancários que acabou lesando milhares de associados. O empreendimento foi salvo pela intervenção – sugerida sabe-se lá por quem – de uma construtora, a OAS, implicada na Lava Jato, que generosamente gastou R$ 777 mil na reforma de um tríplex no qual dona Marisa Letícia estava comprovadamente interessada. Isso se explica?

O Estado de São Paulo, 11/3/2016

terça-feira, 8 de março de 2016

A vassalagem de Dilma a Lula


Quando decidiu oferecer solidariedade a Luiz Inácio Lula da Silva, visitando o chefão petista com estardalhaço um dia depois que ele se viu como alvo central da Operação Lava Jato, a presidente Dilma Rousseff amesquinhou vergonhosamente a Presidência da República, reduzindo-a a um mero puxadinho de um dos tantos imóveis de que o ex-presidente usufrui graças a favores de amigos do peito.

Fazendo uso pessoal e político-partidário do aparato presidencial, como o avião e o helicóptero oficiais, Dilma foi a São Bernardo para prestar vassalagem pública a Lula, num ato de sabujice que, além de ilegal, desonra o cargo que ela ocupa. De quebra, a presidente se prestou a engrossar o coro dos que enxergam na Justiça o centro de um “golpe” contra seu governo e contra Lula, configurando inaceitável desrespeito do Executivo pelo Judiciário.

Esse comportamento grotesco serve somente para confirmar aquilo que os brasileiros já sabem: Dilma não existe mais como presidente. Sua insistência em permanecer nesse cargo, para o qual nunca teve aptidão e já não tem legitimidade, apenas piora uma situação já de si muito grave. Para que não se atinja o temido ponto de ruptura, em que a violência toma o lugar do debate político, Dilma deveria ter a decência de renunciar, abrindo caminho para a necessária normalização das relações institucionais e para a retomada da confiança na capacidade do governo de governar.
No entanto, em diversas oportunidades, Dilma já avisou que jamais tomará a iniciativa de abreviar seu mandato. Ela costuma vincular essa disposição a seu passado de guerrilheira que suportou a tortura nos porões da ditadura – como se o impeachment, que está previsto na Constituição, ou os movimentos que democraticamente defendem sua renúncia fossem comparáveis aos absurdos do regime militar.

Mas foi a um absurdo que Dilma e os petistas reduziram o debate político atual. Para salvar o ex-presidente Lula da cadeia e Dilma do impeachment, o PT tenta transformar o País numa rinha de galos, isto é, pretende arrastar os indignados brasileiros de bem para o mesmo nível de truculência ao qual a tigrada está habituada. A confusão moral é o que aduba a erva daninha petista.

Enquanto isso, o País segue sem rumo, em profunda crise, graças a uma presidente que não governa mais – isso depois de ter condenado a economia a uma retração que só se costuma observar em tempos de guerra ou de grandes catástrofes. Restou a Dilma caçar “mosquitas”, entregar casas do Minha Casa, Minha Vida e defender Lula.

Ao usar o avião e o helicóptero presidenciais para fazer uma visita particular a seu padrinho e ao aparecer em público em clima de comício, com o braço erguido, ao lado de Lula, suspeito de chefiar uma grande quadrilha de corruptos que assaltaram o País, Dilma fez sua opção: decidiu ficar contra a maioria absoluta dos brasileiros, incompatibilizando-se de vez para o exercício da Presidência.

Do ponto de vista político, é sua última cartada. Mesmo depois que Lula e seus apaniguados se posicionaram publicamente contra o governo de Dilma, considerado por muitos petistas como “neoliberal”, a presidente concluiu que ela não é nada sem seu chefe. Conforme esse cálculo, sua sobrevivência no cargo depende do apoio de Lula e do partido que lhe virou as costas, mesmo que isso signifique total subserviência ao PT – cujos líderes, se não estão presos, enfrentam hostilidade em locais públicos – e, principalmente, a seu líder, em cujos calcanhares está a Justiça. Não é uma boa perspectiva.

Do ponto de vista legal e moral, o caminho trilhado por Dilma não tem volta. A presidente faz prevalecer seu interesse pessoal em detrimento do interesse público. Deixou de ser a governante de todos os brasileiros para servir a Lula. Misturou-se à tigrada que hoje pretende intimidar aqueles que estão empenhados no cumprimento da lei.


Assim, cresce a percepção, inclusive no Congresso, de que Dilma está no cargo apenas para salvar Lula, e nada mais. O País e suas instituições não podem se curvar a isso.

O Estado de São Paulo, 8/3/2016

segunda-feira, 7 de março de 2016

Procura-se um presidente


A petista Dilma Rousseff ocupa apenas formalmente o cargo de presidente da República, para o qual foi reeleita em 2014. Na prática, ela já não consegue exercer nenhum poder, salvo o previsto no protocolo – sempre haverá alguém no Palácio do Planalto para lhe servir um cafezinho. Mas a autoridade para governar de fato, conferida pelo voto popular, a presidente não tem mais, nem mesmo diante daqueles que, em tese, deveriam apoiá-la, quer porque integram seu partido, quer porque formam o condomínio que a sustenta. Formou-se um vácuo no Executivo, a tal ponto que, hoje, se pode dizer que falta um presidente no governo que aí está. Como política é ocupação de espaços, esse vazio institucional deixado pela incapacidade de Dilma já está sendo preenchido pelo Congresso, que assume cada vez mais ares de governo, como se no parlamentarismo estivéssemos.

Vendo o Planalto desnorteado, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), planejam impor uma extensa pauta de votações com temas que não são considerados prioritários pelo governo e que contrariam tanto Dilma como o PT.

Entre os projetos que deverão ser levados a plenário no Senado estão a proposta de autonomia do Banco Central, a proibição de mudanças em contratos de concessão, a reforma tributária e a fixação de teto para o endividamento da União, além da reforma da Previdência, que Dilma até quer, mas o PT repudia.

Na Câmara, Eduardo Cunha planeja criar comissões para discutir assuntos que são de interesse direto do governo, como o fim da participação obrigatória da Petrobrás na exploração do pré-sal. “A resultante da comissão especial é que será levada ao plenário”, informou Cunha. Ou seja, o governo perdeu totalmente a influência sobre a agenda legislativa mesmo em assuntos que considera de importância estratégica.

Já as propostas da lavra do governo são tratadas com incontido desdém. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), por exemplo, classificou de “doidice” a intenção do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, de criar uma “banda fiscal” para o superávit primário, que automaticamente afrouxaria a meta fiscal em caso de desaceleração da economia. “Precisamos ter realismo fiscal”, ponderou o parlamentar, como se o Congresso fosse um exemplo de dedicação ao equilíbrio das contas públicas.

Portanto, sem força para retomar a iniciativa característica da Presidência, Dilma depende da boa vontade de grupos políticos sobre os quais não exerce nenhuma influência, apesar de ainda deter a poderosa caneta que distribui cargos e verbas. Nem mesmo o modelo de “presidencialismo de cooptação”, resultante da transformação do “presidencialismo de coalizão” em um grosseiro toma lá da cá, tem funcionado. Dilma só conseguiu arregimentar algum apoio na segunda divisão do PMDB, e mesmo assim ao custo de entregar anéis e dedos – como o importantíssimo Ministério da Saúde – a políticos de baixa extração.

Todo esse esforço tem sido incapaz de restituir a Dilma o poder inerente a seu cargo. Sua cruzada em favor da volta da CPMF, hoje praticamente a única pauta que ocupa a agenda presidencial, não encontra respaldo sério em nenhum recanto no Congresso. Ao contrário: sempre que podem, os críticos do governo lembram que, antes de defender a CPMF, Dilma deveria convencer seu próprio partido a aprovar as reformas essenciais para a retomada da economia.

Mas é justamente aí que está o maior problema de Dilma: a petista não governa porque é bisonhamente fraca – e não se fortalece porque, além de ser como é, enfrenta a sabotagem de seus correligionários, a começar pelo chefão do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. A título de “ajudar” Dilma a governar, como disse em discurso à militância petista, Lula tratou de desmoralizar de vez a presidente, ao derrubar seus principais ministros – o da Casa Civil, o da Fazenda e, agora, o da Justiça.


Assim, está claro que, politicamente, Dilma já é passado. Enquanto ela estiver na Presidência, esta será exercida na prática por terceiros – Renan, Cunha, Wagner, Lula et caterva –, com claros prejuízos para o equilíbrio institucional e o futuro imediato do País.

O Estado de São Paulo, 7/3/2016

sábado, 5 de março de 2016

Os males que Lula faz

Lula dando uma "bronca" na sua empregada, a presidente da república bananeira
A condução coercitiva do ex-presidente Lula, para depor sobre sua participação no petrolão, é a prova definitiva de que o edifício institucional e democrático do Brasil resistirá a essa gigantesca onda de fisiologismo, corrupção e imoralidade que tomou o Congresso, o Executivo e parte substancial do empresariado desde que o PT chegou ao poder. As autoridades do Judiciário não se deixaram intimidar pela salivação da matilha lulopetista, que passou os últimos meses a desafiar o juiz Sérgio Moro, a Polícia Federal e os procuradores da Lava Jato a cometerem a ousadia de tocar em seu dono, elevado à categoria de santo.

As evidências contra Lula são tantas e suas explicações, tão ofensivas à inteligência alheia, que os agentes da lei estariam prevaricando se não tivessem tomado nenhuma providência contra o chefão petista. Pode-se dizer até que demorou demais, pois já está claro, desde os tempos do mensalão, que Lula não apenas sempre soube da corrupção que devastou a administração pública sob os governos do PT, como a corrupção em si mesma acabou por se tornar um método, cujo mentor não pode ser outro senão o ex-líder sindical que ascendeu usando a máscara de herói da ética na política.

Ontem, finalmente, essa máscara lhe foi arrancada. Conduzido a depor sob escolta policial, Lula teve de prestar contas de seu enriquecimento em meio a suspeitas cada vez mais fortes de que se aproveitou pessoalmente do esquema que assaltou a Petrobrás. Durante quase quatro horas, ele teve de responder a questões envolvendo os favores que recebeu de seus grandes amigos empreiteiros, todos mergulhados até o pescoço na Lava Jato.

Qualquer cidadão sobre quem pairassem suspeitas desse tipo teria sido igualmente obrigado a dar esclarecimentos à polícia. Assim funciona o Estado de Direito, no qual ninguém está acima da lei. Mas Lula, para o PT, não é “qualquer cidadão”. É o “maior líder popular da história do Brasil”, como seus cupinchas dizem e repetem há anos, desses que, vez ou outra, podem transgredir a lei. Ora, é a lei que nos torna iguais. Mas, para os petistas, Lula se tornou “preso político”, e forçá-lo a depor caracteriza um “golpe”, contra o qual só é possível responder por meio da truculência. “Agora, é rua e guerra”, anunciou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) – aquele que não gosta que se fale de transporte de valores em sua presença. Foi esse o tom adotado pelo PT.

Lula reiterou, de maneira irresponsável e truculenta, o seu desrespeito habitual à democracia e às instituições, às quais praticamente declarou guerra, convocando a militância lulopetista para defendê-lo nas ruas. Mas o seu julgamento pelas ruas virá depois. Primeiro, terá de se haver com as leis do País e com quem as faz valer. E aí a conversa não admite valentia de botequim.

Diante do chamamento à desordem e à indisciplina cívica feito por Lula, das autoridades judiciais e dos líderes políticos exige-se energia, mas também serenidade e responsabilidade para isolar aqueles que não têm nenhum compromisso com o diálogo e com o respeito às instituições. É a estabilidade do Brasil que está em jogo.

Essa grave crise, na qual as fantasias criadas em torno do grande projeto revolucionário petista e de seu líder messiânico se desfazem de forma dramática, leva à reflexão de como o País chegou a esse ponto. Deve-se perguntar como o Brasil se deixou seduzir por esses prestidigitadores que, em quatro eleições presidenciais desde 2002, convenceram os eleitores de que bastava o desejo de Lula para que se fizesse a justiça social e o País se transformasse, por milagre, num paraíso de riqueza e felicidade.
Lula et caterva chegaram ao poder porque alguém os colocou lá. O monumental desastre do lulopetismo é um pesadelo que o Brasil escolheu ter, nas urnas, mesmo diante das evidências de corrupção e de incompetência.


Na hora de decidir os rumos da política, os brasileiros precisam considerar que impulsos e entusiasmos momentâneos frequentemente se transformam em ônus insuportáveis, pouco tempo depois. Cada escolha deve ser, portanto, medida e pesada responsavelmente. Do contrário, o País estará condenado à ruína crônica e à irrelevância, como uma república bananeira que, embora riquíssima, definha e se deixa devorar pelos corruptos e pelos ineptos. Lula é o exemplo vivo – muito vivo – dos males que podem advir a uma Nação despreocupada.

O Estado de São Paulo, 5/3/2016

terça-feira, 1 de março de 2016

A morte de ‘Lula paz e amor’


Aos berros, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva anunciou a seus simpatizantes, por ocasião do 36.º aniversário do PT, que “o ‘Lula paz e amor’ vai deixar de ser ‘paz e amor’ e vai ser outra coisa daqui para frente”. Foi o modo que o chefão petista encontrou para declarar guerra a todos os que, de uma forma ou de outra, colaboram para desmascarar suas imposturas e para obrigá-lo a prestar esclarecimentos à Justiça sobre as muitas suspeitas que pairam sobre sua conduta.

Lula pretendia assim dar uma demonstração de força, na presunção de que o chamamento à militância petista fosse suficiente para intimidar os jornalistas, promotores e policiais que investigam suas estranhas relações com empreiteiros graúdos. Mas o pífio resultado desse esforço, diante de uma desanimada militância, mostra que Lula e seu partido são hoje apenas lembranças esfarrapadas do que um dia já foram, lá se vão três décadas.

Ao decretar o falecimento de “Lulinha paz e amor”, personagem criado para que ele vencesse a eleição de 2002, Lula abandona de vez a pretensão de ser a ponte entre o capital e o trabalho. Funcionou para elegê-lo naquela ocasião, mas só enganou os incautos. Ficou claro que a única aliança com o capital que o ex-sindicalista pretendia costurar dizia respeito à formação de um clube de empresas que, em troca de vantagens, ajudava a sustentar o projeto de poder petista. Isso tudo funcionou bem até que apareceu a Lava Jato – e o resto dessa tenebrosa história ainda está por ser conhecido.

Enquanto a Lava Jato atingiu apenas os empresários desse clube e um punhado de políticos governistas, Lula guardou silêncio trapista. Como já demonstrou fartamente ao longo de sua trajetória, o petista sabe se preservar nos momentos de crise, entre outras razões porque não hesita em atirar amigos aos leões, se isso for necessário para salvar a própria pele.

Agora, no entanto, a Justiça chega a seus calcanhares, pois surgiram evidências de que o petista pode ter se beneficiado de suas relações com os empreiteiros que tanto lhe devem. E então Lula trocou de figurino e pintou-se para uma guerra que só existe em seu discurso. Afinal, se ele é honestíssimo, como diz, então não tem o que temer.

Mas Lula não pretende esclarecer nada em juízo. Enquanto planeja usar todas as chicanas possíveis para adiar o momento em que terá de deixar sua versão gravada nos autos do inquérito, Lula pretende explorar politicamente o momento para posar de vítima “das elites” e eletrizar a militância, amuada com os seguidos escândalos em que petistas de alto coturno se meteram nos últimos dez anos e com o definhamento do partido.

O momento é crítico para o PT. Uma pesquisa do Ibope mostrou que a taxa dos eleitores que se declaram petistas caiu para 12%, o mesmo porcentual de junho de 1988 e em empate técnico com os eleitores que se dizem peemedebistas. Considerando-se que os petistas eram 36% em abril de 2013, o nervosismo de Lula é compreensível, ainda mais porque o próprio chefão petista vai mal nas pesquisas – a rejeição ao ex-presidente atingiu 61%, segundo o Ibope.

É evidente que não se pode subestimar a capacidade de Lula e do PT de se recuperarem, como fizeram em meio ao mensalão. O fato, porém, é que os próprios petistas hoje estão desacorçoados. O aniversário do PT, programado para servir como exibição de vitalidade, foi um fiasco. Esperavam-se 4 mil pessoas, mas menos de 1,5 mil compareceu à festa, que tinha o astro Lula como sua atração principal, além de um show de samba.


É lícito imaginar que muitos petistas tenham desistido de comparecer porque temiam sentir vergonha alheia ao ouvir Lula dizer, por exemplo, que o tal sítio de Atibaia – aquele do qual o chefão usufruiu desde que deixou a Presidência e que recebeu benfeitorias bancadas por empreiteiras – lhe foi oferecido numa singela “surpresa” por seu amigo Jacó Bittar. Caradurismo assim deve ser inaceitável até para petistas empedernidos, mas Lula, já se sabe, não tem limites. À plateia, revelou qual é a qualidade que o diferencia dos que o atacam: “Vergonha na cara! É isso o que eu tenho que eles não têm!”.
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