sexta-feira, 31 de julho de 2015

Eu sou vocês amanhã


Confirmado. Tudo o que a presidente Dilma Rousseff queria ao atrair para o recanto do seu lar todos os governadores do País era pedir apoio a eles para a “travessia” e para concluir o mandato em 2018. 

Ou seja, Dilma só queria tirar uma foto e dar um grito de socorro contra o impeachment. Seria só patético, não fosse dramático que uma presidente recém-eleita, com apenas meio ano de mandato, tenha chegado a tanto.

De casaquinho azul bebê, Dilma falava para os governadores (e para o público da TV oficial) em “travessia”, “democracia”, “humildade”, “somar esforços”, “cooperação” e “parcerias”. Nos sites, as manchetes eram outras, no tom cinzento e ameaçador da crise. O déficit das contas públicas foi de R$ 8,2 bilhões num único mês, o de junho, o que gerou um resultado negativo de R$ 1,6 bilhão no primeiro semestre. É o pior resultado em toda a série histórica. Mais um recorde da era Dilma.

E não parou por aí, porque os juros do cartão de crédito atingiram estonteantes 372% ao ano. Ok, todo mundo sabe que endividamento com cartão é fria, mas a chamada “nova classe média” está meio perdida no paraíso com o aumento do desemprego e a queda da renda e, no aperto, pode recorrer ao cartão e cair na esparrela. Sem contar que os juros no cartão são só um aspecto dos juros escorchantes.

Bem, enquanto o mundo real continuava produzindo uma notícia ruim atrás da outra, Dilma dizia aos governadores que “é preciso ter humildade para receber críticas”, mas fazia justamente o contrário, de certa forma desafiando: “Eu sei suportar pressão e até injustiça”. Ou seja, preferiu encenar o papel de vítima, sabe-se lá de quem e de quê, a humildemente se assumir como algoz da economia.

E repetiu o cardápio de sempre para tentar justificar a injustificável crise econômica: colapso do preço das commodities, desvalorização do real, crise internacional (“que continua não esmorecendo”) e a seca. A consequência de tudo isso, concluiu, foi uma forte queda na arrecadação de impostos e contribuições sociais. Digamos que, sim, há verdade nesses fatores objetivos. Mas e o fator Dilma Rousseff?

Ela não deu um pio sobre a sua crença íntima de que um pouco de inflação não faz mal a ninguém, a arrogância de ter baixado os juros artificialmente, a canetada que desestruturou o setor elétrico, a troca do sistema de concessões para o de partilha na exploração do pré-sal, a sinalização de uma guinada estatizante para os investidores internos e externos. Como não fez nenhuma referência, indireta que fosse, à corrupção deslavada que fragilizou a Petrobrás e minou a confiança externa.

Do ponto de vista político, Dilma tentou mobilizar os governadores contra o Congresso, onde, como advertiu, tramitam medidas com efeito direto sobre as contas tanto do governo federal quanto dos estaduais. Teve até o cuidado de distribuir uma cartilha elencando projeto por projeto do que a gente chama de “pauta-bomba”, aquela que finge que é para beneficiar categorias e pessoas, mas só serve para azucrinar Dilma Rousseff.

Mas tudo isso é detalhe. O fato é que Dilma convocou os governadores a Brasília com o único objetivo de obter apoio político. Sem pronunciar aquela palavrinha maldita – impeachment – nem fazer referências indiretas àquela data aterrorizante – 16 de agosto –, a presidente mandou um recado subliminar para os governadores, ao lembrar que ela, como eles, conquistou seu mandato democraticamente e vai concluí-lo em 2018. Soou assim: se me derrubam hoje, amanhã podem ser vocês. O pior, para todos eles, é que pode mesmo.


Eliane Cantanhêde, O Estado de São Paulo, 31/07/2015

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Dilma dá o recado que ninguém ouve



Dilma manda a governadores recado que eles não queriam ouvir

Os dias que antecederam a reunião de Dilma Rousseff com os governadores foram cercados de certo desconforto por parte dos convidados.

Diante da crise econômica e política e da popularidade em franco derretimento da presidente, os chefes dos Executivos estaduais temiam ser chamados para dividir o fardo pesado que Dilma carrega desde que se reelegeu.

Mais: os que foram reeleitos no ano passado guardavam ainda fresca na memória a experiência pós-junho de 2013, quando Dilma chamou os 27 governadores para assistirem ao famoso discurso dos "pactos" nacionais –eram cinco, no fim nenhum deles se concretizou.

Os oposicionistas temiam cair na cilada de serem convidados a ajudar numa governabilidade que nem lhes interessa nem é sua responsabilidade. E os dos partidos aliados, que sentem no dia a dia a dificuldade de apoiar um governo impopular, também não queriam se tornar sócios nessa empreitada.
Foi com essa (pouca) disposição que a maioria dos 27 viajou a Brasília. Some-se a isso as trapalhadas de cerimonial, que só distribuiu os convites poucos dias antes do encontro, com pauta genérica e sem deixar claro quem falaria ou não, e dá para se ter ideia do clima pré-encontro.

Pois bem. Com todos dispostos em volta da mesa no Palácio da Alvorada, Dilma se pôs justamente a fazer um discurso genérico sobre várias áreas do governo, seguido de um chamado para que os ministros das áreas fizessem em seguida uma "rápida" explanação sobre projetos de suas pastas.

Truque retórico

Na parte televisionada do encontro, a presidente leu um papel sem olhar nos olhos dos convidados. Citou de forma ensaiada um ou outro dos presentes, para afetar alguma intimidade e consideração –o efeito foi nulo, o truque retórico é manjado e não funcionou com o pouco traquejo de Dilma para o improviso.

E, já no finzinho, mandou o recado que os governadores não queriam ouvir: precisa da ajuda deles para barrar a pauta-bomba no Congresso. Pior: insistiu que a crise é uma "travessia", sem assumir nenhuma responsabilidade pela instabilidade econômica, e repetiu várias vezes que ela atinge "to-dos'', assim mesmo escandido, os governos.

Equivaleu a dizer aos que se abalaram a Brasília: me ajudem a embalar Mateus porque não pari sozinha.

Acontece que os governadores pensam o contrário: a crise é do governo federal, que a criou e a agravou. Se Dilma quer ajuda para o ajuste fiscal, algo que muitos estão dispostos a ofertar, deveria pedir especificamente para isso e assumir a responsabilidade que lhe tange, sem tergiversar.
Na parte aberta do encontro, no entanto, a presidente passou longe disso.

Resta saber se os políticos que faziam reparos ao modelo da reunião nos bastidores terão coragem de explicitar as críticas diante de Dilma, se for dada a palavra a todos. O mais provável é que também eles se atenham a observações genéricas.

Nesse caso, o encontro terá sido mais uma reunião longa, cansativa e inócua, como aquela de 2013 e tantas outras. Dilma sairá dela tão impopular e desgastada quanto entrou, os governadores voltarão para seus Estados sem recursos e perspectivas de investimentos e a pauta-bomba continuará à espreita quando o Congresso retomar os trabalhos na segunda-feira.

Folha de São Paulo, 30/07/2015

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Carta Aberta a Fernando Henrique Cardoso

É hora de superar esse passado negro, FH!
Caro ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,

Fico sabendo, pela Folha, que antes Lula e agora Dilma estariam dispostos a “conversar” com o senhor sobre o impeachment, ou seja, traduzindo para os leigos: eles teriam interesse em algum tipo de “acordão” para evitar um eventual processo de impedimento da presidente. O senhor já aproveitou seu espaço nos jornais para transmitir a mensagem de que considera o impeachment um último recurso muito traumático para a democracia, e que não enxerga, ainda, motivos para seguir nessa linha. Suas colocações atiçaram as esperanças dos líderes petistas de um pacto com o PSDB.

“Em todos os países democráticos é natural que ex-presidentes conversem e, muitas vezes, que sejam chamados pelos presidentes em exercício. Essa é uma prática comum nos Estados Unidos, por exemplo”, afirmou o ministro Edinho Silva, chefe da Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto. “Vejo com bons olhos a possibilidade de diálogo entre Fernando Henrique e Lula, como vejo com naturalidade que o mesmo aconteça com a presidenta”, concluiu. Mas nós, brasileiros indignados, aqueles quase 70% que rejeitam o governo Dilma, não vemos com bons olhos essa aproximação.

Serei franco na largada, caro FH: tenho sentimentos ambíguos em relação à sua pessoa. Do seu passado mais distante, como intelectual, nem preciso dizer que tenho aversão. Mas acho que até você já andou reconhecendo que deveríamos esquecer muito do que escrevera naqueles tempos, não é mesmo? Teoria da Dependência? Quanta baboseira terceiromundista! Coisa de um Marco Aurélio Garcia da vida. Depois o senhor evoluiu, virou um social-democrata mais esclarecido, mas ainda estava lá o ranço de socialista fabiano, que nunca o abandonou por completo.

Já como ex-presidente tenho coisas boas e ruins a falar. Menos por convicção ideológica e mais por necessidade, o fato é que importantes reformas foram feitas durante o seu governo. Privatizações importantes ocorreram, a Lei de Responsabilidade Fiscal passou, o Plano Real venceu a hiperinflação e o Banco Central teve autonomia para perseguir a meta de inflação. O câmbio passou a flutuar, após nossas reservas se esvaírem quase completamente. Ou seja, o senhor teve algum mérito na criação do “tripé macroeconômico”.

Por outro lado, e por conta daquele ranço socialista, várias medidas “sociais” tiveram começo no seu governo. Cotas raciais, por exemplo, um absurdo que segrega a população brasileira com base na cor. As bolsas-esmolas, que o PT unificou e transformou no maior esquema de compra de votos já visto na República. O MST, que continuou recebendo verbas públicas para desrespeitar as leis com suas invasões inaceitáveis. Enfim, o senhor foi um legítimo presidente de esquerda, apesar de ser “acusado” de “neoliberal” pela esquerda mais jurássica e pérfida.

E essa esquerda é justamente o PT. Como o PT o demonizou, presidente! Fez sua caveira perante a opinião pública, com o conluio dos “jornalistas” da esquerda radical. Devido ao fato de os tucanos serem um tanto pusilânimes e também não terem convicção liberal alguma, não souberam defender o seu legado. Teve que vir um liberal como eu para escrever Privatize Já, livro em que mostro como as suas privatizações fizeram bem ao país. Os tucanos ficavam na defensiva, tentando se desvencilhar da pecha de “privatistas” ou “neoliberais”. Veja só que coisa, presidente!

Sua postura, tomo a liberdade de dizer, fez muito mal ao país, em termos pedagógicos. Os leigos não compreenderam a relevância das reformas de cunho liberal feitas em sua gestão, e ainda ficaram com a nítida impressão de que direita significa PSDB, o que eu e você sabemos ser ridículo. O senhor se identifica mais com Thatcher ou Tony Blair? Com Reagan ou Clinton? Nós sabemos a resposta, mas muitos, influenciados pelo PT, não. E eis que direita, no Brasil, passou a ser associada aos tucanos de esquerda.

Mas como “oposição” a uma outra esquerda, bem mais radical e que não joga nas regras do jogo, o senhor tem uma responsabilidade, um dever moral para com o Brasil. Muitos já atribuem ao seu esforço a tática tucana de não pressionar pelo impeachment de Lula durante o mensalão. Não sei até que ponto isso é verdade, mas veja, presidente, o mal que isso fez ao Brasil. Imagine se Lula tivesse sido exposto naquele ano de 2005: como as coisas estariam melhores hoje! Mas o PSDB optou pela estratégia de “deixar o homem sangrar”. Bem, como Jason, do Sexta-Freira 13, o populista-mor ressuscitou e ainda emplacou depois sua criatura por duas vezes, contra os seus companheiros tucanos.

Deixe-me lhe dizer uma coisa, presidente: traumático para a nossa democracia não é o impeachament, mas a manutenção do PT no poder! Entenda isso de uma vez por todas. Sei que, apesar de tudo que o PT já fez com o senhor, você ainda tem, lá no fundo, uma admiração pela trajetória do metalúrgico, do sindicalista oportunista. O senhor enxerga com bons olhos essa trajetória, pois tem alma de esquerdista, e ainda valoriza mais a classe do que o mérito individual. Lula veio de baixo, é verdade, mas como chegou no topo? De forma honesta, legítima? Ou como um populista safado?

Não vem mais ao caso. O fato é que milhões de brasileiros já sabem que Lula é um oportunista, um populista autoritário, e que seu PT precisa ser colocado para fora do governo o mais rápido possível, se desejamos preservar nossa democracia. Os brasileiros estão revoltados, presidente. Cansados demais. Inclusive da postura acovardada de muitos tucanos. Por que o senhor acha que Jair Bolsonaro teve 5% de intenções de voto para presidente na recente pesquisa da CNT, que mostrou apoio de somente 7,7% à Dilma? Por que o senhor acha que Aécio Neves só teve chances mesmo quando começou a subir o tom, a enfrentar o PT com mais determinação, a apontar para seu relacionamento obscuro com Cuba?

Sei que seu partido está rachado, que há uma ala mais jovem que quer partir para o enfrentamento, para a briga, e que uma ala mais velha pretende manter a “cautela”, o “diálogo”. Mas presidente, dá para dialogar com o PT? É possível “conversar” com gente do Foro de São Paulo, que apóia o Maduro na Venezuela? Dá para trocar ideias com quem apela para os golpes mais baixos nas campanhas? O PT cospe diariamente nos tucanos, e os tucanos vão se curvar diante dos petistas agora, justo quando a população está de saco cheio do partido, inclusive do ex-presidente Lula?

Seria uma decisão mortal para o PSDB, presidente. Seria o atestado de óbito do partido, que nunca soube bem como ser oposição ao PT. Se o PSDB afrouxar agora, se os tucanos permitirem uma aproximação com Lula e Dilma em prol da “governabilidade” até 2018, tirando o impeachment do caminho, ninguém mais levará o PSDB a sério. Se é para ser essa esquerda podre, já tem o PT. E se é para ser oposição a essa esquerda podre, agindo assim, o PSDB não terá utilidade, e Bolsonaro ou Ronaldo Caiado vão absorver sozinhos toda a revolta popular.

O Brasil precisa, urgentemente, de um partido realmente liberal e outro realmente conservador, de direita. Claro que o PSDB não tem nada com isso, pois é, como já disse, de esquerda, social-democrata. Mas numa democracia madura, há um espaço legítimo para tal esquerda. Que o PSDB ocupe tal espaço, e não os golpistas do PT, é o que as pessoas decentes e esclarecidas esperam. Mas, para tanto, o PSDB terá de agir com firmeza contra a outra esquerda, a carnívora, a jurássica, representada pelo PT e seus auxiliares, como o PSOL.

Recusar de forma peremptória qualquer aproximação ou acordo nesse momento com os golpistas do PT é condição sine qua non para preservar o PSDB no papel de ícone da esquerda democrática brasileira. Se os tucanos não compreenderem o momento em que o Brasil vive e acenarem com um acordo para impedir o impedimento de Dilma, então terá o mesmo destino do próprio PT: a extinção. E terei prazer, se isso acontecer, em ser um dos que jogarão a pá de cal. Mas tenho esperanças de que isso não será necessário. Conto com sua sabedoria, presidente!


Rodrigo Constantino

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Para onde vamos?


A tarefa para os brasileiros é se safar, política e democraticamente, do criador e da criatura. É uma questão de sobrevivência

O Brasil está numa encruzilhada histórica. Para onde ir? Na República Velha, com todos os defeitos — que eram muitos —, a institucionalidade existente foi um anteparo durante mais de quatro décadas ao caudilhismo. Os principais líderes do período ficaram impossibilitados de exercer o poder à semelhança dos países platinos, assolados por este fenômeno desde o processo independentista. Um fazedor de presidentes, como o senador Pinheiro Machado, teve, se tanto, uma década de efetivo poder e, mesmo assim, não conseguiu chegar ao Palácio do Catete.

Os quinze anos do primeiro governo Getúlio Vargas se constituíram no primeiro momento que uma liderança caudilhista teve efetiva presença na cena política nacional. A ausência de liberdades durante mais de dez anos — excetuando o breve período 1934-1937 — acabou facilitando a consolidação da figura de Vargas, sem ter de travar um enfrentamento político com opositores devido à enorme concentração de poderes nas suas mãos.

O breve período democrático (1945-1964) acabou abrindo a possibilidade para a primeira liderança política efetiva, resultado do livre jogo eleitoral. Juscelino Kubitschek transformou seu quinquênio presidencial numa referência positiva de autoridade, dialogando com a oposição, injetando o país de otimismo e obtendo importantes vitórias no campo econômico.

O ciclo militar impossibilitou o surgimento de lideranças castrenses em parte devido às modificações adotadas, em 1965, que limitaram a permanência de oficiais em postos de comando e no mesmo grau hierárquico. A grande figura civil que emergiu do período foi Ulysses Guimarães, que, devido a diversas circunstâncias políticas, teve de ceder o posto para Tancredo Neves, como candidato oposicionista, em janeiro de 1985. A morte do presidente eleito e as particularidades da Nova República não permitiram ao Dr. Ulysses reassumir o papel exercido nos últimos anos do regime militar.

O processo eleitoral de 1989 deu ao país a possibilidade de restabelecer a democracia plena. Contudo, por decorrência de uma eleição solteira e do desgaste da presidência Sarney, acabou abrindo, pela primeira vez, as portas do Palácio do Planalto para dois candidatos antagônicos mas — paradoxalmente — similares. Incorporaram o figurino caudilhista, o salvacionismo popular, que, na República, ainda não tinha tido uma tradução tão perfeita como em Fernando Collor e Lula.

O impeachment acabou sinalizando a possibilidade de uma efetiva institucionalização da estrutura fundada pela Constituição de 1988. A ascensão de Itamar Franco ao governo, presidente sem carisma e nenhuma veleidade de caudilho, permitiu que sua sucessão ocorresse sem traumas e dentro da ordem constitucional. Fernando Henrique governou por oito anos e, na essência, de forma muito parecida com a do seu antecessor.

O ponto de ruptura ocorreu em 2002. A falta de compreensão da importância da eleição — deu até a impressão que o presidente desejava o triunfo do opositor — levou à vitória de Lula e do espírito caudilhista. Desde então a sua presença ofuscou, inclusive, lideranças do seu partido. O país passou a girar em torno dele, um caudilho de velho tipo, mesmo em plena vigência — suprema contradição! — da mais democrática e aperfeiçoada das constituições brasileiras.

Enquanto a economia dava sinais de vitalidade foi possível conciliar — na aparência — o caudilhismo com a democracia. Na essência, como seria de se esperar, foram solapados os fundamentos do Estado Democrático de Direito. A estruturação do que foi definido, com propriedade, na Ação Penal 470 como um projeto criminoso de poder, associou pela primeira vez na nossa história caudilhismo com um sólido partido político, dando sentido único a uma anomalia, que foi ocupando as estruturas de Estado.

A passagem do poder do criador para a criatura — sem carisma e história — trouxe mais um componente de crise. Que se agravou com as sérias dificuldades econômicas manifestadas a partir de 2013. O sistema político-institucional foi se esfarelando, não conseguindo dar respostas aos anseios da sociedade civil.

Vivemos o momento mais difícil desde a redemocratização de 1985. Não sabemos para onde ir. E o futuro próximo se avizinha cinzento. A pressão popular é desconsiderada pelos donos do poder. A desmoralização das instituições é evidente. Dois chefes de poderes — Dilma Rousseff e Ricardo Lewandowski — se encontraram em território estrangeiro para discutir não se sabe o quê. Ministro é acusado de chantagista cordial — ah, bons tempos do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda — e nada acontece. O PT teve um tesoureiro condenado pelo Superior Tribunal Federal por corrupção ativa e formação de quadrilha e seu sucessor, desde abril, também está preso. Em que país do mundo democrático há um partido no governo que tenha seus dois últimos tesoureiros presos?

Brasília está desconectada do Brasil. A vida segue na Praça dos Três Poderes como se o país vivesse no melhor dos mundos. A presidente diz que não vai cair com a maior naturalidade. Porém, dificilmente vai comer o peru de Natal no Palácio do Planalto. A gravidade da crise é tão grande que até seu criador está procurando uma forma de se livrar da criatura. O caudilho, que destruiu as instituições de Estado, tem plena consciência do significado negativo da permanência de Dilma para seu projeto pessoal. A tarefa para os brasileiros é se safar — política e democraticamente — tanto do criador, como da criatura. É uma questão de sobrevivência.


Marco Antonio Villa. Publicado no O Globo, 15/7/2015

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Como no Titanic . . .


. . . Brasília afunda com a orquestra.

Reunidos no gabinete da presidência do Senado, os líderes partidários esperavam Joaquim Levy. Como o ministro da Fazenda demorava a chegar, o senador Omar Aziz (AM), líder do PSD, lançou uma interrogação no ar: “Como é, minha gente, nós vamos fazer de conta que não está acontecendo nada?”

Brasília vivia uma terça-feira de Titanic. Agentes federais varejavam endereços de políticos. Entre eles três senadores: Fernando Collor (PTB-AL), Ciro Nigueira (PP-PI) e Fernando Bezerra (PSB-PE). E os líderes simulavam normalidade. Mais ou menos como os passageiros do célebre transatlântico, que desfrutavam do som da orquestra enquando a água invadia as escotilhas.

Antes que a pergunta de Aziz fosse respondida, chegou à sala o ministro da Fazenda. E a prosa mudou de rumo. Horas depois, Renan Calheiros leria no plenário do Senado uma nota de repúdio à ação dos agentes da PF. Chamou de “invasão” o cumprimento de ordens de busca e apreensão emanadas do STF. Suas palavras soaram como o comando do maestro do Titanic para que a orquestra continuasse tocando.

A cinco quilômetros dali, Lula almoçava no Palácio da Alvorada com Dilma Rousseff e alguns de seus ministros petistas: Aloizio Mercadante (Casa Civil), Edinho Silva (Comunicação Social), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência) e Jaques Wagner (Defesa). Com água pela cintura, disse-lhes que a Lava Jato é assunto para o PT, não para o governo.

Lula aconselhou Dilma e os ministros a trocarem os gabinetes pela estrada. Acha que devem se tornar espécies de caixeiros-viajantes, propagando aos quatro ventos o que o governo faz de “bom”. Regente dos regentes, o criador de Dilma finge não notar que o desnível no chão do navio não decorre da má qualidade do champanhe.

A verdade é que o rombo no casco do governo Dilma foi aberto na administração Lula. Ele se cercou de aliados idealistas. Gente como Collor, Renan e um interminável etcétera. A Lava Jato, com seus 18 delatores, demonstrou que todo esse idealismo estava impulsionado pela mesma invenção que já havia produzido o mensalão: o dinheiro.


O enredo de Titanic, o filme, é sobre um homem, uma mulher e um iceberg. Na sua versão brasiliense, o script é parecido: o criador, a criatura e os aliados que ajudam a puxar para o fundo o mito da superioridade moral. Nunca antes na histór… glub…glub…glub…

Josias de Souza, no Blog do Josias, 15/7/2015

domingo, 12 de julho de 2015

Política e realismo mágico



“O Brasil é de uma fidelidade a si mesmo enorme. Muda para não mudar. É metade corrupção, metade incompetência”. Esta frase do historiador Evaldo Cabral de Mello define nossos principais problemas. Mas ele, que é um grande historiador, deve concordar também que existem pessoas talentosas, grupos capazes, ilhas de excelência no Brasil. Aqui no Rio aconteceu algo interessante. Liderado pela professora Suzana Herculano-Houzel, um grupo de pesquisadores brasileiros fez importante descoberta sobre o córtex cerebral.

O resultado da pesquisa foi publicado na revista “Science”. O estudo brasileiro desfez um mito sobre o córtex e sua relação com os neurônios. Um feito mundial. O grupo liderado por Suzana, no entanto, trabalha numa universidade em crise e ela colocou dinheiro do próprio bolso para comprar reagentes. Se quiser avançar em sua pesquisa, o grupo talvez tenha de escolher o caminho do aeroporto. A ilha de excelência corre o risco de naufragar no oceano de incompetência e corrupção.

O Brasil subestima a ciência e a pesquisa. É uma escolha que nos distancia do mundo. Deve haver mil razões para este fenômeno. Uma frase que ouvi na televisão talvez dê uma pista: os asiáticos construíram fábricas, e os latino-americanos, shoppings centers. De fato, muitas conquistas da ciência e da tecnologia desembocam nas prateleiras das lojas. Mas esta não é uma escolha acertada para o longo prazo. Falar em longo prazo no Brasil de hoje é quase heresia. Estamos enredados nas armadilhas do cotidiano. A política é um nó, a própria presidente evoca o seu impeachment e convida: venham me derrubar.

Não somos Macondo, o território mítico criado por García Márquez, mas nossa política, às vezes, se aproxima do realismo fantástico. Guardo alguns momentos na memória. Ulysses Guimarães, certa vez, cumprimentou o corneteiro numa solenidade. Houve um certo zunzum. Será que caducou, deixou de tomar o remédio diário? Mas eram momentos líricos. E para dizer a verdade, entre tomar remédios e cumprimentar corneteiros, talvez a última seja a solução mais branda. Esse lirismo já não existia mais nas intempéries de Collor: eu tenho aquilo roxo, dizia ele num acesso de arrogância.

Quando Dilma começou aquela frase: precisamos comungar o milho com a mandioca, percebi que estávamos vivendo mais um momento de realismo fantástico. No dia seguinte, na rua, um homem me abordou e disse que a explicação estava na dieta que Dilma faz para emagrecer.

Caetano Veloso escreveu um verso: “esse papo já tá qualquer coisa/ você já tá pra lá de Marrakesh”. No auge da crise, parece que dentro de Dilma mexe qualquer coisa doida. Mexe qualquer coisa dentro: numa outra oportunidade, ela saudou o fogo e a cooperação como as maiores criações tecnológicas da Humanidade. Pra lá de Teerã.

O filósofo inglês John Gray, que escreve interessantes ensaios, passou pelo Brasil e disse sobre a Europa: é possivel viver sem esperar que o mundo necessariamente melhore. Tudo bem. Nesse momento, no Brasil, estamos aprendendo a viver com a certeza de que o mundo vai necessariamente piorar. Dilma fez preleções sobre o fogo e a mandioca, mas é incapaz de dizer uma frase, ainda que não tenha muito sentido, sobre a crise nas universidades. Ela usou o slogan “Pátria educadora” como se usa um boné em dia de sol. Esqueceu no armário, com as outras quinquilharias produzidas pelo marketing.

Berço da filosofia ocidental, a Grécia passa por dificuldades. Entre o ajuste financeiro e as últimas medidas de Dilma, sobretudo a de cobrir parte do salário para evitar desemprego, há uma pequena contradição. Ela diz que será moleza permanecer no poder. Acho que continua saudando a mandioca. Não tem base política confiável, não consegue definir um ajuste e é cercada de problemas que partem de três direções: TCU, pedaladas; TSE, caixa dois; Operação Lava Jato, corrupção na Petrobras. Se ela conseguir superar esses problemas, com 9% de aceitação popular, no auge de uma crise econômica que produz desemprego, perda de renda, estarei saudando a mandioca.

Seria preciso combinar o milho com a mandioca, levar ao fogo para cozinhar no caldeirão a receita que salve o barco. No momento, ele navega rumo ao Triângulo das Bermudas. A comandante e seus marujos podem sumir nele. O país é grande demais para isso. O que sei é que esses tempos de incerteza nos atrasam. Não só o que acontece na universidades é desolador. Muitos projetos estão paralisados à espera de uma definição. Num país em que a presidente desafia a oposição a derrubá-la, quem vai fazer planos para o futuro? Ela mesma nos convida a adiar projetos e esperar o desfecho de seu mandato. Dilma é um manual ambulante da inabilidade política. Sua capacidade de complicar as coisas talvez contribua para uma saída mais rápida. Mas, ainda assim, vivemos num compasso de espera. É o tipo de situação que não pode se prolongar. Sair do buraco em que nos meteram é grande tarefa nacional.


Fernando Gabeira - O Globo, 12/07/2015

sexta-feira, 10 de julho de 2015

O triunfo de Dilma: deu tudo errado!


Os pessimistas estavam certos, a presidente, errada, muito errada. Como Dilma pode ter se equivocado tanto?

Na noite de 23 de janeiro de 2013, Dilma surgiu triunfante em rede nacional de televisão para a anunciar uma redução de 18% na conta de luz de todos os brasileiros, acentuando: “Primeira vez que acontece no país".

Embora já fosse bastante, a presidente não ficou nisso. Explicou, “com números", conforme ressaltou, que o “Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata".

Foi além. Desafiadora, atacou os pessimistas e zombou das “previsões erradas" daqueles que “diziam que não iríamos conseguir baixar os juros e nem o custo da energia".

De fato, naquele momento, a taxa básica de juros era de 7,25% ao ano, a mais baixa na era do Real e a conta de luz caiu no dia seguinte.

Animada com isso, Dilma informou que os investimentos estavam em alta, empregos idem, salários subindo, de modo que o Brasil vivia “dos melhores momentos da história".

Hoje, todo mundo sabe, os juros estão nas alturas — a taxa vai passar dos 14% — e a conta de luz não para de subir. Desde 2013, ano em que Dilma anunciou a redução, já ficou 60% mais cara, na média nacional. E ainda há vários reajustes previstos para este e o próximo ano. O desemprego sobe — 500 mil vagas formais fechadas este ano —, o PIB empacou, o salário perde poder de compra para a inflação e os investimentos públicos e privados desabaram.

Os pessimistas estavam certos, a presidente, errada, muito errada. Como Dilma pode ter se equivocado tanto?

Começa que ela não ouve ou não entende as críticas. Ninguém dizia que o governo não conseguiria ou não podia reduzir juros e tarifas de energia. Os críticos diziam, sim, que essas medidas eram insustentáveis mesmo no curto prazo.

Para resumir o ponto de vista dito pessimista: a redução da conta da luz se fizera por um artificialismo que desorganizava o setor elétrico; naquele momento, a tendência do custo da energia, sem truques, era de alta. Quanto à inflação, já estava alta e, mesmo assim, contida artificialmente pelo controle de preços administrados, como o da gasolina.

Era o ponto de vista correto. Dirá o pessoal da presidente: agora, em retrospectiva, é fácil falar. Negativo. Como bem apontava Dilma, os críticos e pessimistas diziam, fazia tempo, que o modelo econômico dela iria explodir em inflação, baixo crescimento, juros altos, contas públicas em déficit e desorganização de diversos setores, como o elétrico, hoje atolado em dívidas, prejuízos para a Petrobrás.

Também diziam que o aumento do crédito e do consumo era insustentável; que não havia ambiente para investimento privado. e que o governo não conseguiria dar conta das promessas de investimentos dos PACs. Lembram-se do trem bala?

Pois é — e não foi a primeira vez que a presidente exibiu um triunfalismo infundado. No início de seu governo, em março de 2011, deu uma entrevista para o jornal “Valor Econômico", garantindo que em seu mandato a economia cresceria na faixa de 5% ao ano, com inflação de 4,5%, na meta.

Também atacou os pessimistas e disse que era adivinhação daqueles que sustentavam não haver condições para uma expansão sustentada.

A coisa saiu ainda pior do que imaginavam os pessimistas. A média de crescimento anual do PIB (2011/14) ficou em 2,2%, só melhor que o período Collor. E a inflação foi de 6,16%.

Discursos e entrevistas da presidente Dilma podem ser encontrados no site do Planalto. Essa exposição não seria um motivo suficiente para a presidente vir a público e dizer “desculpaí, foi mal"?

Mas não. A presidente e seus próximos dizem que passamos por um probleminha passageiro, consequência da crise mundial, e que logo, logo... os pessimistas serão derrotados.

De novo, como pode se equivocar tão completamente?


Carlos Alberto Sardenberg – O Globo, 9/7/2015

terça-feira, 7 de julho de 2015

O império contra-ataca


“Hey you don’t tell me there’s no hope at all
Together we stand, divided we fall.” – Hey You, Pink Floyd
Os petistas sentiram a chapa esquentar com a convenção do PSDB mostrando união e subindo em alguns decibéis o tom das críticas, considerando inclusive a possibilidade do impeachment. O PT fez uma reunião de emergência para tratar do assunto, e Dilma tem tentado passar tranquilidade, algo que, convenhamos, é impossível nas atuais circunstâncias.
Os petistas voltam suas críticas para o ministro Eduardo Cardozo, que teria deixado a Polícia Federal agir com muita liberdade. Um deputado chegou a afirmar que os investigadores se acham um quarto poder, mas frisou que eles não têm voto, como se voto fosse salvo-conduto para ignorar as leis!
A presidente Dilma, em entrevista para a Folha, repetiu duas vezes que não vai cair: “Eu não vou cair. Eu não vou, eu não vou. Isso aí é moleza, é luta política”. Não é preciso ter estudado Freud ou Lacan para saber que a tentativa de demonstrar segurança trai a enorme insegurança por trás dos panos. Dilma parece tentar se convencer de que não vai cair, como Dirceu já tentou se convencer de que era inocente, alegando que estava cada vez mais convencido de sua inocência. A tranquilidade de Dilma é pura farsa.
Outra reação do PT foi típica: acusar a oposição de “golpista”. Em desespero, e sentindo o calor do maçarico ligado pelo PSDB, o partido tenta bancar a vítima, como se fosse uma tentativa de golpe exigir a aplicação das leis. Ou seja, agora é “golpismo” fazer com o PT o que o PT fez com Collor, sendo que há muito mais podridão vindo à tona no governo Dilma do que no do seu novo aliado.
Quanto às “pedaladas fiscais”, o tom acertado pelo PT foi o de alegar que sempre existiu, inclusive na era FHC. É mentira, claro. Nunca se abusou tanto dessas falcatruas contábeis para enganar a Lei de Responsabilidade Fiscal. No mais, é hilário ver o PT saindo do “nunca antes na história deste país” para o “sempre antes na história deste país”.
O que estamos vendo é que o império contra-ataca, não vai se render facilmente, nem mesmo com míseros 9% de aprovação e 68% de rejeição. As “forças do mal” são resistentes, e sua atração pelo poder é fatal. Darth Vader analisa todas as possibilidades para sua própria salvação, mas já percebeu que sem sua criatura viva, dificilmente terá chances em 2018. Os petistas estão ficando com poucas alternativas.
Dito isso, seria besteira subestimar sua capacidade de sobrevivência. Para ficar na analogia com filmes, o PT parece o Jason do “Sexta-Feira 13″, aquele que parecia completamente morto, mas ressurge do pântano para destroçar suas vítimas. Não morre nunca, o desgraçado. E continua empilhando cadáveres pelo caminho.
Mas é bom lembrar que, após “O império contra-ataca”, vem “O retorno de Jedi”. Se há uma coisa boa nessa longa e funesta fase do lulopetismo, é o fato de ter despertado milhões de brasileiros da sonolência. O PT conseguiu unir a oposição, “politizar” as pessoas, não no sentido que eles dão ao termo, mas no bom sentido: muitos entenderam que sem reação estão perdidos. Graças ao PT, hoje o Brasil tem finalmente um movimento crescente de direita, algo que não se via há décadas.
Até mesmo os tucanos, ilustres presenças em cima do muro, percebem que ou intensificam o tom do combate, ou serão atropelados por alternativas mais conservadoras que poderão capturar a indignação do povo brasileiro. Darth Vader tenta se reagrupar, reunir seu bando novamente. Mas os Jedi são mais poderosos, não no âmbito individual, mas quando considerados em conjunto. Por isso o recado de Aécio Neves é importante: não dispersar!
Rodrigo Constantino

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Sem pai nem mãe

A "mãe" fajuta do PAC de mentira e o "pai dos pobres" de araque.
O fato mais notável da passagem do ex-presidente Luiz Inácio da Silva na semana passada por Brasília nem foi a mudança brusca do tom do discurso de ataque anterior para a defesa do governo da presidente Dilma Rousseff, apontada como sinal de que ele ficou satisfeito com as críticas dela às investigações da Operação Lava Jato.

Digno de nota realmente foi o fracasso da tentativa de Lula de retomar a condição de grande liderança política com capacidade inequívoca e inesgotável de fazer amigos, influenciar pessoas, apaziguar contrariedades, aglutinar forças, organizar a tropa, apontar o rumo e restabelecer a ordem unida.

Pois Lula passou dois dias na capital da República em conversas e articulações com vista a animar os aliados a superar a crise, unir esforços em torno de uma agenda positiva e ninguém deu a menor bola.

O PDT avisou que queria devolver o Ministério do Trabalho. O ministro da Justiça, cansado da guerra interna, falou reservadamente que está farto e admitiu publicamente que não seja por isso, a um sinal da presidente está pronto para deixar o cargo. O PT precisou explicitar apoio ao ministro em nota depois de tê-lo confrontado no tocante ao legítimo exercício de suas funções e o PMDB simplesmente passou a defender ruptura, enquanto Lula falava em unidade.

É de se começar a perceber aqui as razões pelas quais a oposição “oficial” não investe no politicamente tortuoso caminho do impeachment da presidente. Primeiro, porque o governo tem dado margem a contestações com base na lei. E, depois, do desgaste no campo político os amigos têm dado conta do recado com muito esmero.

Note-se que a presidente Dilma pode até não deixar o governo antes do término regulamentar de seu mandato como, de resto, nada de concreto no momento indica que esteja no horizonte medianamente próximo. De outro lado há sinais de que o governo – aqui entendido como os integrantes dele – anda querendo “sair” de Dilma Rousseff, distanciar-se dela e de seu um dígito (9%) de avaliação positiva junto à opinião pública.

Algarismo mortal, notadamente se buscarmos na memória o tempo em que o dígito único representava aqueles que avaliavam negativamente o governo do PT. Parcela da população tratada como “resíduo” a ser ignorado, feito de chacota e usado como salvo conduto para o cometimento de quaisquer tipos de barbaridades. “Prova” de que a exigência por condutas corretas era coisa de uma minoria inconformada com a ascensão de um operário ao poder.


Dado o caráter fictício do enunciado, a canoa virou. E virou porque não souberam remar no oceano democrático em que não cabem pais dos pobres nem mães do PAC. Apenas filhos de uma sociedade em busca de qualidade, igualdade, legalidade, civilidade, verdade, transparência, maturidade e educação moral e cívica no melhor e mais democrático dos sentidos.

Dora Kramer - O Estado de São Paulo, 05 Julho 2015 

domingo, 5 de julho de 2015

Sinal de desespero


A pesquisa Ibope teve um efeito desolador no PT, que se esforça para ser guardião de uma presidente da República que não queria e para fingir que acredita em Lula como boia de salvação. A sensação é de fim de festa, com o salão desarrumado, copos quebrados, guardanapos pelo chão e bêbados vagando sem rumo, enquanto o Titanic aderna.

A aprovação de Dilma Rousseff despencou para um só dígito e a rejeição é a maior em 29 anos, pior mesmo do que as de Collor e de Sarney, os ex-campeões de impopularidade. O campo da pesquisa, curiosamente dez dias antes da divulgação, não pegou os 15 minutos de glória de Dilma com Barack Obama nem captou, do outro lado, as revelações de Ricardo Pessoa envolvendo campanhas de Lula e Dilma e, de uma tacada só, dois ministros com assento no Planalto. Soma daqui, subtrai dali, o resultado é atual.

Chocado, o PT vê a presidente serelepe, curtindo a dieta da moda e pedalando sua bike ribanceira abaixo, enquanto leva uma bola nas costas atrás da outra no Congresso, ora com um novo fator previdenciário, ora com o aumento de até 78% dos funcionários do Judiciário. E, assustado, descobre que Lula está sem rumo, sem vontade e sem tantos seguidores assim que estejam dispostos a afundar com ele e Dilma em toda essa lambança.

A proposta que Lula levou para as bancadas do PT no Congresso e para os líderes ainda aliados do PMDB é, em si mesma, um sinal de desespero: um pacto de governabilidade entre os três Poderes para “tirar o País da crise”. Leia-se: ele sonha numa “união republicana” do Legislativo e do Judiciário em torno do Executivo para tentar salvar o mandato periclitante da pupila Dilma.

Como pensar em “pacto” entre Poderes, justamente num ambiente de desconfiança entre eles e de críticas generalizadas à presidente? O Executivo perdeu o controle e ficou a reboque do Congresso e da Justiça. O Legislativo está nas mãos de Renan Calheiros e Eduardo Cunha, que impõem uma derrota atrás da outra ao Planalto e estão no foco do Judiciário. E o Judiciário não apenas investiga os presidentes da Câmara e do Senado e boa parte dos congressistas, como pode se ver na iminência de julgar ministros da antessala de Dilma.

Deputados e senadores petistas ouviram a ideia de Lula com reverência, como fazem há mais de 35 anos, antes mesmo da criação do PT, mas saíram dali envoltos em profundo desânimo. Se isso é tudo o que o gênio da política tupiniquim tem a oferecer, é porque a coisa está para lá de ruim.

Já os caciques do PMDB nem fizeram questão de esconder o ceticismo com a solução improvisada – aliás, com tudo. Octogenário e vivendo o ocaso da carreira política, José Sarney foi além e disse o que todos ali pensavam, mas não ousavam admitir: a esta altura, com o governo desmoronando, a economia idem e Dilma autista, pode ser tarde demais para qualquer reação. Segundo relatos, Sarney avaliou, sem subterfúgios, que a possibilidade de Dilma cair é cada vez mais real.

Se as conversas de Lula com o PT e o PMDB amigo já foram nesse ambiente desolador, imaginem se, em vez de terem sido na segunda e na terça, tivessem sido na quarta-feira, dia da divulgação do Ibope? Os próprios petistas começam a dar sinal de cansaço. Eles se ressentem do erro fatal que foi chegar alegremente ao paraíso das benesses e das maracutaias e, como tiveram de engolir a imposição do nome de Dilma para a Presidência, não encontram argumentos – e, na verdade, nem têm vontade – para defendê-la agora. Pior: muitos não botam mais fé em Lula, que também demonstra frustração, medo, impotência.

“Lula não manda mais nada”, atesta um velho amigo, repetindo literalmente o que a senadora Marta Suplicy diz há tempos e revelando que achou o ex-presidente deprimido, sem encanto, incapaz de apontar caminhos e de convencer como pré-candidato em 2018. Como todos os demais, Lula está vendo o desastre chegar sem saber como impedi-lo. Nem como sobreviver a ele.

Eliane Cantanhêde -  O Estado de São Paulo - 3/7/2015
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