quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Dilma vendeu a alma ao diabo


Cercada, Dilma entregou-se a Lula e ao PMDB

Ao assumir o seu segundo mandato, Dilma tomou duas providências que considerou prioritárias na época. Numa, acomodou amigos em poltronas que eram ocupadas por olheiros de Lula no Planalto. Noutra, deflagrou um plano para esvaziar o PMDB. Decorridos nove meses, Dilma descobriu-se sitiada por Lula e pelo PMDB. Para não cair, rendeu-se.
Ao ampliar a participação do PMDB num gabinete que prometera enxugar, Dilma entregou os anéis. Ao incluir a pasta da Saúde na cota do pseudo-aliado, ela sacrificou os dedos. Ao mexer na trincheira da Casa Civil, trocando Aloizio Mercadante, seu mais fiel assessor, por Jaques Wagner, um chapa de Lula, Dilma repassou sua alma ao padrinho político.
Está entendido que a maior influência sobre Dilma na redefinição do gabinete ministerial veio de Lula. Afora o fato de ter retomado espaços físicos que perdera —além da Casa Civil, a coordenação política, com Ricardo Berzoini— o morubixaba do PT orientou a elevação do cacife do PMDB.
O que vem por aí depende de duas respostas: 
1) como Dilma vai lidar com a ideia de ser uma espécie de ex-presidente da República no cargo? 
2) o que Lula planeja fazer com a política econômica do governo? 
Já se sabe que o dono de Dilma não está satisfeito com o ajuste fiscal de Joaquim Levy.
Josias de Souza, Blog do Josias, Folha de São Paulo, 30/9/2015

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Fechando o cerco


Se Lula desconfiava, conforme relatos, de que o objetivo final da Operação Lava-Jato é ele, ontem deve ter tido certeza disso. Nunca a Operação Lava-Jato chegou tão perto dele, por enquanto apenas na retórica de seus procuradores ou do próprio Juiz Sérgio Moro, mas com ações que se aproximam cada vez mais de denúncias que envolvem diretamente Lula no esquema de desvio de dinheiro da Petrobras.

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, afirmou em entrevista coletiva para explicar a nova fase – sugestivamente chamada de “Nessum Dorma” (“Ninguém dorme”) - que ‘não tem dúvida nenhuma’ de que os escândalos de corrupção da história recente do País – Mensalão, Petrolão e Eletronuclear – tiveram origem na Casa Civil do Governo Lula, cujo titular mais famoso, o ex-ministro José Dirceu, está preso pela segunda vez. 

Ele não apenas insinuou, mas garantiu que as investigações indicam que foi montado um esquema de compra de apoio político para o governo federal conectados entre si desde o mensalão, pela mesma organização criminosa e pessoas ligadas aos partidos políticos.

Já o juiz Sérgio Moro escreveu em um de seus despachos condenado o ex-tesoureiro do PT João Vaccari que “(...) A corrupção gerou impacto no processo político democrático, contaminando-o com recursos criminosos, o que reputo especialmente reprovável. Talvez seja essa, mais do que o enriquecimento ilícito dos agentes públicos, o elemento mais reprovável do esquema criminoso da Petrobras, a contaminação da esfera política pela influência do crime, com prejuízos ao processo político democrático. A corrupção com pagamento de propina de milhões de reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos e a afetação do processo político democrático merece reprovação especial."

 Juntando-se essas afirmações ao fato de que a operação “Nessun Dorma” apura a propina na Diretoria Internacional da Petrobras de 2007 a 2013, ocupada por Nestor Cerveró, que negocia uma delação premiada com o Ministério Público, tem-se que além das negociatas da Eletronuclear, estão sendo investigadas ações como o superfaturamento do contrato da sonda Vitória 10.000 que, segundo Cerveró, foi feita a mando do próprio presidente da Petrobras à época, José Sérgio Gabrielli, para saldar dívidas de campanha de Lula com o grupo Schahin.

Na proposta de Cerveró para a delação premiada, que ainda não foi aceita, ele afirma que Gabrielli lhe disse que a ordem veio “do homem lá de cima”, numa referência clara ao então presidente Lula.
O operador Julio Camargo, em cuja delação premiada aparece a acusação ao presidente da Câmara Eduardo Cunha, disse que representava a Samsung na transação do navio-sonda Vitória 10 000 e confessou ter pago 25 milhões de dólares a diretores e intermediários, incluindo aí o próprio Cerveró.

O ex-diretor da área internacional contou aos procuradores da Operação Lava-Jato que os contratos de compra e operação da sonda Vitória 10 000 foram direcionados à construtora Schahin com o propósito de saldar dívidas da campanha presidencial de Lula, em 2006 com o banco do mesmo nome.

Esse caso está ligado a outro, mais nebuloso, envolvendo o assassinato do prefeito Celso Daniel, e foi revelado à época do mensalão numa tentativa mal sucedida do lobista Marcos Valério de fazer uma delação premiada para se livrar da penas de mais de 40 anos a que foi condenado na ocasião.

Ele revelou que foi procurado pelo PT para pagar uma quantia em dinheiro a uma pessoa que ameaçava revelar detalhes do caso Celso Daniel, acusando líderes do PT pela morte. Segundo ele, que teria se recusado a entrar no esquema, coube ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal de Lula, fazer o pagamento, pelo qual contraiu um empréstimo de 6 milhões de reais no Banco Schahin, quantia que teria sido paga como parte da propina da sonda.


O próprio Milton Schahin admitiu ter emprestado 12 milhões de reais ao amigo de Lula, em declarações à revista Piaui, mas diz que não é obrigado a saber o que  faria com o dinheiro. Bumlai era a única pessoa que tinha autorização para entrar no Palácio do Planalto a qualquer hora, sem audiência marcada, de acordo com um aviso que havia na portaria do Palácio, com sua foto para que não houvesse engano.

Merval Pereira, O Globo, 22/09/2015 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O governo Dilma está colhendo o que plantou

Marcha à ré: a destruição de bens e de empregos levou a fatia da indústria na economia de volta aos níveis de 1940
As desgraças dos governos sempre vêm de longe. Não existe, para os que estão por cima, o infortúnio do “mal súbito”. Não há possibilidade, no mundo dos fatos concretos, de ocorrer alguma coisa que “ninguém poderia prever”.

Não há “sustos” causados por um raio que caiu de repente lá de cima — nem desastres devidos a uma desatenção de autoridades supremas que talvez, quem sabe, tenham “demorado um pouco” para perceber os desastres que criaram a seu redor. Tudo o que existe debaixo do céu, como já se sabe desde a redação de Eclesiastes, é um tempo de semear e um tempo de colher o que foi plantado.

O Brasil de hoje está, muito simplesmente, no tempo da colheita daquilo que seus três últimos governos, com o apoio decisivo do atual, semearam de forma sistemática, arrogante e obsessiva desde o dia 1º de janeiro do ano de 2003. Plantaram joio; estão colhendo joio.

Desprezaram, com igual soberba, outras realidades expostas no velho livro. Ensina-se ali que existe um tempo de armazenar e um tempo de distribuir; quiseram só distribuir, e ainda assim distribuíram mal, porcamente e sobretudo para si próprios. Há um tempo para destruir e um tempo para reconstruir; ficaram apenas na destruição. Queriam o quê?

O país assiste no momento à tristonha agonia diária do ministro Joaquim Levy — o homem que deveria ser o funcionário mais importante do governo começa o expediente de cada dia, de manhã, sem saber se estará no cargo na hora do almoço, e muito menos no momento de voltar para casa ao fim de sua jornada de trabalho.

Vê o amontoado de ruínas a que se reduziu o segundo governo da presidente Dilma Rousseff, cada vez mais empenhada em exercer o que parece ser sua vocação de capataz em obras de demolição. Raramente passam 24 horas seguidas sem alguma nova infâmia na economia.

O governo, pela primeira vez desde a instituição da Lei de Responsabilidade Fiscal, apresenta um orçamento, o de 2016, com despesas superiores às receitas; estão faltando uns 30 bilhões de reais para pagar as contas públicas do ano que vem, mas talvez acabem sendo 80 bi ou sabe-se lá quanto.

A produção industrial acaba de cair pelo 17º mês seguido, numa destruição frenética de bens e de empregos que leva a participação da indústria na economia brasileira a voltar aos níveis de 1940. O Brasil entrou oficialmente em recessão: cresceu zero em 2014, andará para trás em 2015 e possivelmente cairá de novo em 2016, uma se­quên­cia lógica do desempenho miserável dos quatro primeiros anos de Dilma e de sua devoção religiosa às decisões erradas. O que mais? Já chega assim.

Não há nada, nisso tudo, que venha da “situação atual”. Estava decidido lá atrás, com a chegada ao governo de forças que acreditam, entre tantas outras insânias, na quimera do efeito sem causa; querem isso, ou não querem aquilo, sem pensar que é indispensável praticar atos racionais para obter uma coisa e evitar a outra. Todo mundo é livre para opinar quando, onde e por que começaram os horrores de hoje.

Uma boa escolha está no vírus fatal inseminado pelo ex-presidente Lula quando tomou a mais funesta decisão de sua vida política ao escolher Dilma como sucessora, num momento em que tinha a excepcional vantagem de poder colocar na Presidência, realmente, o nome que quisesse.

Lula achou que não haveria nenhum problema sério em dar o cargo a uma pessoa que jamais tinha sido eleita nem sequer para vereador, não tinha uma única realização de verdade em seu currículo e era portadora natural de uma inépcia devastadora para a tarefa de governar.


Achava que Dilma ia apenas esquentar comportadamente sua cadeira durante quatro anos e entregá-la de volta na eleição de 2014. Mas a primeira coisa que ela fez foi decidir que não ia devolver coisa nenhuma — uma calamidade anunciada, diante de sua compulsão em escolher sempre o pior. Ao contrário, como disse, faria “o diabo” para ficar lá os oito anos que a lei permite. “O diabo” é isso tudo que vem fazendo desde sempre. É onde estamos, precisamente.

J.R.Guzzo, revista Exame, setembro 2015.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O pão que o Lula amassou


Em 1989, quando se candidatou pela primeira vez, eu disse que ele era um canalha. Nunca me enganou, mas conseguiu enganar toda uma nação. Que paga o preço, agora.

O pão que o Lula amassou

Por Maria Lucia Victor Barbosa, publicado no Instituto Liberal

No teatro da vida a farsa se faz presente. A hipocrisia, a mentira, a simulação, a impostura, a bajulação sempre ajudaram os vencedores da batalha da existência, sobretudo, os dotados de retórica capaz de iludir e convencer.

Na política, palco máximo da simulação, a farsa conta com o poderoso auxílio da propaganda que se sofisticou e se disseminou através dos meios de comunicação, especialmente os televisivos. Porém, a culminância da hipocrisia e do cinismo chegou ao Brasil a bordo do governo petista, na medida em que marqueteiros habilidosos esculpiram uma falsa imagem de Lula da Silva apresentado como proletário pobrezinho, vítima da sociedade de classes e depois, num passe de mágica, o transformaram em estadista.

Na verdade, Lula é um semianalfabeto que de pobre não tem nada, um populista ambicioso e sem escrúpulos que venceu pela sorte e não pelo valor. Na quarta tentativa ele chegou à presidência da República na medida em que sua fala vulgar, rudimentar, grotesca, circense provocou o sentimento de identidade tão caro às massas.

Disse alguém que “a vida é a tragédia das escolhas”. A maioria dos brasileiros escolheu Lula duas vezes. E depois mais duas quando ele logrou colocar em seu lugar o chamado poste. E não foram somente os pobres que o escolheram o salvador da pátria, chancelando a tragédia que ocorre agora no Brasil. Brahma ou Barba chegou também lá montado no apoio dos que ele finge amaldiçoar como elites, ou seja, banqueiros, empreiteiros, grandes empresários. E a classe média, que a petista Marilena Chauí diz odiar, composta por intelectuais, artistas, profissionais liberais, professores, estudantes universitários, endossou o teor de fé da seita PT. Jactando-se de seu socialismo requentado, falso, atrasado, tão comum na América Latina por conta da dor de cotovelo que se tem dos Estados Unidos, a classe média erigiu Lula ao altar da pátria e o adorou.

Brahma ainda teve apoio de parte da Igreja católica, das tradicionais ramificações petistas sustentadas pelo partido como a CUT, o MST, UNE, e de outros ditos movimentos sociais, além de conquistar a adesão de instituições como a OAB.

Impressiona também o fortalecimento do PT através do apoio constante e fiel do PSDB, especialmente de Fernando Henrique Cardoso. Nunca houve oposição ao PT nem nunca haverá por parte dos peessedebistas. É tanta a devoção dos tucanos com relação a Lula da Silva, que melhor fariam dissolvendo seu partido e entrando para o PT.

A tragédia das escolhas fortaleceu tanto Lula e seu partido que ele se imaginou capaz de fazer o que bem quisesse. Assim, veio a enxurrada de erros na economia, a gastança exacerbada, a corrupção desenfreada. E no primeiro mandato da criatura, com Lula presidente de fato, foi o tempo em que ele caprichou no amassar do pão amargo que os brasileiros agora engolem a custo e que se tornará mais tóxico daqui para frente com o aumento da inflação, da inadimplência, do desemprego, dos juros, do dólar.
Como não há governo que aguente quando a economia vai mal, movimentos populares espontâneos têm ido às ruas para pedir a saída da governanta. Parece que só agora foi notada sua total incompetência, sua fala incoerente como se ela tivesse enorme dificuldade de raciocinar, o que indica absoluta inaptidão para o cargo presidencial, aliás, para quaisquer cargos, até os mais simples.

O PT quebrou o Brasil e o abismo se abre aos nossos pés, prenunciando uma via-crúcis ainda mais dolorosa com o rebaixamento do Brasil pela Agência de classificação de risco Standard & Poors. Perdemos o grau de investimento e outras agências deverão fazer o mesmo com graves consequências para nossa já combalida economia.

Diante do descalabro já existem 17 pedidos de impeachment de Rousseff na Câmara e o mais expressivo é o do ex-militante petista, Hélio Bicudo. O PSDB, vergonhosamente, covardemente, se omite, se esconde, vacila e deixa para o PMDB resolver a questão.


Enquanto isso, diabolicamente, Lula vai amassando o pão. Começou a atacar a criatura e, se ela cair, ai de quem a substituir. Será massacrado pela única coisa que o PT sabe fazer bem: uma oposição violenta, raivosa, intimidadora, boçal. Desse modo, Lula imagina poder voltar em 2018, consolidando seu poder e o do PT. 

Resta saber se o povo aprendeu a dura lição ou se seguirá sem medo de ser infeliz rumo ao Socialismo do Século 21, da Venezuela, como quer o Foro de São Paulo. O tempo dirá.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

O caos é democrático: a conta está chegando para todos!

Margaret Thatcher

O socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros. E esse dia chegou.

Citada ainda no contexto da Guerra Fria, “o socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros” é uma célebre frase atribuída à Primeira-ministra britânica Margareth Thatcher. O bordão desde então ganhou um ar mais amplo que o original, passando a expressar uma preocupação em relação a qualquer política distributivista. Em um mundo onde as atribuições dos governos são cada vez mais crescentes e tornam-se “direitos” garantidos por constituições – variando de saúde, educação e até mesmo transporte ou banda larga, como no caso brasileiro – expressões que enfatizam o custo destas ações possuem cada vez mais sentido.

Seja a máxima de Thatcher, o almoço grátis impossível de Milton Friedman ou ainda o lema que afirma que “o governo é a grande ficção através da qual todos esperam viver as custas de todos”, do francês Frederic Bastiat. Todas possuem um ponto em comum: vontade política não garante o cumprimento de nenhuma medida. O mais bem intencionado dos governos ainda precisa ser financiado por meio de arrecadação. E a arrecadação sai sempre do mesmo lugar – o bolso dos pagadores de impostos de um país.

Este equilíbrio delicado mantém-se de forma bastante problemática. Convencer a população de que ela está se beneficiando direta ou indiretamente daquilo que é tributada é a missão de qualquer governante. E no Brasil, ao longo dos anos, com a arrecadação em constante alta, manter este equilíbrio foi tarefa consideravelmente fácil para o Partido dos Trabalhadores. Enquanto agradava a população mais pobre com programas de transferência de renda, o governo criava o maior sistema de transferência de renda do mundo – um bolsa empresário que custa anualmente R$ 23 bilhões para subsidiar grandes empresas através do BNDES. Durante mais de meia década o governo manteve inalterado o preço da gasolina (às custas da quase falência da Petrobras), concedeu dezenas de bilhões em isenções de IPI para a classe média ter acesso a um veículo automotor, duplicou os gastos com o FIES em ano eleitoral e financiou uma expansão inconsequente de crédito, que somada aos mais de R$ 500 bilhões em políticas de subsídio e incentivos, hoje cobram a conta. E a conta sempre aperta no mesmo bolso: o seu.
  
Com um crescimento da arrecadação acima de 2 dígitos por mais de uma década, o governo dedicou-se a expandir gastos e salários. Atualmente, um funcionário público civil do executivo federal possui um salário médio de R$ 9.919,00, contra R$ 2.148,50 de um funcionário na iniciativa privada. São mais de R$ 474 bilhões gastos anualmente para manter a máquina pública, contra R$ 57,3 bilhões em investimentos. Destes, cerca de R$ 204 bilhões garantem os mais de 757 mil funcionários públicos e 113 mil funcionários indicados, nos cargos comissionados. Outros R$ 66,9 bilhões se destinam a bancar o prejuízo na previdência dos servidores públicos, que atende por volta de 1 milhão de pessoas – um contraste gritante em relação aos 25,2 milhões de beneficiários do INSS que geram um déficit de R$ 56,7 bilhões.

Estabilidade no emprego, aposentadoria integral e bons salários garantiram o retorno do velho sonho do emprego público, fazendo com que mais de 10 milhões de brasileiros procurassem concursos públicos a cada ano. Durante todo esse tempo, portanto, não foi difícil para a maioria das pessoas acreditar que o crescimento da economia e do governo eram duradouros e capazes de manter inúmeros “benefícios conquistados”. Manter este crescimento, porém, exigiu do governo cada vez menos compromisso com a realidade. E é aqui que o sonho do distributivismo morre.

Durante todo o seu primeiro mandato, Dilma financiou gastos que de outra forma teriam alterado a inflação brasileira. A prática de maquiar a inflação não é muito complicada de entender. Suponha que a energia pese metade do índice oficial de inflação, e que ela dobrará no próximo ano por conta de um aumento de custos. Agora suponha que o governo tire do Tesouro os custos que de outra forma seriam repassados ao consumidor. Não é dificil perceber que a população continue pagando a conta – agora, no entanto, sem entrar no índice oficial de inflação.

Práticas como esta foram ignoradas por boa parte dos formadores de opinião do país, que pouco questionaram os prejuízos causados pelo congelamento de preços da gasolina, e em inúmeras ocasiões trataram de ignorar o fato de que muitas destas contas simplesmente nunca fecharam. É cômodo supor que uma pessoa em estado de miséria vote em um candidato para ter a certeza de que seu Bolsa Família não deixará de cair todo mês na conta, mas, quantos jovens de nível universitário não se deixaram ludibriar com a promessa de que Dilma era sinônimo de FIES? Como o próprio nome diz, o FIES é um fundo – de recursos limitados portanto. A origem dos seus recursos reside em repasses das loterias da Caixa e em pagamentos de dívidas antigas. Durante o ano de 2014, o número de contratos feitos pelo programa saltou para 731 mil, praticamente o dobro do registrado 2 anos antes, quando 377 mil contratos foram fechados. Em 2015, sem recursos, o fundo financiou apenas 252 mil contratos.

A soma de todos estes custos dispersos se encontram em um número: R$ 32,536 bilhões. Essa é a soma do primeiro déficit primário desde que o país passou a adotar a política de controle sobre o crescimento da dívida, em 1997. Graças a este número, a dívida pública brasileira deve crescer quase 12% acima do PIB entre 2013 e 2014. O custo para financiá-la está hoje em 11,2%, contra 6,2% do mesmo período de 2014.
  
Você provavelmente deve estar se perguntando o que fazer – ou onde encaixar todos estes números – para entender o quebra-cabeça do nosso atual cenário. Todo economiquês governista, aquela linguagem de economistas oficiais que em raros casos não pode ser definida com um “precisamos de mais impostos seus”, serve para mostrar como o cenário atual está frágil em relação a tempos não muito distantes. Você talvez só precise de um ou dois números – como o desemprego em 8,1% e a inflação em 9,57% nos últimos 12 meses – para saber que as coisas realmente não vão bem. Mas essa é essencialmente uma crise de governo: em parte política, oriunda dos desdobramentos da operação Lava-Jato, e em maior parte consequência de políticas econômicas equivocadas adotadas pelo Planalto.

É, portanto, na análise das contas públicas que está a solução para começarmos a sair da crise.

Você possivelmente deve estar se perguntando o que há de diferente no anúncio de ontem dos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Provavelmente o que mais lhe interessa seja o retorno da CPMF, que com uma alíquota de 0,2% sobre cada operação financeira sua, resultará em R$ 32 bilhões a mais nos cofres públicos. Mas há um detalhe pouco percebido no anúncio de ontem.

Pela primeira vez em 9 meses de ajustes fiscais, o alvo principal dos cortes não são os benefícios trabalhistas ou os subsídios a empresas. O detalhe mais importante do anúncio de ontem reside justamente no fato de que, pela primeira vez, são os servidores públicos e a república de concurseiros quem pagarão sua parte na conta. O governo anunciou que eliminará parte dos cargos comissionados e congelará por 2 anos os concursos públicos. Pode-se dizer que ao menos pelos próximos 2 anos, o sonho de que todos possam viver às custas de todos está definitivamente suspenso. O sonho do distributivismo brasileiro definitivamente só dura até acabar o dinheiro dos outros.

Publicado em 15/9/2015  no site http://spotniks.com/ 

Brincando com fogo


Depois de destruir as finanças públicas e arruinar com o legado do Plano Real, os petistas desejam tirar ainda mais recursos da iniciativa privada?

O abuso de governantes que avançaram sobre o bolso dos cidadãos foi, historicamente, motivo das mais famosas revoluções. Roboão abriu uma cicatriz milenar no povo judeu ao ignorar o conselho dos anciões e partir para o aumento de impostos. A Revolução Americana ganhou corpo após a Coroa Inglesa tentar incrementar a taxação da colônia. Tiradentes e os inconfidentes mineiros se rebelaram contra o quinto, que confiscava 20% do ouro produzido em Minas Gerais.

Não pode haver taxação sem representação, como sabiam os colonos americanos inspirados pelo Iluminismo. Quem está disposto a defender que hoje, no Brasil, há um quadro de representatividade legítima no Congresso e no governo federal? Um sistema político que preserva no poder uma presidente com apenas 7% de aprovação não parece muito eficiente em atender às demandas populares. No entanto, esse governo quer mais impostos.

O país está em crise, nessa periclitante situação, por conta da incompetência, da roubalheira, da arrogância e dos equívocos ideológicos do PT. Depois de destruir as finanças públicas e arruinar com o legado do Plano Real, os petistas desejam tirar ainda mais recursos da iniciativa privada? E o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um tecnocrata, ainda tem a ousadia de chamar isso de “investimento”, como se fosse desejável retirar ainda mais dinheiro do setor produtivo para bancar um governo perdulário?

Sim, as contas públicas precisam estar ajustadas, e as despesas não podem ser maiores do que as receitas. Mas só mesmo um “cabeça de planilha” pode achar que tanto faz chegar lá pelo aumento da arrecadação ou pelo corte de gastos. Num país cujo governo já arrecada quase 40% do PIB, e praticamente a fundo perdido, chega a ser imoral falar em aumento de impostos. É preciso ser muito bitolado para afirmar que pagamos poucos impostos no Brasil.

A conta verdadeira precisa levar em conta, além da carga já elevada, o custo dobrado que a classe média tem para sobreviver. Afinal, quem está satisfeito com o SUS? Quem pode, tem plano de saúde privado, o que é custo extra. Quem, podendo fazer o contrário, coloca os filhos na escola pública, palco de doutrinação ideológica e greves constantes? Novamente, custo dobrado para ter educação razoável. Segurança? Condomínios fechados que encarecem a cota mensal dos moradores.

Em suma, pagamos muito imposto, trabalhamos até maio só para sustentar o governo, e fazemos isso sem contrapartida. Ainda somos chamados de “contribuintes”, eufemismo que é um desrespeito aos pagadores de impostos que, sob a mira da coerção estatal, são forçados a contribuir com essa roubalheira, incompetência e quantidade incrível de privilégios.

A crise atual tem sua origem justamente nas irresponsabilidades do governo populista do PT, que achou ser possível “pedalar” como se não houvesse amanhã, como se austeridade fiscal fosse um palavrão, uma invenção de “neoliberais”. Os alertas dos “Pessimildos” se mostraram acertados, e agora o governo precisa enfrentar a dura realidade. Mas quer fazer isso jogando o fardo para ombros alheios, para o trabalhador, para a classe média?

É um acinte! Enquanto sofremos com a alta inflação, com o risco crescente de desemprego, os políticos trocam de carros oficiais, aprovam aumentos de salários, continuam em suas bolhas, isolados dos efeitos nefastos de suas medidas. Confiam demais no mito do pacato cidadão brasileiro, que apanha o ano inteiro, mas deixa rolar pois tem o carnaval, o futebol e as novelas para afogar suas mágoas. Até o dia em que esse gigante adormecido realmente acordar: aí seus exploradores vão tremer.

Que fique claro uma coisa: não aplaudo revoluções, muito menos as sangrentas como a Francesa. Costumam trocar seis por meia dúzia, às vezes colocando no poder algo ainda pior. Acredito na via da democracia representativa, das reformas dentro do sistema. É justamente para evitar revoluções que a democracia existe, com sua alternância de poder e sua capacidade de se adaptar. E é por temer o risco de uma revolução sem controle que faço esse alerta.

Ainda dá tempo de evitar o pior, de usar essa crise para fortalecer nossas instituições republicanas, para aprender lições importantes contra o desenvolvimentismo inflacionista. Ainda é possível fazer do limão uma limonada. Mas se a reposta da classe política for, uma vez mais, fingir que vive na Suécia e demandar mais impostos ainda da população, aí creio que, cedo ou tarde, será inevitável o pior. A marcha da insensatez cobrará seu preço. Estão brincando com fogo, e vão se queimar.


Rodrigo Constantino, economista e presidente do Instituto Liberal. O Globo, 15/9/2015

sábado, 12 de setembro de 2015

Corda em casa de enforcado


Temer falou que Dilma não se mantém no governo com o baixo índice de popularidade. Foi um deus-nos-acuda. Não se fala em corda em casa de enforcado.

O governo só pensa em sobreviver, e paradoxalmente, cava seu próprio abismo. Não me refiro apenas às notícias ruins que os dados econômicos nos transmitem. Refiro-me à performance autodestrutiva do governo. Dilma viveu um 7 de Setembro isolada por placas de ferro, não teve condições de se dirigir ao País, com hora marcada na televisão.

No entanto, na véspera, acordou com uma ideia genial: vou sacanear os militares. Eles estão muito quietos. E assinou um decreto reduzindo os poderes dos comandos das Forças Armadas. Às vezes fico pensando se não é uma tática. Mas não consigo entender sua lógica. Como Dilma não é uma articuladora diabólica, prefiro pensar que é só incapacidade.

Levy, em Paris, disse que a elevação do Imposto de Renda pode ser um caminho para cobrir o rombo fiscal. É ou não é um caminho?

Ele vai apanhar muito por sua ideia. E talvez nem chegue a apresentá-la. Qualquer Maquiavel de botequim o aconselharia ou a fazer de uma vez ou, então, silenciar.

O erro de Levy ainda se pode explicar pelo desespero de buscar recursos para um Orçamento estourado. Mas é um erro que encobre outro maior: a ideia de aumentar impostos depois de o governo ter perdido a credibilidade.

O raciocínio de Temer, que deu inúmeras explicações sobre a frase, completava-se com a expectativa de que a crise seria superada e Dilma iria recuperar um nível de popularidade”razoável”. Mas é a própria expectativa de Temer que não é razoável. Como Dilma vai recuperar a popularidade? Como vai conduzir a recuperação econômica? Como uma presidente sem experiência política vai fazer a travessia, uma vez que a maioria a considera mentirosa e responsável pelo buraco em que nos metemos?

As raposas do PMDB diriam: para bom entendedor meia palavra basta. Não é bem assim. Carlos Lacerda, no livro República das Abelhas, dizia que o Brasil parecia um homem que foi bêbado para a cama, dormiu pouco e mal, mas precisa acordar bem cedo pela manhã. Você tem de sacudi-lo, estapeá-lo. Se ficar fazendo festinha, ele não se levanta.

Lacerda apoiou alguns socos abaixo da linha da cintura, como o golpe militar de 64. Mas sua frase me fez refletir um pouco sobre esse possível despertar do Brasil.

Os fatos negativos se sucedem. Essa incrível quantidade levará a um salto de qualidade por si própria? Ou vai surgir da esfera da política, no sentido mais amplo, o impulso para que o salto se dê?
As manifestações de 16 de agosto indicaram uma grande confiança na Operação Lava Jato. Uma confiança merecida. No entanto, será que ela basta?

Estamos entrando numa crise de longa duração. Quanto mais tempo perdermos, mais vamos impor ao País, inclusive às novas gerações, grandes dificuldades futuras.

Será preciso uma intervenção maior da sociedade. De todas as maneiras. Em Nova York o cantor Fábio Junior denunciou a quadrilha que domina o Brasil. Alguns discutiram os termos do protesto, o público do cantor, seus recursos estéticos. Mas o cantor e os brasileiros que estavam lá, não importa sua opção estética, são morenos como nós, pagam impostos, têm sonhos e gostam do Brasil. Eles se manifestaram como inúmeros outros o fazem aqui, dentro do País.

Essa pressão social sobre um governo incapaz funciona como algumas sacudidas para o País acordar. Mas como um homem que dormiu tarde e precisa acordar cedo, será preciso ainda mais.
Já está ficando ridícula essa história de Dilma se desculpar pela metade. O governo não tem de responder apenas pelos seus erros, que ela nem admite completamente, usando o condicional: se cometi erros, é possível... Ora, os governos de Dilma e Lula estão na iminência de responder por crimes, no petrolão e nas campanhas presidenciais.

Nesse emaranhado de problemas, há os que, como Temer, têm uma expectativa de que Dilma faça a travessia. Ninguém, no entanto, é capaz de analisar desafio por desafio e nos convencer de como ela vai superá-los.

Da crença num suposto respeito à legalidade eleitoral, desloca-se rapidamente para a crença num milagre. Esperam que Dilma acorde renovada e conduza a grande travessia. Aí, ela acorda invocada e vai mexer com os militares – que, por sinal, foram bastante discretos na reação.

A cada semana inventam um novo imposto. A cada semana fracassam. O governo é um Sísifo ao contrário. Sísifo pelo menos, segundo a lenda, levava a pedra até o alto da montanha e a recolocava incessantemente. O governo está no alto da montanha jogando pedra para baixo. Quebrou o País, dirigi-lo tornou-se uma responsabilidade tão áspera que a própria oposição hesita em assumi-la.
Então, como vamos sair dessa? As pessoas na rua pedem impeachment, de uma forma que as vezes me preocupa. Acham que o impeachment vai resolver todos os problemas. Na verdade, é só um passo. Se as forças políticas não conseguem discutir nem o impeachment, abertamente, o que dirá de um programa nacional para se sair da crise?

Muitos analistas concordam que a crise pode levar-nos a um retrocesso, dependendo da maneira como a enfrentamos. O problema é que nem sequer a estamos enfrentando de forma coordenada. Essa lentidão pode nos custar alguns anos a mais de sufoco.

Dilma naufragou no oceano de suas mentiras, nas correntes geladas da crise, na trajetória de delinquência institucional do PT. No momento, somos como um barco de refugiados à deriva no Mediterrâneo.

Não podemos naufragar, nem esperar resgate. Somos grandes demais para a Europa, ou qualquer outro continente. Ou nadamos ou afundamos.


Fernando Gabeira, O Estado de São Paulo, 11/9/2015

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O mundo de Dilma


 A anarquia fiscal acabou restaurada sob gerência de uma presidente com diploma de economista e dona de certeza granítica sobre a perfeição e a nobreza de seu governo

Se errar é uma imperfeição humana, Dilma Rousseff duvida que possua esse defeito. Generosa, até se sujeita à admissão de remota possibilidade, mas apenas por uma necessidade emergencial de marketing: “Se cometemos erros” — disse ontem —, “e isso é possível, vamos superá-los e seguir em frente.”

Dilma se apresenta satisfeita com a vida em mundo fictício, no qual a convicção da realidade nunca se altera. Nele, “crise” é palavra proibida. Há “dificuldades” e “desafios”.

O que aconteceu, então? Por que o Estado quebrou? Tal percepção da vida real não é correta, sugeriu a presidente em discurso, remetendo ao seu nobre esforço: “O governo entendeu que deveria gastar o que fosse preciso para garantir o emprego e a renda do trabalhador, a continuidade dos investimentos e dos programas sociais.”

O convencimento da presidente sobre seus acertos confronta a percepção coletiva sobre a inflação, a recessão, o rombo nas contas federais e a quebra dos estados e prefeituras, cujo endividamento foi anabolizado por ordem direta da Presidência da República.

Ela tenta manter uma aparência de racionalidade, embora tenha sido quem mandou o Tesouro garantir a triplicação das dívidas estaduais. Entre 2011 e 2014, saltaram de 0,2% para 0,6% do Produto Interno Bruto.

Dilma sabia: pelo menos 50 desses financiamentos destinavam-se a estados já classificados pelo Ministério da Fazenda como impedidos de receber novos créditos. Um deles era o Rio Grande do Sul, estrela da bandeira petista, que hoje parcela o pagamento do funcionalismo a partir da faixa de R$ 600 mensais. É prelúdio de algo previsto para acontecer em outros estados.

Não há vestígio de um terço desse novo endividamento, contratado no último triênio. Foram torrados R$ 30 bilhões, o equivalente ao déficit previsto no Orçamento da União para 2016.

O dinheiro desapareceu na folha de pagamentos, contou o ministro Joaquim Levy a deputados, na semana passada. A despesa de pessoal dos governos estaduais cresceu 54% nos últimos três anos. Passou de R$ 185 bilhões, em 2011, para R$ 284 bilhões, no ano passado.

Dilma, é óbvio, não tem culpa se os governadores aumentaram dívidas numa velocidade dez vezes maior que o crescimento da receita líquida em termos reais — ou seja, descontada a inflação.

É certo, no entanto, que a presidente estimulou-os. Abriu a porteira da Fazenda e concedeu-lhes garantias do Tesouro Nacional.

Para tapar buracos da má gestão, ela enunciou ontem nova tributação: “Alguns remédios são amargos, mas indispensáveis.” Significa que a conta será paga, principalmente, pelos mais pobres cujos bolsos foram devastados, na última década e meia, pelo aumento de 14 pontos percentuais na carga tributária.

Pobres já destinam, obrigatoriamente, 32% de sua renda mensal ao pagamento de tributos ao Estado, informa o Ipea, do Ministério do Planejamento. Devem perder ainda mais.

A anarquia fiscal parecia superada desde o final dos anos 90. Ironia da história: acabou restaurada sob gerência de uma presidente com diploma de economista e dona de certeza granítica sobre a perfeição e a nobreza de seu governo.


José Casado, O Globo, 8/92015

sábado, 5 de setembro de 2015

Tapando o sol com a peneira

 

O vice-presidente Michel Temer tem razão. Será difícil o governo resistir três anos e meio com o insignificante apoio de 7% da população, índice com viés de baixa. 

Mas Dilma Rousseff insiste nos mesmos erros que estão na raiz de seu enorme desprestígio popular. Continua tentando obstinadamente tapar o sol com a peneira quando se trata da grave crise econômica do País. Só consegue com isso agravar seu déficit de credibilidade, que despencou a partir da constatação de que ela havia mentido na campanha eleitoral, quando acusou os adversários de estarem dispostos a adotar, para o combate à crise, as medidas impopulares que ela própria passou a defender, simbolizadas pela surpreendente nomeação de um ministro da Fazenda “liberal” disposto a fazer austeros cortes de despesas para botar em ordem as contas do governo. 

Para sair do sufoco Dilma tem tentado de tudo, menos ser sincera.

A encenação com a qual a presidente pretendeu acabar com as especulações a respeito da permanência de Joaquim Levy foi apenas mais uma tentativa desastrada de disfarçar o conflito que existe no seio do governo – principalmente no Palácio do Planalto – envolvendo a natureza da crise econômica e o plano de ação para combatê-la. Esse conflito se tornou mais agudo nas últimas semanas por causa da proposta de Orçamento da União para 2016 que precisava ser apresentada ao Congresso até o fim de agosto.

Contra a opinião de Levy, que queria apresentar um orçamento equilibrado que exigiria cortes profundos de despesas, Dilma optou, com o apoio dos ministros com os quais tem afinidades, por uma peça deficitária em mais de R$ 30 bilhões. A clara intenção por detrás dessa iniciativa inédita de confessar que o governo não tem como pagar suas contas era forçar o Congresso a dividir com o Executivo a tarefa – e a responsabilidade – de descascar o abacaxi. Não colou, é claro, porque as velhas raposas que comandam as duas Casas do Parlamento imediatamente acusaram o golpe e Dilma se viu constrangida a declarar que não iria fugir da sua obrigação de resolver o problema.

A essa altura, depois de ter sido reiteradamente voto vencido, inclusive na infeliz ideia de ressuscitar a famigerada CPMF – quando não foi nem consultado –, a boataria corria solta e Levy já se via arrumando as malas. Assustada com a previsão de que eventual renúncia do ministro da Fazenda poderia deixar os petistas muito felizes, mas agravaria a repercussão da crise dentro e fora do País, Dilma ouviu a recomendação de cautela que lhe fez o presidente do Bradesco, que até então era o homem que maior influência exercia na formulação e na conduta da política econômica, pois não apenas recusara o cargo de ministro da Fazenda, mas para ele indicara o atual ministro. Depois de nova conversa com o presidente do Bradesco – que de pessoa mais influente passou naquele momento à condição de homem mais poderoso do País na condução da política econômica –, Dilma colocou na mesma sala Levy, Nelson Barbosa e Aloizio Mercadante. Ordenou que só saíssem de lá para anunciar que o titular da Fazenda é que estava com a razão e que o governo continua empenhadíssimo em cumprir a meta de superávit primário de 0,7% do PIB que ele propõe. Quer dizer: essa coisa de orçamento deficitário estava sendo muito mal interpretada por todo mundo.

Para fechar com chave de ouro mais esse episódio do vai e volta do orçamento e da operação “salva Levy”, Dilma designou o ministro Aloizio Mercadante para falar à imprensa. Com a arrogância e a prepotência habituais, Mercadante atirou contra quem ousasse imaginar que Levy sairia do governo: “Evidente que fica!”. E explicou, sem corar: “Há total unidade da equipe em relação a que nós precisamos continuar o esforço de cortar gastos, especialmente as despesas obrigatórias”. E destilou vitríolo: “Num momento de instabilidade, há uma aliança entre os mal informados e os mal-intencionados, gente especulando e tentando ganhar dinheiro com a turbulência”.

Enquanto isso, alheio às preocupações da presidente da República, o presidente do PT, Rui Falcão, dedica-se a convocar a militância do partido e de todas as entidades e organizações sócias “progressistas” – quer dizer, as que apoiam o PT – para debater, na próxima sexta-feira, a proposta de uma “nova política econômica”.


Assim, não há o menor risco de o Brasil sair do buraco em que o lulopetismo o meteu.

Editorial, O Estado de São Paulo, 5/5/2015

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Levy saiu do prazo da garantia

Joaquim Levy naucateado pelos fatos.
A questão agora é saber se ele ou a sua relação com a doutora Dilma estourarão também o prazo de validade

O Joaquim Levy “mãos de tesoura” não existe mais. Havia algo de fantasia na figura do banqueiro sorridente e severo que daria um novo rumo ao desastre econômico produzido pela doutora Dilma. Ele parecia o tal porque todo ministro da Fazenda que entra é o imperador Napoleão chegando a Moscou. Quando as coisas dão errado, a menos que vá embora porque não aguenta mais, sai como o general Bonaparte, ferrado, voltando para Paris.

Levy saiu do prazo de garantia. Não é mais o que seria, mas, na verdade, nunca chegou a sê-lo. Resta saber qual o prazo que lhe resta para sair do prazo de validade. Guido Mantega, seu antecessor, nunca teve certificado de garantia ou de validade e tornou-se o primeiro caso de ministro apreendido, publicamente dispensado em setembro para deixar o cargo em janeiro.

Levy sempre foi um estranho no bunker dos comissários. O que ninguém esperava é que fritassem a gestão da economia com episódios vulgares. O senador Renan Calheiros, genericamente abençoado pelo Planalto, propôs cobrar o atendimento no SUS. Dois dias depois, desistiu. O ministro Nelson Barbosa soltou a ideia do retorno da CPMF. Durou dois dias, e o recuo se deu enquanto Levy defendia a medida numa palestra em Campos de Jordão. Nesse episódio encapsula-se algo maior. Faltou alguém que lhe mandasse ao menos um tweet: “Saltamos da CPMF”. Coisas desse tipo só acontecem quando outras coisas já aconteceram. Mandar ao Congresso um Orçamento prevendo um déficit de R$ 30,5 bilhões sem dizer mais nada é uma cenografia irresponsável. O que o governo chama de uma peça realista e transparente significa apenas que parou de mentir.

Se um presidente e seu ministro da Fazenda caminham na mesma direção, as coisas podem funcionar. Isso sucedeu com Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, ou com FH e Pedro Malan. Dilma e Guido Mantega mostraram que essa regra é falível, pois formaram uma inédita dupla de fracasso. Quando caminham em direções diferentes, não há a menor chance de dar certo.

Levy já se deu conta de que se meteu numa encrenca. Tendo perdido a garantia, fica diante do risco de uma característica dos ministros com validade vencida. Quando ela caduca, a iniciativa de ir embora sai das suas mãos. Transformado em lenço de papel, acaba voltando para casa e seu sucessor é homenageado pela Fiesp, com direito a um jantar no Alvorada com os empresários habituais. Entre esses dois momentos, todos os ministros vivem num dilema. Percebem que chegou a hora de ir embora, mas temem que isso piore a situação do país, o que nem sempre é verdade. A maioria fica, e pioram os dois.

Assim como Dilma nunca se associou à Operação Lava-Jato (“Não respeito delator”), ela nunca se associou a Levy. De certa maneira, nem ele a ela. Contudo, adotou o mantra rousseffiano da “crise transitória”. Isso não quer dizer nada, pois tudo é transitório, inclusive os dois e até mesmo a rainha Elizabeth II.


As pedaladas retóricas em que se meteram Dilma e Levy colocam o país diante de um retorno ao pesadelo que foi a Década Perdida. Não se sabe direito quando ela começou, mas terminou em 1993, quando o presidente Itamar Franco botou Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda e os dois andaram juntos.

Elio Gaspari, O Globo, 3/9/2015.
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