A
eleição ontem do presidente e do relator da Comissão do Impeachment no Senado
serviu para confirmar que a oposição tem maioria esmagadora – o senador Antonio
Anastasia, do PSDB, foi eleito por 15 a 5 – e que os governistas, à falta do
que fazer para evitar o afastamento da presidente Dilma dentro de 15 dias,
tentam retardar decisões com expedientes simplesmente ridículos.
O
senador petista Lindberg Farias está de volta aos tempos de líder estudantil,
com manobras regimentais das mais rasteiras, com o objetivo de provocar reações
da oposição. O sentido desse comportamento dos senadores da situação não é
outro senão ganhar tempo para que o julgamento da aceitação do processo do
impeachment demore o mais possível.
Não
que isso vá mudar o rumo dos acontecimentos, pois dificilmente essa maioria que
já existe será desfeita, mas qualquer dia a mais além dos 15 que lhe restam na
presidência da República permite à presidente Dilma a chance de continuar dando
vazão à sua obsessão, que é denunciar um suposto golpe de que estaria sendo
vítima.
Ela
e o PT estão montando uma narrativa que dará suporte, mais adiante, à campanha
que a presidente tentará organizar a partir de seu exílio no Palácio Alvorada,
onde permanecerá durante seu afastamento do cargo, cuja decisão final pode se
dar em até 180 dias após o impeachment ser admitido no Senado.
O
projeto petista, por enquanto, é manter viva a chama da revolta contra o
impeachment, mas até mesmo antes da decisão do Senado a presidente pode ser
questionada no próprio Supremo por suas atitudes. Já existem parlamentares
dispostos a pedir que ela seja proibida de acusar a Câmara dos Deputados de
golpista, depois que a decisão oficial foi tomada pela ampla maioria de seus
membros.
Continuando
nessa toada, ela estará infringindo a Constituição e cometendo novos crimes de
responsabilidade por tentar impedir a atuação dos poderes Legislativo e
Judiciário.
Teremos,
então, a tentativa petista de montar um governo paralelo a partir do Alvorada,
apoiado pelos movimentos sociais. A presidente Dilma pretende inclusive ter
acesso a aviões da FAB para deslocamentos pelo país, e é previsível que
tenhamos uma disputa judicial em torno dos direitos e deveres de uma presidente
afastada.
Provavelmente
o Supremo Tribunal Federal será chamado a decidir, por exemplo, se Dilma poderá
se manifestar publicamente sobre o governo do presidente em exercício Michel
Temer. E se poderá criticá-lo livremente, usando imóveis do governo e
utilizando-se de aviões oficiais para suas viagens políticas.
Outra
questão que certamente o STF terá que enfrentar será a regulamentação das
facilidades que serão colocadas à disposição da presidente afastada. Não há
legislação a esse respeito, e caberá ao Supremo definir os limites de atuação
da presidente nesse período de 180 dias, findos os quais ela poderia voltar ao
cargo se o julgamento não estiver terminado.
Dificilmente,
porém, o PT e seus cada vez menos associados partidários conseguirão retardar o
processo a ponto de não estar concluído em seis meses.
Se
o parâmetro for o processo de Collor, como tem sido nos ritos do Congresso,
assessores próximos do então presidente quando este foi impichado relembram que
lhe foi negado um imóvel oficial – pensou-se inicialmente na cessão da Granja
do Riacho Fundo – e o apoio de assessores.
Collor
permaneceu na Casa da Dinda, e despachava de um escritório improvisado na
garagem. O processo durou em torno de quatro meses. Um futuro governo de Michel
Temer terá pela frente, portanto, uma oposição minoritária no Congresso, e
movimentos sociais tentando conturbar o país.
Resta
saber se a disposição desses movimentos se manterá sem as verbas oficiais que
os alimentam, e mais ainda se o interesse político do PT será mesmo apoiar uma
presidente afastada e em julgamento. Certamente o PT e os movimentos sociais
que orbitam em torno dele terão que arcar com as consequências de suas ações,
pois o país está ladeira abaixo.
Caberá
ao novo governo manter o apoio da maioria do Congresso para não apenas aprovar
as medidas necessárias à retomada do crescimento econômico, como também
mostrar-se robusto politicamente para resistir às investidas da minoria
barulhenta que tentará, por todas as maneiras, colocar-lhe obstáculos.
Para
resistir a esses previsíveis passos, o governo terá também que conquistar uma
popularidade que hoje o vice Michel Temer não tem. E que as medidas a serem
adotadas não facilitarão.
Merval Pereira, O Globo, 27/4/2016