As engrenagens da corrupção |
A Polícia
Federal chegou a um ponto sem volta na investigação e na divulgação sobre o
ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e a expectativa na
corporação, assim como no Planalto e no PT, é de que o processo caminhe cada
vez mais rapidamente, com novidades explosivas ainda neste semestre.
As
operações Lava Jato, Zelotes e Acrônimo são como conjuntos da matemática, com
vários pontos de intersecção de nomes, práticas e desvios. O mesmo suspeito
aparece numa, depois na outra e enfim entra de fininho na terceira. Mas o fator
que gera maior tensão na área governista e maior expectativa na opinião pública
é quanto a Lula.
Quando se
fala em Lula, porém, não se fala só no seu envolvimento na Zelotes (venda de
medidas provisórias para favorecer o setor automotivo), no petrolão (no qual os
partidos e personagens eram centrais em seu governo), nem nas relações
perigosas com empreiteiras (viagens, negócios, agora o tríplex no Guarujá).
Fala-se,
também, do seu filho caçula, Luis Cláudio, da chefe da Casa Civil do seu
governo, Erenice Guerra, de mais um tesoureiro do PT, João Vaccari Neto... E
tudo se desenrola como um imenso novelo sombrio de ataque à Petrobrás e aos limites
entre o público e o privado.
Assim como
o Fiat Elba e a cascata na Casa da Dinda foram pequenas coisas com grandes
significados, o tríplex de Lula e Marisa Letícia no Guarujá é apenas uma parte
concreta dos escândalos, mas tem efeitos devastadores para Lula e o projeto de
eternização do PT no poder.
São muitas
as diferenças entre Collor e Lula, a começar da biografia pessoal, da carreira
política e dos partidos de ambos, mas a que interessa do ponto de vista prático
neste momento é que Collor era presidente e foi derrubado pelo impeachment, mas
Lula é ex-presidente, não pode ser cassado. Logo, o efeito sobre Collor foi
imediato e focado, mas sobre Lula é em seu legado, seu partido e sua sucessora.
O tríplex do Guarujá desaba sobre o futuro de Lula e do PT.
Não é nada
trivial ver um ex-presidente depondo horas e horas à PF, e com uma curiosidade.
Mesmo os mais experientes delegados ficam perplexos com a inteligência e a
capacidade retórica de Lula ao depor. Um policial brinca: “Até eu acabo ficando
na dúvida...”.
O mesmo
eles não dizem do depoimento do filho de Lula na Zelotes, que, mesmo amparado
por quatro advogados, não disse coisa com coisa e mais se comprometeu do que se
ajudou. Numa rodinha de policiais, um deles espantou-se: “Isso não é um
depoimento, é uma delação premiada!”.
Enquanto a
situação de Lula vai se tornando crítica, Dilma Rousseff dá passos firmes para
se descolar da desgraça do mentor. O mais forte deles foi ontem, com a reunião
dos peso-pesados das finanças, da indústria, do comércio, da chamada sociedade
civil no antes desprezado “Conselhão”.
O mais
importante foi a foto, que tem o forte significado político de mostrar que
Dilma está viva e tem capacidade de reação. A esperança de que a injeção de R$
83 bilhões salve o País, no entanto, não é lá essas coisas. Até porque algumas
das mais importantes medidas anunciadas dependem do... Congresso. Aí, o buraco
é mais embaixo.
Aliás, no
mesmo dia em que Dilma ressuscitou o Conselhão, com os principais setores do
País, a realidade mostrou que, com toda a crise, recessão de 3,5%, indústria
ladeira abaixo e 1,5 milhão de empregos formais ceifados, o Bradesco lucrou R$
17,2 bilhões em 2015, 13,9% a mais que em 2014. O segundo recorde da história.
Dilma
defende a igualdade, mas na economia nada muda: há uns mais iguais do que
outros. O que muda é que juízes, procuradores e a Polícia Federal começam, sim,
a dar sinais de que a justiça tem de ser igual para todos, até para
ex-presidentes da República. “Doa a quem doer”, como já disse o diretor-geral
da PF, Leandro Daiello, ao Estado.
Eliane Cantanhêde, O Estado de São Paulo, 29 Janeiro 2016