sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Lula e o mar de lama


Não se pode dizer que tenha causado surpresa o fato de a Operação Zelotes da Polícia Federal (PF) ter estendido suas investigações à empresa de um dos filhos de Luiz Inácio Lula da Silva e convocado a prestar depoimento o seu fiel acólito, Gilberto Carvalho. Muito menos surpreendente foi a reação do próprio Lula, relatada por testemunhas do desabafo, que extremamente irritado responsabilizou a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por mais esse ato de “perseguição política”. O paladino da igualdade social, como se vê, continua se achando mais igual do que todo mundo e, portanto, acima de qualquer suspeita de ter alguma coisa a ver com o mar de lama que inundou a política e a gestão da coisa pública como nunca antes na história deste país.
Para Lula, de acordo com a queixa relatada por amigos, a ação da PF “passou dos limites”, baseada apenas no “mentirão premiado”, expressão com a qual, doravante, todo petista que se preze passará a se referir ao instituto da delação premiada. E a culpa é toda da presidente da República, que dá ouvidos a seu ministro da Justiça, que por sua vez não tem pulso nem interesse em “controlar” a PF. Reclamação um tanto contraditória, uma vez que até algum tempo atrás, quando ainda se sentia fora do alcance do longo braço da lei, Lula tinha a cara de pau de gabar-se de que investigações como a do mensalão, que mandou a alta cúpula do PT para a cadeia, só eram possíveis porque seu governo garantia à PF e ao Ministério Público Federal (MPF) fartos recursos e absoluta autonomia para trabalhar.
A Operação Zelotes foi criada para desvendar esquema de propinas e tráfico de influência no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão encarregado de fiscalizar débitos de grandes contribuintes com a Receita Federal. O desdobramento das investigações resultou na prisão preventiva de seis suspeitos de integrar o esquema de “lobby, corrupção e tráfico de influência” revelado pelo Estadão em reportagens publicadas nas últimas semanas sobre a ação de lobistas que teriam logrado “comprar” a edição, pela Presidência da República, de Medidas Provisórias (MPs) que beneficiaram montadoras de veículos com isenção de tributos e de taxas. A ação policial de segunda-feira incluiu a busca e apreensão de documentos no escritório da LFT Marketing Esportivo, empresa de Luís Cláudio Lula da Silva, suspeito de ter recebido propina de R$ 1,5 milhão da consultoria Marcondes & Mautoni, cujo diretor Mauro Marcondes Machado integra a lista dos seis presos.
O extraordinariamente bem-sucedido desempenho dos filhos de Lula no mundo dos negócios – sempre de alguma forma beneficiados pela generosidade de poderosos empresários cuja, digamos, amizade o ex-presidente teve a sabedoria de cultivar depois que deixou o poder – começa a se revelar um ponto extremamente vulnerável na imagem do chefe da tigrada. Afinal, é impossível imaginar que não haja nenhuma relação entre o enorme poder político de Lula e a largueza com que homens de negócio que dependem de contratos com o governo colocam a mão no bolso para ajudar a prole Da Silva.
A verdade é que Lula é hoje um homem rico, o que atribui exclusivamente a sua conhecida condição de palestrante internacional muito bem remunerado. Ele repele com firmeza as suspeitas de que também se tem beneficiado do papel de lobista de grandes empreiteiras no país e, principalmente, no exterior. Argumenta que essa é uma atividade patriótica por meio da qual muitos ex-presidentes em todo o mundo colocam seu prestígio a serviço dos interesses nacionais. É verdade. Mas é preciso considerar – mera possibilidade teórica – que quando se cobra por isso fica quase impossível distinguir patriotismo de tráfico de influência. E também não faz mal lembrar o que Samuel Johnson dizia a respeito do patriotismo e de patriotas.
É perfeitamente natural, portanto, que a tendência inevitável das investigações dessa corrupção, que parece só não existir onde não é procurada, seja a de provocar surtos cada vez maiores de irritação do ex-presidente da República. Pois é perfeitamente compreensível que Lula sofra muito por descobrir que não pode confiar na pupila que escolheu a dedo para ser sua sucessora e guardiã temporária de seu infalível projeto de felicidade para o Brasil.
O Estado de São Paulo, 30/10/2015

sábado, 24 de outubro de 2015

Canoa Furada


“Como vai você/ assim como eu/ uma pessoa comum/ um filho de Deus/ nessa canoa furada/ remando contra a maré.” Esses versos de Rita Lee cantados por Marina Lima me vêm à cabeça neste momento da crise brasileira. Uma canoa furada remando contra a maré. Dois personagens centrais brigam pela imprensa. Dilma e Cunha estão numa gangorra. Se um deles parar de repente, o outro voa pelos ares.

Dilma pensa na queda de Cunha, ele pensa na queda dela. Nenhum dos dois parece capaz de realizar esse feito. Para derrubar Dilma é preciso um processo conduzido por alguém que não esteja envolvido no escândalo. Para derrubar Cunha é preciso um tipo de pressão que seus oponentes não fazem.

Na queda de Renan Calheiros, lembro-me bem de que ele não conseguia presidir sessões do Congresso porque os opositores não deixavam. Não sei se isso é possível na atual e sinistra correlação de forças na Câmara. No fundo, seria mais uma paralisia num quadro de desalento e grandes dificuldades econômicas. Esse impasse político faz da retomada do crescimento, ainda que em novas bases, uma outra canoa furada. Com todos os personagens centrais, Renan incluído, tentando se equilibrar, falta energia para pensar no país.

O projeto de Joaquim Levy passa pela CPMF. Mais uma furada. O imposto não será aprovado no Congresso, mesmo se usarem parte dele comprando deputados. Ninguém vende o próprio pescoço num momento em que os eleitores estão atentos. Levy sempre poderá buscar outros meios, como a Cide, de combustíveis, por exemplo. Mas, derrotado com a CPMF, teria força para esse novo movimento? Além disso, há as repercussões inflacionárias.

O ajuste possível e necessário para avançar não tem chance de ser feito. O clima político é de salve-se quem puder. Se fossem personagens de House of Cards, a série de TV americana, até que seria divertido ver o desenrolar de seu destino.

Não canso de lembrar: eles estão aqui, entre nós. Já vamos encolher este ano e em 2016. O número de desempregados cresce e isso é um tema ofuscado pela briga lá em cima da pirâmide.

Outro tema que passa batido são os impactos econômicos do El Niño. As chuvas provocam grandes estragos no Sul e a seca em muitas partes do Brasil é intensa. Pode faltar água nas metrópoles do Sudeste. Com a seca vêm as queimadas. Os incêndios em áreas de conservação em Minas cresceram 77%. São 421 focos. O governo do estado lançou um plano de emergência de R$ 8 milhões, mas os prejuízos são muito maiores e talvez o dinheiro seja curto. Se computamos os estragos das cheias, da seca e das queimadas, vamos nos dar conta de que estamos num ano de forte El Niño.

No Brasil é um El Niño abandonado. Não houve planejamento. Em Minas o procurador de meio ambiente, Mauro Fonseca Ellovitch, culpa a imprevisão do governo. Mas é um problema nacional. Quem vai cuidar do El Niño com tantas batalhas políticas pela frente?

O fogo comendo aqui embaixo e os malabaristas divertindo a plateia com seus saltos. O PT é o mais sofisticado deles. Resolveu se opor a Joaquim Levy.

Dilma arruinou o país e precisou de Levy para sanear as contas. De modo geral, isso ocorre em eleições, quando o perdedor deixa para trás uma terra arrasada. Mas o PT ganhou as eleições. Se tivesse perdido, ficaria mais confortável na oposição ao ajuste. Na ausência de um governo adversário, o PT coloca um adversário no governo. Sabendo que Levy propõe medidas duras e tende a fracassar, o PT estará com seu discurso em dia.

O movimento é mais sutil porque tenta atribuir todas as dificuldades do momento à política de Levy, mascarando o imenso rombo deixado pelo próprio governo. Duvido que Dilma e o PT não tenham combinado o clássico movimento morde e assopra. Tanto ela como o PT precisam de Levy: ela para acalmar os mercados e o partido para bater nele.

Outra figura polivalente para o PT é o próprio Eduardo Cunha. Derrubá-lo ou não derrubá-lo? É preciso um bom número de deputados do partido para assinar o pedido no Conselho de Ética. E um bom número para ficar calado, uma tática de não agressão. É preciso ser contra Cunha e trabalhar nos bastidores para mantê-lo. Enquanto encarnar a oposição no Parlamento, Cunha será apenas um roto falando do esfarrapado.

Em Estocolmo, Dilma alvejou Cunha, referindo-se ao escândalo: pena que seja com um brasileiro. É um pequeno malabarismo para reduzir o maior escândalo da História a um samba de um homem só. Ainda assim, os aliados acharam que foi um movimento de guerra. Talvez tenha sido inábil no quadro de um acordo de paz, em que ninguém derruba o outro.

Dilma foi à Suécia ganhar o Prêmio Nobel de inabilidade. Foi inspecionar os objetos mais caros que o Brasil comprará: os caças de US$ 4,5 bilhões. Nada contra a Aeronáutica nem contra os caças suecos. Vivemos na penúria perdendo empregos, lojas fechando, cortes de gastos. Recém-condenada pelo TCU por esconder um rombo no Orçamento, ela escolheu como gesto político reafirmar a compra dos caças. E nos deixou como consolo o corte de 10% no salário dos ministros.

Os tempos mudaram tão rapidamente que já não consigo entender a lógica das agendas presidenciais. Alguém deve ter dito: vamos dar uma resposta ao TCU posando diante dos caças suecos, isso levanta o ânimo da galera. Depois de pedalar, Dilma entra num caça. Recentemente, testou um carro sem piloto. Ela parece gostar de veículos, movimento. Amante da poesia mineira, corre o risco de parafrasear Drummond: no meio do caminho, havia um trator.

Para muitos, o processo ainda parece dar-se num universo distante e autônomo, como se fosse mesmo um programa de TV ao qual se pode assistir, mas não alterar o seu curso. Aos que não acreditam nisso, resta a esperança da ação, a certeza de que presidentes caem e sistemas políticos perversos como o brasileiro podem ser reformados.


Ainda que palhaços e malabaristas nos divirtam, será preciso botar fogo no circo.

Fernando Gabeira, O Estado de São Paulo, 23/10/2015.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

De novo a metamorfose ambulante




Enquanto pratica a arte de desdizer-se sempre que necessário para poder dizer o que acha que a plateia quer ouvir, Luiz Inácio Lula da Silva age com determinação nos bastidores para forçar a substituição de mais um ministro de quem não gosta: o titular da Justiça, José Eduardo Cardozo, que acusa de “não controlar” devidamente as ações da Polícia Federal (PF) no âmbito da Operação Lava Jato, agora perigosamente perto dele próprio e de sua família. O cheiro do perigo despertou a metamorfose ambulante.

Depois de passar semanas atacando o ajuste fiscal e a “política econômica” de Dilma e estimulando seu partido e as organizações filopetistas a exigir a demissão do ministro Joaquim Levy, Lula fez na quarta-feira, na Assembleia Legislativa do Piauí, onde foi homenageado, uma enfática defesa da austeridade fiscal: “Isso a gente faz na casa da gente. Gastou um pouco demais? Perdeu a conta? Tem que brecar. Ou a gente faz isso, ou quebra de vez”.

Já as investigações da Lava Jato em torno das relações de Lula e família com o pecuarista José Carlos Bumlai – aquele que tinha acesso livre ao Palácio do Planalto – mostram indícios de que o clã Lula da Silva foi beneficiado por esquemas mal explicados. De acordo com a delação premiada do lobista Fernando Baiano, os dois filhos de Lula, Fábio Luiz e Luiz Cláudio, ocupavam, até o início das operações da Lava Jato, salas anexas ao escritório que Bumlai mantinha em São Paulo. Além disso, de acordo com o mesmo delator, Bumlai teria usado recursos do propinoduto da Petrobrás para “dar uma ajuda” de R$ 2 milhões a “uma nora” do ex-presidente.

São informações como essas, classificadas pelos petistas como “vazamentos seletivos”, que provocam as queixas de Lula sobre a “falta de controle” do ministro da Justiça sobre a Polícia Federal. O que deixa claro que, para Lula e a tigrada do PT, o Ministério da Justiça tem obrigação de impedir que a Polícia Federal divulgue investigações que contrariem os interesses políticos dos donos do poder. Assustado com a possível revelação daquilo que não imaginava que pudesse vir a público, Lula quer valer-se do pretexto de José Eduardo Cardozo estar enfrentando problemas de saúde para ampliar o elenco de ministros de sua confiança nos postos-chave do governo.

De qualquer modo, no que diz respeito ao ex-presidente, o amplo e minucioso trabalho de investigação da Operação Lava Jato, realizado em conjunto pela PF e o Ministério Público Federal (MPF), sob a coordenação do juiz federal Sergio Moro, não tem feito mais do que acumular indícios daquilo que todo o Brasil sempre soube: Lula tem o rabo preso com malfeitos praticados durante seu governo, pois afronta o mais elementar bom senso imaginar que ele não tivesse nenhum conhecimento, por exemplo, sobre o amplo esquema do mensalão, que resultou na condenação de parte da cúpula do PT. Suas relações pessoais com grandes empresários, especialmente donos de empreiteiras, sugerem reflexões sobre a promiscuidade e seus efeitos sobre valores familiares e bancários.

Não é sem razão, portanto, que Lula tem dedicado o melhor de seus esforços à tentativa desesperada de livrar-se das encrencas à vista – o que é particularmente difícil por estar todo o projeto de poder do PT à beira do precipício. Um de seus discursos prediletos, que sempre manejou com grande competência, é o da vitimização de sua figura de defensor dos fracos e oprimidos, que por essa razão é objeto do “ódio das elites”, que “não se conformam” com as conquistas sociais que ele realizou “como nunca antes na história deste país”.


Na Assembleia Legislativa piauiense – enquanto manifestantes protestavam na porta exibindo réplicas do já famoso boneco Pixuleco –, Lula caprichava no papel de perseguido: “Este país está vivendo um momento inusitado. Um momento de ódio, onde (sic) as pessoas não precisam nem ser julgadas e as manchetes condenam antes das pessoas saberem se têm processos. Muita gente fica nervosa e irritada e temos que nos perguntar o que está acontecendo”. Como se ele não soubesse...

Opinião, O Estado de São Paulo, 23/10/2015

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Piada de brasileiro


Lisboa continua linda e continua sendo, onde se pode desfrutar da suprema liberdade de andar despreocupado pelas ruas a qualquer hora do dia ou da noite sem ser roubado, agredido ou morto, de comer bem e barato, de ser tratado com gentileza e respeito. Melancólicos por natureza, os portugueses estão mais animadinhos — pelo menos mais do que nós, os otimistas bravateiros: Portugal cresceu 0,9% em 2014, com inflação zero. E Dilma ainda culpa a crise internacional. Parece piada de brasileiro.

Na semana passada, a aliança de liberais e conservadores que sustenta o governo impôs uma derrota humilhante ao Partido Socialista, que, mesmo com seu ex-primeiro-ministro José Sócrates preso por corrupção, dava como certo voltar ao poder como alternativa às impopulares medidas de ajuste impostas pelo governo para enfrentar a crise. O povo não foi bobo e preferiu a austeridade eficiente ao populismo irresponsável que os levou à crise.

Um amigo português quer saber o que pode acontecer com Dilma e Eduardo Cunha. Tudo, inclusive nada, respondo enigmaticamente e pergunto: em que país Cunha poderia ser absolvido por um tribunal, um conselho de ética ou um plenário da Câmara, apesar de denunciado por cinco delatores e pela PGR com extratos bancários apresentados pela Procuradoria de Justiça da Suíça, como beneficiário de pelo menos cinco milhões de dólares de 23 contas em quatro países? Quem tem Cunha, tem medo.

Conto-lhe que Lula negocia com Eduardo Cunha a salvação de seu mandato e o de Dilma. Só imaginar os pedidos e ofertas de um e de outro, o cinismo, o ódio mútuo, o absoluto desprezo pela opinião pública, pela lei e pelas instituições, dá vontade de vomitar o vinho e o bacalhau.

Em frente ao Castelo de São Jorge, lamento não estarmos na Idade Média, com as tropas de Dilma e de Cunha se massacrando mutuamente numa batalha sangrenta, limpando o terreno para que novas forças políticas pudessem reconstruir o país destruído pela corrupção, incompetência e ambição de duas quadrilhas em disputa dos cofres do Estado.

O difícil é saber que novas forças são essas.


Nelson Motta, O Globo, 16/10/2015.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Fora isso… não resta nada!


Fulano era safado, imoral, mulherendo, corrupto e populista. Fora isso, tinha um discurso social bonitinho, que encantava as massas e os “intelectuais”. O “fora isso” serve, como lembra um colunista filho de um grande escritor em sua coluna de hoje, para dar destaque a algo positivo em meio a um monte de porcaria, ou para algo negativo em meio a características louváveis.

E como será avaliado o PT no futuro, com base no “fora isso”? A gangue do pixuleco quer, naturalmente, colar em Lula a pecha que já serviu a Maluf, do “rouba mas faz”. Ou seja, o PT seria corrupto sim, como os demais, mas “fora isso”, fez muito pelo social, colocou “médicos” cubanos no interior do país, reduziu a mortalidade infantil etc.

Mas qual seria a verdade? Para quem não sofre de cegueira ideológica nem está na lista dos pixulecos, a coisa é bem diferente. O PT roubou sim, e não como os outros, mas muito, muito mais, banalizando e institucionalizando a corrupção. “Fora isso”, destruiu a economia, deixou a inflação sair de controle, causou mais desemprego.

O PT tem vários membros presos e é o partido mais odiado do país. “Fora isso”, tem também os que ficaram milionários mais rápido, como o próprio Lula, além de seus filhos. O PT adota um discurso sensacionalista em defesa dos mais pobres. “Fora isso”, vive da dependência estatal que produz nos pobres, alimentando-se, portanto, da pobreza que ajuda a criar.

O partido de Dilma e Lula trouxe milhares de escravos cubanos para atuarem como médicos no país, exportando bilhões de dólares ao regime nefasto dos Castro. “Fora isso”, nossa saúde em nada melhorou e continua amplamente rejeitada pela população, sendo que os médicos brasileiros passaram a ser tratados como bodes expiatórios pelos problemas causados por má gestão do governo.

A “Pátria Educadora” era a grande bandeira do governo Dilma, já que educação seria a rota de salvação do país. “Fora isso”, o resultado é uma catástrofe, e o Brasil caiu nos rankings internacionais, mostrando que pioramos no setor, com um ritmo impressionante de produção de “analfabetos funcionais” nas escolas e universidades públicas.

Ou seja, o PT fala muito nos mais pobres, nas minorias, no social. “Fora isso”, só pensa em si próprio, em permanecer no poder custe o que custar, em desviar recursos públicos, em enriquecer seus apaniguados, ainda que prejudicando os mais pobres com isso. O partido “popular” é rejeitado pela população, mas em vez de a presidente renunciar, atenta contra o desejo da imensa maioria do povo brasileiro.

O PT é corrupto, incompetente, populista, oportunista, cínico, segregador, autoritário e hipócrita. “Fora isso”, tem um discurso sensacionalista que ainda seduz “intelectuais” sem escrúpulos e artistas engajados movidos a pixulecos. O PT é um lixo mesmo. “Fora isso”… não resta nada! Isso é vero, é verissimo!


Rodrigo Constantino, 15/10/2015

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Tudo sob o império da lei


Uma coisa é certa, absolutamente factual: 90% da população brasileira não confia na presidente Dilma Rousseff, subtraindo-lhe assim, se não a legitimidade, com certeza a credibilidade como governante. Está em questão o futuro do País, paralisado pelo impasse político, pela crise econômica e pela degringolada moral que o petrolão expôs. 

Há salvação? Certamente ela existe, mas para descobri-la é preciso um ato de grandeza que derrote a mediocridade reinante. É indispensável que, acima de interesses pessoais ou de grupos, as forças vivas da Nação se unam para recuperar o País, pois não é isso, infelizmente, o que a chamada classe política está fazendo. No momento estão todos concentradíssimos no vale-tudo para salvar a própria pele ou levar vantagem com a situação.

Senão, vejamos. Os governistas apelam a toda sorte de chicana no desespero de preservar suas posições. Os antigovernistas – a oposição formal e os oportunistas habituais, estes sempre em maioria – agem exatamente da mesma forma: recorrem a toda sorte de chicana para tomar o poder. Os primeiros tiveram 12 anos para mostrar a que vieram e, incapazes de impedir o retrocesso de suas próprias conquistas, não têm nada de novo a dizer. A oposição, além de criticar o governo – o que nas atuais circunstâncias não chega a exigir talento ou esforço –, tem a dizer o quê? Que está tudo errado já se sabe. Basta ouvir as ruas. Propostas novas e convincentes não há.

O pior, porém, é o oportunismo político personificado por Eduardo Cunha, uma figura insólita até para os padrões de lassidão moral com que o lulopetismo contaminou a política. Eduardo Cunha é moralista. Mas é, ao mesmo tempo, capaz de beneficiar-se de transações financeiras escusas e de negar pública e oficialmente as evidências que o comprometem. O parlamentar fluminense não tem o menor escrúpulo em usar o poder de que é investido na presidência da Câmara dos Deputados para retaliar e chantagear a Presidência da República, a quem responsabiliza pelo vazamento de informações que o comprometem com a Operação Lava Jato. Usará até o fim, para tentar se salvar, os recursos regimentais a seu alcance para manter a espada do impeachment pendendo sobre a cabeça de Dilma Rousseff.

A degradação política e moral do País felizmente não chega – como o lulopetismo quer fazer crer – ao absurdo de colocar Dilma e Cunha como o contraponto emblemático da crise. Entre a soberba, o autoritarismo e a incompetência da chefe do Executivo e a hipocrisia, o autoritarismo e a competente falta de escrúpulos de Eduardo Cunha, não há opção. Os brasileiros querem ver os dois pelas costas e o Brasil caminhando para um futuro de paz, justiça e prosperidade.

Dessa perspectiva, o impeachment de Dilma não pode ser um fim em si mesmo, mas apenas um primeiro passo para o consenso mínimo que reúna lideranças capazes de traçar um roteiro seguro para novos tempos. E esse meio não pode ser obtido ao arrepio da lei.

Enquadra-se, portanto, numa perspectiva saudável para o novo arranjo político que o País pede, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspende o rito de tramitação do impeachment no Congresso concebido por Eduardo Cunha com a cumplicidade de oposicionistas. A liminar deferida pelo ministro Teori Zavascki elimina a possibilidade de, rejeitado pelo presidente da Câmara, um pedido de discussão do impeachment ser encaminhado ao plenário para decisão por maioria simples, se for dirigido à Mesa recurso com esse objetivo. Esse truque regimental permitiria, por um lado, aliviar a responsabilidade do presidente da Casa e, por outro, facilitar a abertura da discussão do impeachment. O rito de processos de impeachment está bem definido desde 1950, quando foi aprovada a Lei de Responsabilidade. De lá para cá, foi aperfeiçoada, inclusive pelo uso, e não há por que não aplicá-la.


Certamente a decisão de Zavascki decepcionou as lideranças oposicionistas e os cidadãos em geral que torcem pela luz no fim do túnel representada pelo afastamento de Dilma Rousseff. Mas a consolidação da democracia não se faz por atalhos. Ela só é possível sob o império da lei.

Opinião - O Estado de São Paulo, 14/10/2015

domingo, 11 de outubro de 2015

Na bacia das almas

Na primeira reunião com seu novo Ministério, a presidente Dilma Rousseff não tratou de questões administrativas, pois ela já não governa mais. O único tema relevante do encontro foi a perspectiva, cada vez mais real, de que sofra um processo de impeachment. E Dilma implorou a seus ministros que trabalhem para manter o mandato presidencial, pois para isso foram nomeados - e não para administrar a coisa pública e cuidar do bem-estar da Nação.

Dilma é hoje uma alma penada, como aquelas que, segundo a tradição medieval cristã, esperam abreviar seu sofrimento por meio da caridade dos que despejam alguns trocados na bacia de doações da igreja. A petista recorre agora a essa “bacia das almas” porque perdeu todas as chances de se redimir de seus pecados políticos e administrativos e depende exclusivamente da boa vontade de terceiros como última cartada para salvar-se do inferno do ostracismo. E essa boa vontade, como se sabe, não é nada desinteressada.

Dilma montou um novo Ministério na expectativa de aplacar o apetite fisiológico da chamada “base aliada” e, assim, garantir apoio no Congresso para impedir a aprovação de mais gastos públicos e, principalmente, para barrar o impeachment. A persistente falta de quórum para votar os vetos de Dilma a projetos que criam despesas mostrou que os novos amigos da presidente não têm como entregar aquilo que lhe prometeram, pois está cada vez mais claro que, uma vez dada a mão, os “governistas” querem arrancar também o braço - e não se satisfarão com esse membro.

Enquanto isso, a “governabilidade” fica a depender de gente cada vez menos qualificada, num processo de degradação da administração que desautoriza qualquer manifestação de otimismo sobre o País num futuro previsível. Para Dilma, porém, isso não parece ser importante. A única coisa que interessa é segurar-se na cadeira presidencial, custe o que custar.

Para isso, a presidente e seus cada vez mais raros defensores passaram os últimos tempos a acusar a oposição de atropelar as instituições democráticas com o objetivo de dar um golpe. No entanto, com a derrota sofrida no Tribunal de Contas da União, que rejeitou as contas de seu governo, e no Tribunal Superior Eleitoral, que autorizou o prosseguimento de uma ação que pode lhe cassar o mandato, ficou claro que as instituições, repletas de ministros nomeados pelo próprio governo petista, funcionam muito bem - e então Dilma se viu obrigada a mudar seu discurso.

Agora, a presidente, caprichando no “dilmês”, diz que pode estar em curso no País um “golpe democrático”, a exemplo do que, segundo ela, aconteceu no Paraguai em 2012. Trata-se de uma referência ao impeachment do então presidente paraguaio, Fernando Lugo, como resultado de um processo que durou pouco mais de 24 horas - tudo feito segundo o que previa a lei local. Na visão de Dilma, a oposição brasileira, assim como fez a paraguaia, quer dar um “golpe” usando as ferramentas oferecidas pelas próprias instituições democráticas. Assim, seu impedimento não seria legítimo, mas fruto de manobras espúrias, com simples aparência de legalidade.

Com isso, Dilma quer desmoralizar qualquer forma de processo contra si e contra seu governo, mesmo que seja conduzido dentro do mais estrito respeito às normas democráticas e constitucionais. É, para dizer o mínimo, uma atitude autoritária.


Em vez de denunciar o tal “golpe à paraguaia” no Brasil, Dilma deveria se empenhar em salvar um pouco da dignidade que lhe resta, a começar pelo reconhecimento sincero de seus erros. Mas não. Dilma até desistiu de negar as “pedaladas fiscais”, pois já não é mais possível dizer que elas não existiram, mas instruiu seus ministros a dizer que aquele artifício contábil foi necessário porque era a única maneira de manter em dia os programas sociais em meio à crise econômica. Com isso, a petista admite que pecou, mas quer convencer o País de que foi por uma boa causa. Se é assim que Dilma pretende ser remida de suas faltas, haja indulgência.

Opinião, O Estado de São Paulo, 11/10/2015

domingo, 4 de outubro de 2015

A Era da Canalhice está próxima do fim


O Brasil nasceu por engano. Buscavam um atalho para as Índias os tripulantes das caravelas que em abril de 1500 perderam o rumo tão espetacularmente que acabariam despencando nos abismos do fim do mundo se não tivessem topado com o mágico mosaico de praias com areias finas e brancas banhadas por ondas verdes ou azuis, matas virgens e florestas do tamanho do mar, flores deslumbrantes e frutas sumarentas, lagos plácidos e rios selvagens, peixes de água doce ou salgada, bichos mansos de carne tenra e, melhor que tudo, aquela demasia de índia pelada.

O Brasil balançou no berço da safadeza. Nem imaginaram que assim seria aqueles primitivos viventes cor de cobre, sem roupas no corpo nem pelos nas partes pudendas, os homens prontos para trocar preciosidades por quinquilharias, as mulheres prontas para abrir o sorriso e as pernas para qualquer forasteiro, pois os nativos praticavam sem remorso o que só era pecado do outro lado do grande mar, e não poderiam ser tementes a um Deus que desconheciam nem a castigos prescritos pela religião que aqui nunca existira.

O Brasil nasceu carnavalesco. Nem um Joãosinho Trinta em transe num terreiro de candomblé pensaria em juntar na Sapucaí ─ como fez num porto seguro frei Henrique Soares, celebrante da primeira missa, pelo menos é o que está no quadro famoso ─ um padre de batina erguendo o cálice sagrado, navegantes fantasiados de soldados medievais, marinheiros com roupa de domingo, nativos com a genitália desnuda que séculos depois seria banida por bicheiros respeitadores dos bons costumes e a cruz dos cristãos no convívio amistoso com arcos, flechas e bordunas.

O Brasil balançou no berço da maluquice. Marujos convalescentes da travessia do Atlântico, atarantados com a visão do paraíso, decidiram que aquilo era uma ilha e deveria chamar-se Ilha de Vera Cruz, e assim a chamaram até alguém desconfiar, incontáveis milhas além, que era muito litoral para uma ilha só, e então lhes pareceu sensato rebatizar o colosso ausente de todos os mapas com o nome de Terra de Santa Cruz, porque disso ninguém duvidava: era terra aquilo que pisavam.

O Brasil nasceu sob o signo da preguiça. Passou a infância e a adolescência na praia, e esperou 200 anos até criar ânimo e coragem para escalar a muralha verde que separava a orla do planalto, e esperou mais um século antes de aventurar-se pelos sertões ocultos pela floresta indevassada, e o esforço seria de tal forma extenuante que ficou estabelecido que, dali por diante, tanto os aqui nascidos quanto os vindos de fora, e todos os descendentes de uns e de outros, sempre deixariam para amanhã o que deveriam ter feito ontem.

Tinha que dar no que deu. Coerentemente incoerente, o Brasil parido por engano hostilizou os civilizadores holandeses para manter-se sob o jugo do império português, o Brasil amalucado teve como primeira e única rainha uma doida de hospício, o Brasil safado acolheu o filho da rainha que roubou a matriz na vinda e a colônia na volta, o Brasil preguiçoso foi o último a abolir a escravidão, o Brasil sem pressa foi o último a virar República, o Brasil carnavalesco transformou a própria História num tremendo samba do crioulo doido.

O cortejo dos presidentes, ministros, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores aberto em 1889 informa que a troca de regime não mudou a essência da coisa: o Brasil republicano é o Brasil monárquico de terno e gravata, mais voraz e mais cafajeste. Extraordinariamente mais cafajeste, informa a paisagem do começo do século 21. Passados 500 e poucos anos, os piores tetranetos dos piores filhotes dos degredados promoveram o grande acerto dos  amorais, instalaram-se no coração do poder e tornaram intragável a geleia geral brasileira.

Nascido e criado por devotos da insensatez, o Brasil que teve um imperador que parecia adulto aos 5 anos de idade foi governado por um marmanjo analfabeto que sempre se portou como moleque e agora é presidido por uma avó menos ajuizada que neto de fralda. Com um menino sem pai nem mãe no trono, os habitantes do império da loucura não sentiram tanto medo. Com dois sessentões no comando, os brasileiros aprenderam o que é sentir-se sem pai nem mãe.

O início do terceiro mandato de Lula parece uma continuação dessa biografia em miniatura do Brasil publicada no começo do primeiro mandato de Dilma. Parece mas não é, gritam as mudanças na paisagem ocorridas desde o julgamento do Mensalão. A crise econômica pulverizou de vez a farsa da potência emergente inventada pelo deus dos embusteiros. Ainda há juízes no Brasil, vem reiterando há meses o irrepreensível desempenho de Sérgio Moro. A Polícia Federal e os procuradores federais já provaram que a seita no poder é um viveiro de corruptos, vigaristas e incompetentes.

A Operação Lava Jato vai clareando a face escura do país. O PT está morrendo de sem-vergonhice. Figurões do partido trocaram o palanque pela cadeia. Logo faltará cela para tanto bandido. A supergerente de araque já foi reduzida a ex-presidente. O fabricante de postes agoniza nas pesquisas eleitorais. Nas ruas, nos restaurantes ou no botequim da esquina, os indignados amplamente majoritários exigem o fim destes tempos de tal forma infames que uma Mãe dos Ricos pôde delinquir impunemente com o disfarce de Pai dos Pobres.

A nudez escancarada do reizinho quase setentão confirmou que o filho de uma migrante nordestina é um multimilionário pai de multimilionários. Multidões de crédulos vocacionais descobriram a tapeação: o maior dos governantes desde Tomé de Souza era a fantasia que camuflava o guloso camelô de empreiteira. Lula não demorará a entender que desemprego cura abulia, que os truques empoeirados já não funcionam, e que o que deveria ter sido uma aula de esperteza foi um tiro no pé.


Ao instalar-se de novo em Brasília, ficou mais perto de Curitiba. O início do terceiro mandato vai antecipar a extrema-unção da Era da Canalhice.

Augusto Nunes

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O golpe de Lula

Fazer o quê? É ele quem manda, mesmo.
Luiz Inácio Lula da Silva nem esperou a eleição de 2018 e já está de volta ao poder, enquanto Dilma Rousseff faz o caminho inverso, rumo à condição anterior de subalterna do líder e padrinho. O ministério a ser finalmente anunciado hoje é do Lula, não da Dilma, que vai entregando anéis, dedos, mãos e está cada vez mais com a cabeça a prêmio. Ou sofre impeachment pela oposição ou é interditada por Lula e pelo PMDB.
Dilma anuncia hoje uma reforma ministerial que Lula sugere incansavelmente há meses, mas ela faz com tanto atraso, e num momento tão desfavorável, que o que era para reverter a favor pode se virar contra ela. Amargou durante tanto tempo o ônus das escolhas equivocadas e não consegue agora capitalizar o bônus de estar mudando tudo. O que poderia ter o impacto de um recomeço, é tratado como capitulação. A leitura é óbvia: Dilma não tinha saída e jogou a toalha.
O dilmista Aloizio Mercadante sai da estratégica Casa Civil e ganha a Educação como prêmio de consolação, quando a tal “pátria educadora” não sobrevive nem mais como slogan marqueteiro. E o lulista Jaques Wagner sai da Defesa para a Casa Civil, como o mandachuva da articulação política. Precisa dizer mais?
O efeito das mudanças, porém, ainda é nebuloso. O PMDB sai com sete pastas dessa reforma, que sacrifica técnicos como Arthur Chioro, da Saúde, e Janine Ribeiro, da Educação, para calar – ou seria comprar? – a bancada peemedebista da Câmara. Mas a primeira reação do Congresso, antes mesmo do anúncio oficial dos nomes, veio de duas formas: a aprovação da desaposentadoria, contra todos os apelos do Planalto, e um manifesto de 22 deputados do PMDB condenando a participação no governo.
Ou seja: Dilma engoliu o orgulho, o amor próprio, as ordens de Lula, a ganância do PMDB e o afastamento de Mercadante, e pode ser para nada. Além de não recuperar o controle da base aliada, ela pode perder ainda mais pontos na opinião pública e nas bases históricas do PT. “Pior do que já está (nas pesquisas)”?, descarta Jorge Viana, do PT. Mas sempre pode piorar, sim, senador.
O mais cruel da história é que Lula reassume o poder, os petistas e aliados históricos acham que agora vai, mas... Lula já não está mais acima do bem e do mal, como sempre esteve, nem mais tão por cima da carne seca assim, como estava ao descer a rampa do Planalto.
Documentos obtidos pelos repórteres Andreza Matais e Fábio Fabrini geram a suspeita de que houve compra de uma MP em 2009 para favorecer montadoras. Pior: no mesmo ano, um filho de Lula, Luís Cláudio, abriu uma empresa de marketing esportivo que recebeu a bagatela de R$ 2,4 milhões justamente de uma das empresas de “consultoria” que teria comprado a MP.
Cria-se uma situação esdrúxula: com Dilma, a economia não se recupera, a indústria vai ladeira abaixo e o dólar dispara, enquanto a política desanda e o Brasil parece na bica de ser rebaixado por uma segunda agência de risco. Mas, com Lula, vêm os escândalos de seus oito anos de governo, cada hora numa estatal, num órgão, numa repartição.
E o impeachment? O processo tem de ser aberto pela Câmara, mas o presidente Eduardo Cunha anda muito ocupado com revelações de três delatores da Lava Jato e, agora, com quatro contas na Suíça, num total de US$ 5 milhões (mais de R$ 20 milhões). Que moral ele tem para comandar um processo contra Dilma?
Conclusão: o impasse continua. Lula e o PMDB apropriam-se descaradamente do governo Dilma, que, segundo o Ibope, empacou no perigosíssimo patamar de 10% de aprovação, com 69% de desaprovação. Mas Lula e PMDB têm muito o que explicar para 100% da população. Com o sujo falando do mal-lavado, nada sai do lugar.
Suspense: se Dilma não pode cortar nem Pesca, nem Portos, nem Aviação Civil..., como e onde ela vai de fato enxugar a farra dos ministérios, ao menos para inglês ver?
Eliane Cantanhêde, O Estado de São Paulo, 2/10/2010.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Dilma entrega os pontos


A negociação da reforma ministerial motivada pela necessidade da presidente Dilma Rousseff de garantir uma base de sustentação mínima para aprovar o reajuste fiscal e, principalmente, impedir seu impeachment já passou da fase de escancarado toma lá dá cá, da barganha pura e simples de cargos por apoio. 

Agora, como decorrência do crescente enfraquecimento político da presidente, provocado por sua própria incompetência política, o que deveria ser uma negociação se transformou em patética rendição de Dilma Rousseff à chantagem que lhe é imposta sem o menor escrúpulo pelo voraz apetite fisiológico do PMDB e – esta é a novidade – à vontade de quem comanda efetivamente o partido do governo: Luiz Inácio Lula da Silva.

Enquanto teve forças, Dilma tentou manter pessoas de sua confiança nos postos-chave do primeiro escalão, principalmente na equipe que a cerca no Planalto. Acabou cedendo, por um lado, à cobiça dos peemedebistas por órgãos com orçamentos robustos e, por outro lado, à evidência de que não poderia contar minimamente com o apoio de seu próprio partido enquanto não se curvasse às exigências do chefão da tigrada.

Derrotada, Dilma tomou duas decisões que simbolizam, na prática, a transferência, em comodato, da Presidência da República: entregou o Ministério da Saúde, o maior orçamento da Esplanada, ao baixo clero do PMDB na Câmara e a Casa Civil a um homem de confiança de Lula, o ex-governador da Bahia e atual ministro da Defesa, Jaques Wagner.

A entrega do Ministério da Saúde nas condições em que está ocorrendo demonstra o enorme despudor das hienas do PMDB que se lançaram com avidez sobre os despojos de um governo moribundo. Isso é consequência, também, da mentalidade política que predominou em certos círculos próximos do poder e que foi cevada pelas práticas viciosas do projeto de poder urdido pelo lulopetismo. Enquanto pôde, o PT tripudiou sobre seus aliados no tal “presidencialismo de coalizão”. Agora, em crise, recebe o troco.

Lula, por sua vez, depois de ter amargado e sofrido, nem sempre em silêncio, com a teimosia e a crescente ousadia de sua criatura de ganhar vida própria, está se reconciliando com o alto conceito que tem de si e, com isso, alimenta esperanças crescentes de que possa tirar ele próprio e o PT da beira do abismo em que se encontram.
  
Ocorre que as manobras em curso para a reconfiguração da cena política, destinadas a proporcionar maior sobrevida a um governo desmoralizado, são contraditórias entre si mesmas.

Dilma já sabe que, para não ser definitivamente engolfada pela crise – pois aprendeu depois de apanhar muito –, precisa, primeiro, colocar as contas do governo em ordem, para depois, a partir de bases minimamente sólidas, partir para o enorme desafio da retomada do crescimento e da ampliação dos programas sociais.

A austeridade necessariamente implícita nas medidas do ajuste fiscal, no entanto, conflitam claramente com os interesses das forças partidárias ditas aliadas – inclusive, é claro, o PMDB –, que por cálculo eleitoral tenderão a não apoiar propostas impopulares. O próprio PT jamais disfarçou sua oposição ao ajuste fiscal e à “política econômica” que alega estar em vigor. Agora, com Dilma cedendo pontos a Lula, o partido estará muito mais à vontade para “defender os interesses dos trabalhadores”.

Isso quer dizer que Dilma, entregando os anéis para salvar os dedos, não tem a menor garantia de que doravante contará com apoio no Parlamento. Como afirmou recentemente Fernando Henrique Cardoso, ela “não governará, será governada”.

Ao PMDB, a ampliação de seus domínios na Esplanada dos Ministérios pode significar apenas um ensaio para o pós-Dilma. Para Lula e o PT, a ampliação da influência do PMDB no governo pode propiciar, no limite, um bom pretexto para sair da defensiva e partir para o ataque, o que é sempre a melhor tática, em termos eleitorais. Em qualquer caso, Dilma permanece num beco sem saída.

Editorial, O Estado de São Paulo, 1/10/2015
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