segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Um Brasil que nunca existiu até agora


J. R. Guzzo

O Brasil pode estar ganhando muito mais do que perdeu com a descida da Petrobras aos nove círculos do inferno para onde foi arrastada durante os três últimos governos da República. Nunca se roubou tanto da brava gente brasileira, embora se tenha roubado sempre – e provavelmente se continuará roubando enquanto o país, na prática, for propriedade do “Estado” e obedecer à sua regra número 1, pela qual é obrigatório, para quem quer produzir alguma coisa, pedir licença a quem não produz nada.

Mas há sinais concretos de que o espetacular surto de corrupção dos últimos anos, quando nossos atuais governantes decidiram transformar o uso privado do patrimônio público em programa, método e sistema de administração, está oferecendo uma oportunidade inédita ao Brasil do futuro – a de deixá-lo mais resistente do que jamais foi às epidemias de criminalidade oficial causadas pelos que mandam no governo, dentro e em volta dele, e que agora chegaram ao seu grau de intensidade máxima.

Essa recompensa será a passagem do país a uma situação até agora praticamente desconhecida na história brasileira: a de funcionamento pleno de um estado de direito no território nacional. O trabalho para isso está sendo feito numa modesta jurisdição local, a de Curitiba, pelo juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara da Justiça Federal, pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. Ninguém está dizendo aqui que o Brasil perdeu pouco, porque a verdade é que perdeu muito.

Provavelmente nunca se saberá ao certo – a conta começa num número mínimo de 6 bilhões de reais, estimativa oficial da própria Petrobras para o prejuízo sofrido com esse redemoinho de corrupção que a empurrou para o precipício, e vai até cifras não mapeadas pela aritmética comum
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Mas, por maior que seja a perda, sempre será apenas dinheiro – e a sabedoria popular diz que tudo o que pode ser pago com dinheiro é barato. Caras, mesmo, são aquelas coisas que o dinheiro não consegue comprar. Uma das mais preciosas é a segurança trazida pelos regimes em que o cidadão vive, no dia a dia da vida real, sob o comando da lei. Não é possível haver civilização se não há estabilidade, e não é possível haver estabilidade sem um sistema judicial que funcione com clareza, para todos e durante o tempo inteiro. Onde a aplicação da lei é incerta, não há lei. Onde não há lei, não pode haver liberdades públicas ou indivi­duais, nem igualdade entre as pessoas, nem proteção verdadeira aos direitos de ninguém; não pode haver democracia.

O esforço do juiz Moro no processo do petrolão, junto com os procuradores federais e os agentes da PF, está colocando a sociedade brasileira sob o império da lei ─ the rule of law, como se diz no direito público dos Estados Unidos e da Inglaterra. Isso não tem preço. A força que realmente sustenta os procedimentos da Justiça Federal na Operação Lava-Jato é a obediência permanente à letra da lei por parte dos responsáveis pelo processo. Não adianta nada buscar a justiça se não há nessa busca o respeito às leis em vigor no país. Elas são as únicas que existem, e é com elas que o Poder Judiciário tem de trabalhar; combater a impunidade não autoriza ninguém a passar por cima do direito de defesa, da obrigação de provar claramente cada acusação feita e de qualquer regra escrita nos códigos da Justiça penal.

Agir dentro da lei – é o que o Judiciário federal está fazendo, e é por isso, justamente, que sua conduta está sendo tão decisiva para o avanço do estado de direito no Brasil de hoje. Os fatos, aí, são perfeitamente claros. Todas as decisões do juiz Moro, sem nenhuma exceção, estão sujeitas ao julgamento de tribunais que ficam acima dele; os advogados dos acusados têm o direito de recorrer a essas autoridades superiores contra qualquer dos seus despachos, e vêm fazendo isso desde que o processo começou. Em praticamente todos esses recursos as decisões de Moro foram confirmadas.

Seu trabalho está sendo vigiado o tempo todo pelos 27 desembargadores das oito turmas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, mais os 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, e, no fim da linha, os onze ministros do Supremo Tribunal Federal. Além disso, ele despacha sob o olhar direto dos onze procuradores federais e dez delegados da PF, pelo menos, que dão expediente na Operação Lava-Jato ─ ao todo, contando com ele próprio, um exército de 93 pessoas. O que mais estaria faltando?

O processo do petrolão, na verdade, é o exato contrário do que têm afirmado desde o começo muitos dos advogados que lideram a defesa – mais, naturalmente, o governo e todo o seu sistema de apoio. Sua ideia-mãe, com variações aqui e ali, é que Moro, o Ministério Público e a Polícia Federal estão criando um “regime de exceção” no Brasil, um “estado policial” que nega o direito de defesa, persegue cidadãos sem culpa formada, age com crueldade e prepara um golpe para a “volta da ditadura”. Estariam mancomunados para tirar a liberdade de empreiteiros de obras, diretores da Petrobras, doleiros, o tesoureiro nacional do PT e quem mais estiver sendo investigado por corrupção na Justiça Federal do Paraná. Como assim? Ninguém explica, pois não dá para explicar como seria possível montar uma conspiração secreta com a participação de quase 100 pessoas sem que ninguém falasse nada.

É incompreensível, também, alegar arbitrariedade, violência contra os acusados ou descaso com a produção de provas quando nada menos que 28 cidadãos, todos altamente postados na vida, concordaram até agora, com a plena assistência de seus advogados, em confessar suas culpas, devolver dinheiro ganho ilegalmente e denunciar cumplicidades nos delitos que praticaram. Réus já receberam sentenças das quais não vão apelar. Mais: a “delação premiada”, que levou os envolvidos a colaborar com a Justiça para aliviar suas penas, só existe porque foi criada por lei. Não é uma lei da “ditadura” ou do ex-presidente Fernando Henrique – é a Lei 12850, sancionada em 2013 por ninguém menos que a própria presidente Dilma Rousseff, que ainda na campanha eleitoral do ano passado a apresentava como uma das suas grandes realizações e hoje se diz indignada com ela.

Uma discreta informação surgida no noticiário recente talvez seja a comprovação mais luminosa, pois também é a mais simples, da mudança real que o avanço do estado de direito está produzindo no Brasil. O empresário Emílio Odebrecht, segundo a notícia, queixou-se aos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique, em conversas particulares, por não estar conseguindo fazer nada pela libertação de seu filho Marcelo, acusado de corrupção na Petrobras e preso há dois meses em Curitiba. Lula e FHC disseram-lhe palavras de consolo – e isso foi tudo que puderam fazer. Não é preciso pensar mais do que dois minutos para ver que a ação da Justiça está fazendo aparecer um país que jamais existiu antes por aqui.

A Odebrecht é o quarto maior grupo empresarial do Brasil; faturou perto de 34 bilhões de dólares em 2014, emprega cerca de 170.000 pessoas diretamente e influi nos negócios de centenas de outras empresas. Desde quando um dos empresários mais potentes do Brasil, íntimo do primeiríssimo escalão do poder, fala com dois ex-presidentes da República e não consegue tirar o próprio filho da cadeia? Não é assim que este país vem funcionando há 500 anos. Temos leis que não acabam mais – mas para que servem se não são aplicadas sempre, por igual e para todo mundo? A Rússia comunista também tinha belíssimas leis – previam até a liberdade de imprensa, o voto livre e a independência de poderes. E daí? Lei não é justiça.

Só poderá haver esperança de uma sociedade justa se estiver em funcionamento genuíno um sistema judiciário independente, previsível e capaz de aplicar a lei sempre da mesma maneira – e em que os donos do poder não possam demitir os juízes que os incomodam. É o que está acontecendo no petrolão. Marcelo Odebrecht não está preso porque é rico e preside uma empresa gigante. Está preso porque a Justiça, com apoio em fatos, investiga quanto ele está devendo ao Código Penal.

O tiroteio disparado contra Sérgio Moro é uma das mais agressivas campanhas em favor da negação da Justiça que o Brasil já conheceu. É também a comprovação de quanto a ideia de viver sob o império da lei é inaceitável para as forças que mandam na vida pública brasileira. Trata-se do condomínio formado por coronéis da política, que operam nas grandes capitais e andam de jatinho, mas continuam dentro do seu carro de boi mental de sempre, por empresas que vivem de fazer negócios com o governo e por toda a extensa população de parasitas cujo bem-estar material depende, de um jeito ou de outro, da máquina pública. São representados hoje, melhor do que nunca, pelo governo do PT, seu aliado, sócio, protetor e protegido – e para manterem o fazendão que chamam de “Estado” estão convencidos de que tudo serve.

Vale, por exemplo, dizer que o combate à corrupção na Petrobras está fazendo o Brasil perder “1% do PIB”, como descobriu a presidente Dilma. A Lava-Jato não pode “paralisar” a economia brasileira, dizem lideranças do PT e do governo – por essa maneira de ver as coisas, a economia só crescerá se a ladroagem estiver liberada. A delação de um dos acusados, algum tempo atrás, foi vista como uma manobra internacional para “prejudicar a viagem da presidente aos Estados Unidos”. O ex-presidente Lula compara o combate judicial à corrupção com a perseguição aos judeus na Alemanha nazista.

Vale tudo, também, na tentativa permanente de denunciar o juiz, procuradores e policiais que investigam o petrolão como delinquentes dispostos a violar a lei para satisfazer a “opinião pública”. Personalidades tidas como juristas de elevado saber mostram-se tão convencidas de suas próprias certezas que não pensam mais direito no que estão falando. Uma delas, recentemente, sustentou que o juiz Moro é “um cidadão do sul com volúpia para prender pessoas” – e que as confissões dos acusados estão sendo feitas “sob tortura”.

No seu entender, o sujeito que “está acostumado com um bom padrão de vida e é posto numa sala que não tem nem privada”, como ocorre com os empreiteiros e barões da Petrobras presos em Curitiba, “está sendo torturado”. Para aperfeiçoar seu argumento, disse que um preso é um preso, e outro preso é outro preso. “Se você viveu numa favela”, comparou, dá para aguentar uma cela miserável; com um doutor já não é a mesma coisa. Que mais seria preciso para comprovar a angústia do Brasil velho com a mudança ora em execução pela Justiça Federal?

O autor desses pensamentos, enfim, parece ter falado por todos os que combatem os processos do petrolão ao afirmar que “nem no tempo da ditadura” houve tanto desrespeito à lei numa investigação criminal. É mesmo? Se os que dizem isso tivessem um dia levado um bom inquérito policial-militar no lombo, notariam bem depressa as diferenças entre uma época e outra; saberiam, também, que uma cela no DOI­-Codi não tem absolutamente nada a ver com o xadrez da PF de Curitiba.

É um bom sinal para o Brasil que, após um ano inteiro de esforço, tenha dado resultado zero a tentativa de demonstrar que não há corrupção no governo, ou só um pouquinho, e que tudo não passa de uma armação contra os interesses populares. A campanha fracassou porque sempre foi uma missão impossível – pretendeu convencer a maioria da população a acreditar que os reis não estão nus, e essa não é uma opção disponível. O trabalho do juiz Sérgio Moro está mais vivo hoje do que estava quando começou. O estado de direito agradece.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

O Exército, legado e sagrado compromisso



Servir à Pátria é o sagrado compromisso dos integrantes do Exército Brasileiro. A adequada compreensão e a incondicional dedicação a essa nobre missão é o legado maior que nos deixou Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, cuja sua vida é uma história de renúncia, coragem e patriotismo

Chefe militar invicto e cidadão inatacável, tornou-se Patrono do Exército Brasileiro não apenas pela grandeza de suas conquistas na luta pela independência, na manutenção da integridade nacional ou nas campanhas do Prata, mas também pela visão de estadista com que cuidou da reconciliação dos brasileiros nas lutas fratricidas que pacificou, e pelo respeito e dignidade que dedicou àqueles que derrotou nos conflitos externos.

A trajetória deste grande general ensina aos soldados de todos os tempos que a grande e generosa nação que almejamos todos exige a permanente vigilância pela sua integridade e impõe a capacitação de suas Forças Armadas para garantir seus interesses e assegurar sua soberania.

À integridade territorial construída por Caxias seguiu-se a obra ainda por terminar da integração de todas as regiões do País à vida socioeconômica brasileira.

Nessa epopeia, ninguém superou Cândido Mariano da Silva Rondon, o marechal Rondon, militar e sertanista que no início do século passado desbravou os mais inóspitos sertões para unir o Brasil pelas linhas telegráficas, mapeou territórios selvagens e demarcou nossas fronteiras. Seu espírito humanista garantiu que as comunidades indígenas até então desconhecidas tivessem respeitadas suas culturas e sua integridade. Mato-grossense descendente de índios bororós e terenas, cunhou a frase imortal que foi sua divisa no trato com os silvícolas: “Morrer se preciso for, matar nunca”.

A continuidade desse esforço nos nossos dias pode ser vista no entusiasmante trabalho de nossos soldados que, longe de tudo e contra todas as dificuldades, representam o Estado brasileiro nos mais remotos pontos das nossas fronteiras, levando, juntamente com a nossa Bandeira, a mão amiga para socorrer aquelas longínquas populações.

Esse ideal de integração territorial, que outrora motivou portugueses a construírem mais de 60 fortes para rechaçarem as investidas de espanhóis, holandeses, ingleses e franceses, permanece vivo nos projetos estratégicos que hoje impulsionam o Exército para o futuro.

Com esse propósito a Força Terrestre conduz o arrojado Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), para ampliar o controle da nossa extensa faixa de fronteira, aliando recursos de alta tecnologia desenvolvidos por empresas nacionais à concepção que integra as ações das Forças Armadas com todos os órgãos responsáveis pela segurança pública e de fiscalização, nas três esferas do poder.

O Sisfron, apoiado numa extensa e sofisticada rede de sensores, interligados a sistemas de comando e controle, por sua vez conectados às unidades operacionais com capacidade de resposta em tempo real, permitirá um salto de qualidade e eficiência na melhoria da vigilância daqueles limites internacionais para o combate aos delitos transfronteiriços, a par de importantes benefícios sociais, como controle ambiental, informações climáticas, alerta e atuação em desastres naturais, educação, saúde e vigilância sanitária, entre outros.

A tradição vitoriosa herdada de Caxias prossegue inviolada até os nossos dias, honrada pelos pracinhas que há 70 anos cruzaram o Atlântico na gloriosa campanha da Força Expedicionária Brasileira em campos italianos, pelos milhares de soldados que desde 1948 cooperam para a paz mundial nas missões das Nações Unidas ou da Organização dos Estados Americanos e por aqueles que devolvem a cidadania usurpada aos moradores de comunidades antes dominadas por organizações criminosas.
Esse cidadão fardado, o seu Soldado, que representa a força da nossa Força, sustentado por valores culturais, morais e éticos cultuados pelo povo a que serve e protege, pavimenta o sólido percurso que permite à instituição gozar de elevados níveis de confiabilidade perante a sociedade.

Dessa forma, o Exército faz-se presente no cotidiano da nossa gente, com responsabilidade e competência, atuando em resposta às demandas conjunturais que lhe exigem a presença, como na condução da Operação Pipa, na pacificação dos complexos do Alemão e da Maré, no socorro à população diante das calamidades, no combate à dengue e nos eventos de singular importância e de visibilidade internacional, como a visita do papa na Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo e, no próximo ano, a Olimpíada.

O Exército de Caxias, fiel ao que preceitua o artigo 142 da Constituição federal, é o instrumento capacitado, juntamente com a Marinha de Tamandaré e a Força Aérea de Eduardo Gomes, a garantir a normalidade do ambiente propício ao desenvolvimento, no qual a verdadeira democracia, despojada de adjetivos ou condicionantes, e a visão generosa dos homens e das mulheres de bem em torno da prevalência dos interesses nacionais criem o ambiente de oportunidades que induzirá a prosperidade que tanto perseguimos.

A ação do Exército foi, é e sempre será orientada para a defesa de nossa soberania e da sociedade a que servimos, pela manutenção da integridade territorial e garantia da estabilidade social, na senda da legitimidade que o respeito à legalidade conquista.

Em breve retorno aos feitos de Caxias, constatamos que o Exército Brasileiro mantém a sua missão constitucional como farol, fiel ao sagrado compromisso com a Pátria, sempre ao lado da sociedade e em perfeita harmonia com os valores que caracterizam desde sempre a instituição
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Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, General de Exército, é Comandante do Exército Brasileiro

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

É ruim, mas é dos nossos


Atribui-se ao presidente americano Franklin Roosevelt (embora não haja nenhuma prova de que a frase seja dele) a seguinte opinião sobre o ditador nicaraguense Anastasio Somoza: “É um canalha, mas é canalha nosso”.

Não se assuste o caro leitor com as estranhas alianças políticas de Brasília. 

Dilma despreza Renan, Renan não gosta de Dilma, mas neste momento um é útil ao outro. O mesmo vale para Eduardo Cunha: os tucanos não confiam dele, ele não crê nos tucanos, mas ambos estão firmemente unidos pelo objetivo comum de enfraquecer o governo (ou afastá-lo). 

Michel Temer comanda o PMDB por seus defeitos, como a posição indefinida em quase todos os assuntos, e não por suas virtudes – afinal, de que interessa ao partido de Jader Barbalho ter em seus quadros um excelente constitucionalista, professor de reconhecidos méritos? 

A propósito, Jader é conhecidíssimo em todo o PMDB, mas só deixou de ser o homem-forte do partido depois que foi apanhado naquele caso do ranário, lembra? Não adianta mostrar aos políticos que seu aliado não presta: eles sabem disso.

Os comunistas tinham uma denominação específica para o adversário que, naquele momento, poderia ajudá-los: era o “companheiro de viagem”. Terminada a viagem, alcançado o destino, era cada um por si, e pobres dos vencidos.

Política é a luta pelo poder, e aí vale tudo. Há quem diga que, na luta pelo poder, há políticos que chegam até a falar a verdade. Digamos, pois, a verdade: Roosevelt jamais chamou Somoza de canalha.


Referiu-se, sim, à senhora mãe dele.

Carlos Brickmann, 23/08/2015

domingo, 23 de agosto de 2015

Salve-se quem puder


No desgoverno de Dilma Rousseff, nada para em pé. Se hoje já se fala abertamente no período pós-Dilma, como se ela já não estivesse mais na cadeira presidencial, é porque ela deixou de existir como ser político, transformando-se apenas num nome que vaga nos corredores do Planalto. Ademais, como está evidente, é todo o esquema lulopetista de poder que faz água, pois nem mesmo o mago Lula, o criador de Dilma e de outras tantas imposturas, é capaz de dar um rumo, coerência e substância à sua desastrosa utopia.

Tome-se como exemplo a manifestação do último dia 20, que, pela convocação feita pelo PT, deveria servir para defender o governo Dilma contra os “golpistas”. O que se viu nas ruas - além de uma afluência muito menor do que a verificada nos protestos contra a presidente - foi uma evidente insatisfação dos supostos simpatizantes da petista com os rumos de seu mandato. A militância profissional, com seus carregadores de cartazes e bandeiras arregimentados à base de lanche de mortadela e tubaína, tratou de criticar principalmente a condução da política econômica. Para essa turma, Dilma deveria manter e até ampliar a gastança desenfreada que, em nome de uma certa “justiça social”, em vez de promover o crescimento sustentado, desorganizou as contas nacionais, aumentou o desemprego, acelerou a inflação e dizimou a confiança do setor produtivo.

Assim, os movimentos sindicais e sociais que foram às ruas na quinta-feira não queriam, de fato, demonstrar apoio a Dilma. Sua única intenção era fazer a defesa da estatocracia prometida pelo lulopetismo - além, é claro, das sinecuras e prebendas a que julgam fazer jus, tão habituados estão ao farto financiamento estatal.

Se esses são os “a favor”, não há nem necessidade dos “do contra”. O esquema lulopetista está esfrangalhado justamente porque os que deveriam apoiar a presidente são aqueles que trabalham com afinco pela debilitação do governo. No Congresso, aquilo a que outrora se dava o nome de “base aliada” se converteu no grande pesadelo de Dilma - a começar pelo PT, partido habituado a boicotar as medidas da presidente formalmente a ele filiada. Assim, não surpreende que o PMDB, principal sócio do PT no condomínio do poder, já esteja preparando seu desembarque de um governo que nem mesmo os petistas, lá com seus botões, ousam defender.

Assim é que chegamos ao arremedo de ajuste fiscal aprovado nesse Congresso onde prevalece o salve-se quem puder. Depois de uma penosa tramitação de oito meses, o pacote do ministro Joaquim Levy foi desfigurado por parte das próprias forças governistas, que não estão nem um pouco interessadas no saneamento da economia. Desse modo, a única medida do governo Dilma que poderia conferir um pouco de racionalidade ao segundo mandato, tentando consertar as bobagens cometidas no primeiro, foi sabotada e transformou-se praticamente em epitáfio de uma administração que nunca se pautou pelo bom senso.

Isso ficou ainda mais claro quando, a despeito da necessidade urgente de mudança de rumos, Dilma mandou ressuscitar o que deveria estar enterrado a sete palmos: a desastrosa política econômica “anticíclica” do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Ao conceder novamente crédito a setores selecionados da economia, Dilma sinaliza que nem mesmo ela acredita no ajuste que precisa fazer.

Essa falta de sintonia com a realidade se revela tanto nas grandes questões como nos assuntos aparentemente menores. A escassez de dinheiro fez a Fazenda mandar segurar a primeira parcela do 13.º salário dos aposentados do INSS, que desde 2006, graças ao populismo do então presidente Lula, vinha sendo paga de forma antecipada em agosto. Enquanto isso, soube-se que Dilma e seus ministros já estavam usufruindo da primeira parcela de seu 13.º salário, depositada em julho. Diante dos protestos da plebe ignara, a presidente voltou atrás e mandou pagar já o benefício aos aposentados, desautorizando mais uma vez sua equipe econômica.


Diante de exemplos como esses, não é preciso procurar muito para encontrar os verdadeiros sabotadores do governo - uns estão de camisa vermelha nas ruas, outros estão na bancada governista no Congresso, mas o principal mesmo é a própria Dilma.

Editorial - O Estado de São Paulo - 23/08/2015

sábado, 22 de agosto de 2015

LEVY, TENHA VERGONHA

Levy
Assisti há pouco um vídeo sobre um acontecimento em supermercado na cidade de Londrina, Paraná. Intitulei o fato como “prenúncio do desespero”. Uma cliente revoltada com os preços das prateleiras começou a colocar tudo abaixo aos gritos de protesto contra o governo. Ela é resultado da política econômica que foi implantada desde 2003, sustentar o desenvolvimento do Brasil a base de concessão de créditos ao consumidor. Formou-se uma gigantesca massa populacional dependente de empréstimos para prover seu consumo. Por outro lado, esta mesma massa não teve apoio eficaz e de forte presença no campo da formação profissional como estrutura para manter e, até mesmo, aumentar sua participação financeira no bolo consumista promovido pelo governo. Esta política de profissionalização não aconteceu porque não era a visão do governo. A visão era voltada, com oferta desenfreada de créditos e financiamentos, para a cooptação de eleitor na manutenção do Poder.
Somos um País pobre e só vamos resolver nossos problemas quando tomarmos consciência disso. O Brasil não tem um campo de desenvolvimento tecnológico consistente e muito menos expandido. São ilhas de produção de alta tecnologia. Para alcançar tal patamar de País desenvolvido, temos que criar condições de aplicação de ensino, em todos os níveis, de alta qualidade. O setor educacional brasileiro é uma lástima, não tem nem projetos factíveis para desenvolver o aprendizado interligado com as necessidades de mercado. Ainda estamos preocupados com o aprendizado da escrita e operações matemáticas mínimas para crianças no quinto ano do ensino fundamental. Temos apenas 11% da nossa população com diploma universitário e destes apenas 3.9% com formação superior completa. A Educação tem que sair da esfera de ação política do governo, tem que ter independência e autonomia, nos moldes do Ministério Público.
Milhões de jovens estão fora das salas de aulas, pois não conseguem encontrar motivos para estudar. Há um desencontro abismal entre a vida cotidiana do jovem e o que se propõe as Instituições de ensino, a educação. Não bastassem os cortes para a saúde, educação e outros setores sociais, o jovem fica a observar o financiamento, pelo governo, com dinheiro dos impostos recolhidos pela população, de grupos marginais como MST, MTST, CUT, UNE e outros sugadores das tetas públicas. Pior, alguns desses movimentos sequer tem registro legal. É crime de responsabilidade a liberação de dinheiro para esses grupos. Para a marcha das Margaridas, o rega-bofe promovido por Lulla que está buscando “muros” para se proteger, custou ao Erário a bagatela de cerca de 1 milhão de reais doados pelo BNDES, Caixa Econômica e Banco do Brasil, entre outros. Especula-se que foi muito além desse valor.
É visível, e só não enxerga isso apenas os apaniguados do Poder, que o governo petista da Dilma Rousseff está totalmente a deriva, não tem rumo. A falta de prumo e rumo do governo tem como exemplo a proposta com o nome pomposo de “Agenda Brasil”, tirada da cartola pelo Senador Renan Calheiros, algo cômico se não fosse sério. Mais de 2/3 da proposta já estava há muito apresentada e em tramitação no Senado Federal. Algumas, verdadeiras maquiagens de efeito ilusionista. E nessa dança dos perdidos no espaço e no tempo, fica o tonto do Ministro Joaquim Levy. A mensagem que passa o ministro da fazenda ou da roça, dado o estágio atual, é que o status do cargo o faz resistir, aceitar tudo e toda desmoralização ao seu projeto econômico de recuperação da economia brasileira.
Não resistiu a seis meses todo o planejamento para reerguer a esgarçada economia do Brasil. Está de volta o plano ilusionista que distribui dinheiro ao povo via créditos e o amparo às multinacionais com a justificativa de serem as maiores empregadoras. Só esquecem que o mercado brasileiro foi quem deu, nos últimos anos, a maior rentabilidade a essas companhias montadoras e que saiu daqui o dinheiro que estabilizou as contas das multinacionais na Europa e Estados Unidos. Inflação, desemprego em alta há anos, apenas maquiado pelo IBGE, falta de recurso com queda de arrecadação, corrupção desenfreada pelos agentes do governo, a estrutura hierárquica de comando do País contaminada com malfeitos e compadrio, Lulla chafurdado na pilantragem e levando com ele a Dillma, Congresso Nacional esfacelado pela subserviência aos comandos e ao governo e o povo sem link político para fazer a faxina, o nosso futuro é uma centena de milhares de clientes como a do supermercado em Londrina. Ministro da Roça, ops, da Fazenda, Joaquim Levy, que está fazendo aí? Saia fora, tenha vergonha. 
Raphael Curvo

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Um mito que se esvai


A evidência do processo de desconstrução de um mito foi uma marca importante deixada pelos protestos de rua do dia 16: Lula nunca mais! O repúdio a Dilma e ao PT eram as outras palavras de ordem dominantes no evento, óbvias por mirarem as personagens que se destacam na cena política: a protagonista e seu coro. Mas, por detrás de Dilma e do PT, emergiu fortemente na percepção dos cidadãos a figura do arquiteto da grande mistificação populista que encantou a maioria dos brasileiros enquanto pôde se manter sobre seus pés de barro.

O sucesso popular de Luiz Inácio Lula da Silva foi o resultado da conjugação de virtudes pessoais, como a excepcional habilidade para aliar meios a fins – a essência da política –, com circunstâncias históricas, como a globalização da economia e das comunicações que fizeram amadurecer, na virada do século, momento propício a um forte influxo humanista na economia de mercado que vinha de impor sua hegemonia no planeta.

No auge de seu prestígio popular, quando comemorava, em 2010, com a eleição de Dilma, sua terceira vitória consecutiva em eleições presidenciais, Lula claramente se sentia detentor de um poder quase absoluto. Acabara de dar um passo decisivo para o projeto de perpetuar a hegemonia política de seu PT.

Esqueceu-se da célebre advertência de Lord Acton: o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. E não permitiu que restassem dúvidas quanto a quem era o verdadeiro dono desse poder quando, ainda antes da metade do primeiro mandato de Dilma, a convenceu a praticamente renegar a “faxina ética” que realizara em seu Ministério ainda em 2011.

É bem verdade que com o tempo, e principalmente a partir da posse no segundo mandato, Dilma afastou-se gradativamente da influência política direta de Lula. Mas faltou-lhe competência política para salvar a si, ao PT e ao Brasil do desastre político, econômico, social e moral cujas raízes estavam solidamente plantadas desde os primeiros meses do primeiro governo de seu criador e frustrado preceptor.

A avassaladora evolução das investigações da Operação Lava Jato começa a revelar os primeiros indícios de que Lula pode estar envolvido em episódios que já levaram à prisão donos das grandes empreiteiras de obras com os quais desenvolveu estreito relacionamento pessoal, tanto como presidente da República quanto, depois, como consultor, conferencista e lobista internacional.

Mas não é a Lava Jato – ou apenas ela – que aproxima Lula de Lord Acton. Por apego ao poder, o chefão do PT corrompeu, principalmente, um projeto político em que, durante muito tempo, uma maioria de brasileiros de boa-fé, completamente iludida, acreditou firmemente: a redução das desigualdades com o pleno acesso da população marginalizada da vida econômica aos bens sociais essenciais, como educação, saúde, saneamento, transporte, segurança.

O fastígio econômico dos seis primeiros anos de governo de Lula, apoiado nos princípios sólidos de estabilidade econômica herdados de governos anteriores e numa conjuntura internacional extremamente favorável, permitiu avanços sociais importantes no desfrute de uma política social focada no crédito fácil e na gastança voltada para bens de consumo. A ambição de transformar esses avanços em vantagens eleitorais a curto prazo e não em efetivas conquistas no prazo longo, aliada à miopia de viés ideológico, levou à implantação de uma “nova matriz econômica” intervencionista, estatista. Enfim, a corrupção de uma política que se anunciava voltada para os benefícios sociais resultou nas mazelas que hoje todo o País sofre.

Lula, portanto, corrompeu com sua ambição de poder um projeto político que fez as pessoas acreditarem ser socialmente desejável e exequível. E acabou por inviabilizá-lo – aí com a forte ajuda de Dilma – ao vinculá-lo à “ideologia do bem” segundo a qual não existe verdade fora do Estado. Razões suficientes para que o País queira vê-lo pelas costas.

Editorial - O Estado de São Paulo, 18/8/2015

Ruas "destucanizam" PSDB


O PSDB não resistiu à pressão de três grandes manifestações nacionais em cinco meses e, finalmente, “destucaniza”, ou seja, desce do muro. Em busca de alguma unidade, passou a admitir explicitamente que o governo Dilma Rousseff não tem jeito. Ou a presidente cai por bem (renúncia) ou cai por mal (impeachment).

Quem deu a voz de comando foi o ex-presidente Fernando Henrique, que deixou de lado sua conhecida prudência, rendeu-se à fragilidade do governo e à voz rouca das ruas e abriu a semana política defendendo a renúncia de Dilma. Não pode ser acusado de golpe, já que apenas inverte posições com o também ex-presidente Lula. Hoje, é FHC quem pede a renúncia de Dilma. Em 1999, era Lula quem pedia a do próprio FHC. Ou ambos são golpistas ou nenhum dos dois é.

Fernando Henrique usou sua página na internet, justamente no dia seguinte às manifestações, para dizer que a renúncia da presidente seria um “gesto de grandeza”, pois o mandato dela “é legal, mas ilegítimo”, carente de respaldo popular. Depois, foi almoçar com os presidenciáveis tucanos Aécio Neves e Geraldo Alckmin. Nenhum dos três precisa dizer uma só palavra desse almoço para que os minimamente informados deduzam o que se passou ali. Dá até para visualizar FHC, com aquele seu jeito professoral, cobrando unidade e enquadrando o afoito Aécio e o dissimulado Alckmin. Mais ou menos assim: ou a gente se une ou vai quebrar a cara.

A reação foi em cadeia. O senador Aloysio Nunes Ferreira defendeu abertamente o impeachment da tribuna do Senado. Aécio Neves explicou que o PSDB busca uma “convergência”, vale dizer, uma convergência interna e também com as manifestações e pesquisas. E Alckmin tardou, mas falhou: ontem, com 24 horas de atraso, classificou a crise de “gravíssima” e avisou: “Se surgir a hipótese de impeachment, o partido vai estudá-la”. Para seu estilo, foi um nítido avanço.

E não faltou alguém nesse almoço do trio FHC-Aécio-Alckmin? Sim, faltou o também presidenciável José Serra e igualmente dá para apostar qual o motivo da ausência: ele já tinha feito a cabeça de Fernando Henrique, que fechou contra a convocação de eleições e a favor das opções renúncia ou solução Michel Temer. A aposta é com base num dado da realidade: bastou o almoço para Aécio e os líderes tucanos Carlos Sampaio e Cássio Cunha Lima recuarem da tese de novas eleições.

Isso seria possível se o TSE rejeitasse as contas da chapa Dilma-Temer, mas haveria vários efeitos colaterais. Com o quórum muito pequeno do TSE, o coro de golpe seria ensurdecedor. E quem presidiria o País por três ou quatro meses seria... o deputado Eduardo Cunha! Se depender dos tucanos e dos próprios aecistas, não se fala mais nisso, só em renúncia ou impeachment.

Pelo sim, pelo não, Serra admitiu segunda à noite, no Roda Viva, da TV Cultura, que “vai ser muito difícil” Dilma concluir o mandato. Ele escondeu o jogo sobre que desfecho prefere, se via TSE ou via TCU, mas deu pistas de que não se negará a compor com o PMDB caso a solução seja pelo TCU e o sucessor seja o vice Michel Temer. Curioso, aliás, que Serra tenha se esquivado de criticar até o neogovernista Renan Calheiros...

Tem-se, portanto, que o mundo governista, empresarial e financeiro se move para um lado – o de manter Dilma a qualquer custo para evitar um eventual mal maior – e a oposição se move em sentido contrário, com PSDB, DEM, PPS e Solidariedade entrando em sintonia e a favor das pesquisas e das ruas que pedem o afastamento de Dilma.


O que muda no estado de coisas e na situação de Dilma com essa nova postura do PSDB? Difícil saber, até porque ninguém sabe mais nada. Mas a unificação do discurso tucano a favor da renúncia e admitindo o impeachment não é nada bom para Dilma e pode ser muito bom para o futuro do próprio PSDB. Além de atiçar a cobiça do PMDB de Temer.

Eliane Cantanhêde, O Estado de São Paulo, 19/8/2015

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Velório em câmera lenta


José Dirceu fecha enfim o seu ciclo na paisagem pública brasileira. Acaba onde começou: numa prisão. Em outubro de 1968, aos 22 anos de idade, entrou em cena ao ser preso num congresso clandestino de estudantes no interior de São Paulo. Na semana passada, apanhado nessa prodigiosa chacina que a corrupção criou dentro e em torno da Petrobras, estava de volta à cadeia, desta vez num xadrez da Polícia Federal de Curitiba, para o ato final de sua jornada. Há uma gelada melancolia nisso tudo. Entre um momento e outro, Dirceu investiu 47 anos na luta sem descanso pelo poder. Chegou lá, depois de esforços maiores do que prometia a força humana, em 2003, quando o Partido dos Trabalhadores emergiu como a principal força política do Brasil ─ mas ao chegar conseguiu ficar apenas dois curtíssimos anos, lançado ao mar pelos companheiros nas primeiras trovoadas do que viria a ser o mensalão.
Quando começou a subida, José Dirceu era visto como um herói pela esquerda brasileira; sequestraram um embaixador dos Estados Unidos, nada menos que isso, para resgatá-lo da prisão do governo militar onde estava em setembro de 1969 e permitir assim sua ida para o exílio em Cuba. Agora, ao ser preso na Operação Lava-Jato, querem mais é que ele fique lá mesmo na cadeia. Ao entrar no prédio da Polícia Federal em Curitiba, tudo a que teve direito foi uma vaia de algumas dezenas de manifestantes. Não apareceu um único amigo, militante ou movimento social para lhe dar apoio; no dia de sua prisão o “exército do MST”, que ainda outro dia o ex-presidente Lula ameaçava botar na rua para defender “o projeto do PT”, estava empenhado em gritar “fora Levy” numa baderna no Ministério da Fazenda, em Brasília. É o que temos.
É uma dessas ciladas da vida o fato de que os problemas mais sérios de Dirceu com o sistema carcerário brasileiro não aconteceram durante o período sem lei em que a justiça era feita dentro dos quartéis; são de hoje, em pleno vigor das liberdades, do direito de defesa e do reinado do PT. Dirceu ficou preso pouco menos de onze meses no governo militar que tanto combateu. Agora, no governo em que tanto mandou, já está cumprindo pena há mais de vinte, desde 15 de novembro de 2013; ficou preso até 4 de novembro de 2014 em Brasília, na Penitenciária da Papuda e em regime semiaberto, depois em sua casa, e no momento está de volta à prisão fechada.
Há comparações ainda mais tristes. No passado Dirceu esteve preso por ser “um combatente da resistência contra a ditadura”. Hoje está na cadeia por conta da “Operação Pixuleco”, cortesia do companheiro João Vaccari Neto ─ é a isso que foi reduzido. Até pouco antes de ir para a Papuda, recebia em seu escritório o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli e era um dos colaboradores favoritos entre os magnatas da empreitagem de obras públicas. Quando ele foi despachado para a PF de Curitiba, os peixes gordos tinham sumido por completo do seu pesqueiro. “Libertar Dirceu” de sua primeira prisão foi um ponto de honra para toda uma geração da esquerda nacional.
Na semana passada não era nada: não deu para levantar o braço esquerdo chamando os companheiros “à luta”, como fizera menos de dois anos atrás, porque não havia em volta nenhum companheiro disposto a lutar por ele nem a gritar “guerreiro do povo brasileiro”. Mais que tudo, talvez, Dirceu viu os chefes petistas, que o bajularam durante anos, renunciarem às regras mais elementares da decência comum neste seu momento de infortúnio. Lula ficou absolutamente mudo. O Palácio do Planalto não disse sequer uma palavra ─ numa reunião feita ali no dia da prisão, segundo o ministro da Defesa, o assunto “não foi tratado”. Com Dirceu já preso, o PT conseguiu escrever duas declarações oficiais inteirinhas sem citar uma única vez o seu nome.
O fim da linha para José Dirceu chega num momento de terremoto político em formação acelerada. Dilma Rousseff já não governa ─ deixou o poder por abandono de cargo, já há bom tempo, por capitular diante da corrupção descontrolada que destruiu seu governo e por sua inépcia terminal para a função de governar qualquer coisa. Lula não é mais que uma sombra assustada, que há muito se preocupa apenas com a própria sobrevivência. O PT, enfim, solta notas com atividade cerebral próxima ao zero, nas quais transforma em bomba terrorista um buscapé de São João jogado contra o Instituto Lula, fala em “avanço da direita” e não consegue mostrar nenhuma ideia coerente em sua defesa. Junto com a despedida de Dirceu, é o velório em câmera lenta de um partido e de um governo que optaram pelo suicídio.

Lula começa a ser ‘descanonizado’ pelo asfalto


Durante dois anos, o Bolsa Família propiciou a Lula seus momentos de são Francisco de Assis. Mesmo depois do mensalão, quando o PT deixou o socialismo para cair na vida, Lula manteve o prestígio escorado numa hipotética castidade presumida. Neste domingo, o asfalto começou a descanonizar o personagem. Um gigantesco boneco de Lula, vestido de presidiário, ornamentou os protestos de Brasília. Virou meme na internet. Evidência de que o teflon que protegia a imagem de Lula não é impermeável ao óleo queimado do petrolão.

Num instante em que a sua voz soa nos grampos da Lava Jato e sua prosperidade lateja na conta bancária, Lula encontra-se na constrangedora posição de um ex-presidente supostamente honrado que legou à sucessora uma esbórnia e continuou enrolado na bandeira da moralidade. Um pedaço das ruas informa que já não se dispõe a engolir a imagem que Lula faz de si mesmo.

Na página 147 do livro ‘Lula, o filho do Brasil’, da pesquisadora Denise Paraná, Lula pintou assim o seu auto-retrato: “…Se eu não tivesse algumas [qualidades pessoais] não teria chegado aonde cheguei. Eu não sou bobo. Acho que cheguei aonde cheguei pela fidelidade aos propósitos que não são meus, são de centenas, milhares de pessoas.''

No momento, um fantasma assombra as noites de Lula na cobertura de São Bernardo. Trata-se da assombração do próprio Lula, quando fazia pose de puro e imaculado. A alma penada ronda-lhe os sonhos, brandindo faixas com bordões inconvenientes. Coisas como ‘Abaixo a corrupção’. Ou ‘Fora Collor’. Ou ainda ‘Abaixo os 300 picaretas do Congresso’.


Um outro fantasma atormenta Lula: Sérgio Moro. Cultuado nas manifestações deste domingo,o juiz da Lava Jato está para o petrolão assim como Joaquim Barbosa estava para o mensalão. Com duas diferenças: as delações proliferam e Lula, sem mandato, agora está ao alcance da primeira instância do Judiciário.

Josias de Souza, 16/08/2015

sábado, 15 de agosto de 2015

A corrida pela delação


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Léo Pinheiro, da OAS, Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, e Jorge Zelada, ex-dirigente da área internacional da estatal (da esq. para dir) apostam nas delações para reduzir suas penas

Condenados pela Lava Jato no esquema do Petrolão aceleram as negociações com o MP e a PF de olho na redução das penas. Quem estiver no fim da fila, pode ter pouco a acrescentar às apurações e, com isso, ficar sem homologar o acordo.

Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)

A partir das primeiras sentenças de condenação em processos originários da Operação Lava Jato ficou claro que a delação premiada virou um bom negócio para os réus que não querem envelhecer na cadeia. Investigados que, até agora, se mantiveram firmes e silentes poderão amargar mais de 15 anos de prisão. Para executivos da Engevix, por exemplo, a força tarefa da Lava Jato chegou a sugerir a pena máxima de 30 anos. O tratamento tem sido bem diferente para os que se dispõem a colaborar. O doleiro Alberto Yousseff, um dos primeiros a abrir o verbo e revelar detalhes de como e com quem operava na Petrobras, recebeu uma pena bem menos pesada do que uma de suas comparsas e subordinada na hierarquia do esquema, Nelma Kodama. Enquanto ela foi condenada a 18 anos de cadeia, ele pegou oito.

FOI DADA A LARGADA 

Com o recado entendido pelos principais escritórios de advocacia do País, nos últimos dias a corrida pelas delações ganhou um novo ritmo. Executivos de empreiteiras e ex-dirigentes da Petrobras se apressam para homologar o acordo com a força-tarefa da Lava Jato, antes que os segredos que eles estão dispostos a revelar se tornem irrelevantes para os investigadores – e, assim, a delação fique inviabilizada. Procuradores à frente do caso têm se mostrado mais rigorosos em relação às informações prestadas pelos candidatos a delatores. Como muito da engenharia do esquema já foi contada até agora, quem não fornece novos detalhes saborosos e relevantes para a apuração não consegue sacramentar o acerto.

Na semana passada, por muito pouco o ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, não teve sua delação homologada. Duas reuniões foram feitas com a presença do subprocurador Marcelo Miller e dos advogados Marlus Arns, Roberto Neto e Eduardo Marassi. Duque, ligado ao ex-ministro José Dirceu, hoje preso, é apontado como elo do esquema de pagamento de propinas para o PT. A expectativa é que o depoimento de Duque tenha o mesmo impacto das declarações de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Mas, até semana passada, Duque entregou menos do que a força-tarefa da Lava Jato esperava. Por isso, os termos da delação ainda estão sendo negociados.

ESQUEMA SE APROXIMA DA EX-MINISTRA DA CASA CIVIL E SENADORA PETISTA, GLEISI HOFFMANN

Para os procuradores da Lava Jato, a estratégia de endurecer com os próximos delatores fará com que as investigações cheguem cada vez mais no andar de cima do esquema. “O bagrinho não interessa mais”, afirmou um dos integrantes da força-tarefa.

Além de Duque, ensaiam entrar para o rol de colaboradores o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, o ex-diretor internacional da Petrobras, Jorge Zelada, e seu antecessor no cargo, Nestor Cerveró. Na última semana, quem também passou a negociar com a Justiça foi Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, tido como operador do PMDB. O que ele já revelou atingiria figuras de proa do partido, mas os investigadores querem mais detalhes, antes de conceder a ele os benefícios da delação. Quem se antecipou a Baiano foi o comparsa Hamylton Padilha. Ele é acusado de repassar US$ 31 milhões em propinas para integrantes do PMDB durante processo de contratação de um navio-sonda pela Petrobras em 2009. O operador atuava sob a tutela de Jorge Zelada. Além de aceitar contar detalhas sobre a operação fraudulenta, ele se comprometeu a devolver R$ 70 milhões aos cofres públicos. A delação pode garantirá a Padilha o teto de oito anos de pena em regime fechado. Se o acordo não fosse celebrado, certamente ele não pegaria menos do que 20 anos de cadeia.

Enquanto dirigentes de estatais e operadores do esquema aceleraram as tratativas para homologar a delação premiada, em troca de benefícios, na quinta-feira 13 a Polícia Federal inaugurou a fase 18 da operação. Novo alvo da Lava Jato, o ex-vereador do PT de Americana (SP) Alexandre Romano é apontado como operador de esquema de corrupção que movimentou R$ 52 milhões de forma irregular do caixa do Ministério do Planejamento. Parte do montante foi destinado ao coordenador jurídico da campanha da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), o advogado Guilherme Gonçalves. Em 2010, o marido de Glesi, Paulo Bernardo, era ministro do Planejamento. À época, a empresa de tecnologia Consist pagou propina ao PT - segundo as investigações - para explorar a folha de empréstimo consignado da pasta, que reúne informações de dois milhões de servidores. O escritório do assessor jurídico de Gleisi recebeu R$ 7,2 milhões da Consist.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Armados de pixuleco


O "Exército da Mortadela"!
Vagner Freitas, presidente da CUT, disse que os trabalhadores pegariam em armas para defender Dilma Rousseff, depois recuou ridiculamente afirmando que se tratava de uma "figura de linguagem".

Mentira. Não era figura de linguagem, não.

Gerson Camarotti, do G1, informa que emissários do Palácio do Planalto tiveram de trabalhar até a noite de quinta-feira para obter um desmentido do pelego.


A CUT talvez não pegue em armas para defender Dilma Rousseff, mas certamente vai pegar para defender o pixuleco.

O Antagonista, 14/8/2015.

Os tempos mudam . . .

EMERSON MATTOS – FLORIANÓPOLIS-SC
Sr. Editor,
Boa noite e respeitosas saudações!
Veja esta manchete de um jornal aqui do meu estado, em agosto de 1992.
20-08-1992.TIF
Naquele tempo o impeachment era legal e constitucional. Hoje eles dizem que é “golpe”. Como as coisas mudam em tão pouco tempo, não?.
Abraços e parabéns deste leitor diário e fiel.

R. Lula, o PT e os bundinhas da  militância, naquele tempo, estavam mergulhados de corpo e alma na campanha do impeachment de Collor.
Hoje em dia, como diz o nosso estimado fubânico catarinense, eles relincham que impeachment é golpe…
É phoda!!!
Além desta manchete que você nos mandou, caro leitor, veja abaixo esta outra manchete da Folha, de setembro de 1992, que fala em “vitória da democracia“.
Hoje em dia, em tempos de socialismo muderno, não é democracia, é “golpismo da direita reacionária“…
Veja:
fsp
Naquele tempo, Lula, Brizola e o PT estavam do mesmo lado e na mesma trincheira que a Folha de S. Paulo, este jornal que hoje em dia é rotulado de “órgão da grande mídia golpista” pelos bundinhas descerebrados. 
Já o presidente da CUT, discursando ontem ao lado da prisidenta da república, conclamar a militância assalariada da istrêla vermêia pra “pegar em armas” e ir pra ruas combater os 92% que desaprovam Dilma (que o idiota chamou se “esta burguesia”), deve ser democracia pura.
Num país civilizado, decente e que respeitasse a lei e a constituição, um tabacudo ajumentado feito este cara (sem qualquer ofensa aos jumentos…), se falasse uma barbaridade deste porte em frente ao Supremo Mandatário da nação, já sairia de lá algemado. Mas, enfim, vivemos em Banânia…

terça-feira, 11 de agosto de 2015

A farsa em frangalhos: o guerreiro do povo brasileiro era só um caçador de pixuleco


PRESO NA OPERAÇÃO PIXULECO, informa a mais recente anotação no prontuário de José Dirceu de Oliveira e Silva, mineiro de Passa Quatro, 69 anos, advogado com especialização em corrupção ativa e formação de quadrilha. A palavra que batizou a 17ª etapa da Lava Jato, usada pelo gatuno João Vaccari Neto como sinônimo de propina, é vulgar na forma e abjeta no conteúdo ─ e rima com José Dirceu. Pixuleco é um nome perfeito para a operação policial que consumou a morte política do general sem soldados ─ e implodiu uma farsa que durou meio século.

Como pôde durar tanto um compulsivo colecionador de fiascos? Já em 1968, quando entrou em cena fantasiado de líder estudantil, nosso Guevara de galinheiro namorou uma jovem chamada Heloísa Helena sem saber que convivia dia e noite com “Maçã Dourada”, espiã a serviço da ditadura militar. Se quisesse prendê-lo, a polícia nem precisaria arrombar a porta do apartamento onde o casal dormia: a namorada faria a gentileza de abri-la. No mesmo ano, a usina de ideias de jerico resolveu que o congresso clandestino da UNE marcado para outubro, com mais de mil participantes, seria realizado em Ibiúna, com menos de 10.000 moradores.

Intrigado com o tamanho da encomenda ─ 1.200 pães por manhã ─ o padeiro que nunca fora além de 300 por dia procurou o delegado, que ligou para a Polícia Militar, que prendeu todo mundo. Libertado 11 meses depois pelo grupo de sequestradores do embaixador americano Charles Elbrick, declarou-se pronto para recomeçar a guerra contra a ditadura e ficou empunhando taças de vinho em Paris até que lhe ocorreu a ideia de trocar a Rive Gauche por um cursinho de guerrilha em Cuba que, por falta de verba para balas de verdade, usava apenas balas de festim para adestrar os futuros soldados da selva.

O combatente diplomado submeteu-se a uma cirurgia para que o nariz ficasse adunco, voltou ao Brasil na primeira metade dos anos 70, percebeu que a coisa andava feia assim que cruzou a fronteira e, em vez de mandar chumbo no campo, sacou da mala a documentação que o identificava como Carlos Henrique Gouveia de Mello, comerciante de gado, e se mandou para Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná. Logo se engraçou com a dona da melhor butique da cidade, adiou por tempo indeterminado a derrubada do governo e se entrincheirou na máquina registradora do Magazine do Homem.

Em 1979, a decretação da anistia animou o forasteiro conhecido no bar da esquina como “Pedro Caroço” a contar quem era à mãe do filho de cinco anos e avisar que precisava voltar à cidade grande. Afilou o nariz com outra cirurgia e reapareceu em São Paulo ansioso por recuperar o tempo perdido. A gula e a pressa aceleraram a expansão da cinzenta folha corrida. Deputado estadual e federal pelo PT paulista, rejeitou todas as propostas de todos os governos. Presidente do partido, instalou Delúbio Soares na tesouraria. Com o triunfo de Lula em 2002, o pecador trapalhão foi agir em Brasília.

Capitão do time de Lula, mandou e desmandou até a descoberta de que promovera a Assessor para Assuntos Parlamentares o extorsionário Waldomiro Diniz, com quem havia dividido um apartamento. Era só mais um no ministério quando, em 2005, o Brasil ficou sabendo que o chefe da Casa Civil também chefiava a quadrilha do mensalão. Despejado do emprego em junho, prometeu mobilizar deus e o mundo, além dos “movimentos sociais”, para preservar o mandato em perigo. Em dezembro, conseguiu ser cassado por uma Câmara que inocenta até a bancada do PCC.

Sem gabinete no Planalto ou no Congresso, sem rendimentos regulares e sem profissão definida, escapou do rebaixamento à classe média ao descobrir o mundo maravilhoso dos consultores vigaristas. Com a cumplicidade dos afilhados que espalhara pela administração federal, em poucos meses José Dirceu já se tornara um próspero facilitador de negociatas engendradas por capitalistas selvagens. Em 2012, o julgamento do mensalão ressuscitou o perseguido político. Condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha, entrou no presídio com o punho erguido.

Ao sair da Papuda para cumprir em casa o restante da pena, era um sessentão com boa saúde. Ao voltar à cadeia por se ter metido nas bandalheiras do Petrolão, é uma versão avelhantada de si próprio. Desfrutou por poucos meses do poder que perseguiu desde o berçário. Desfrutou por poucos anos da fortuna que passou a perseguir depois da queda. O casarão em Vinhedo é uma das muitas evidências tangíveis de que José Dirceu é hoje um milionário. Para quê? Para nada. De nada vale a posse de mansões para quem é forçado a dormir no xilindró.


Uma tropa comandada por um guerrilheiro de festim só consegue matar de riso, repete a coluna há seis anos. As dúvidas que assaltaram muitos leitores foram dissolvidas pela implosão do embuste. O guerreiro do povo brasileiro era apenas um caçador de pixulecos.

Augusto Nunes, 11/8/2015

sábado, 8 de agosto de 2015

O Sentido das Coisas


Sempre procurei, tantas vezes em vão, encontrar o significado de tudo. Por exemplo, por que há pessoas boas e más, por que as pessoas boas fazem coisas más e vice-versa, por que entre pessoas que se querem bem pode haver frieza ou até maldade, por que… lista infindável, ainda mais para quem tem um pouco de imaginação. A cada momento reinventamos o mundo, reinventamos a nós mesmos, reinventamos nossos afetos para que seja tudo menos doloroso.

Escrevendo sobre a situação do Brasil um pequeno livro que deve aparecer em breve, observo ainda mais intensamente o que acontece, tanta coisa inacreditável, mas real. Assim reflito quase constantemente sobre todas as loucuras, baixezas, perigos, sustos, desalentos atuais, aqui e ali uma luzinha minúscula que logo bruxuleia. Vai se apagar para sempre? Nada é para sempre. As coisas más, as fases ruins, também hão de passar. Mas, no momento, não sou otimista. Falsidade, mentiras, arzinho superior e palavras fantasiosas sobre questões fundamentais, apontar o dedo para o adversário, tudo é pior do que a dura verdade. Assustam-me discursos com que neste momento dramático alguns negam ou diminuem a gravidade da situação, revelando-se o desvio de inacreditáveis fortunas que deveriam atender o povo mais carente, a maior vítima desse desastre, um povo despossuído, sem as coisas essenciais que lhe têm sido negadas ─ não por uma fatalidade, mas por ganância de quem já tinha uma boa fortuna, mas queria mais, e mais.

Hoje, os acusados reagem com ironias, amea­ças, invenções: mas fizeram de nós um dos piores países do mundo em quase tudo, sobretudo educação e segurança. Ninguém assume sua responsabilidade, antes critica adversários ou países mais adiantados, como se fôssemos todos uns pobres crédulos. Começamos a perceber o que se passa no nevoento território da política que fragilizou a economia, e é cenário de tão grave incompetência e irresponsabilidade. Na grande negociata nunca vista, quase todos tinham seu preço: não foi barato. Pouco sobrou para o brasileiro que ignorava esses fatos que atingiram seu bolso, sua esperança e suas possibilidades de uma vida decente.

A política influenciou e dominou nossa existência nos últimos anos, com gestão incompetente, péssimo planejamento, desorganização nas contas públicas, maquiagem do desastre que foi escondido de um povo mal informado porque mal escolarizado (não é por acaso que negligenciamos tanto a educação). A pátria-mãe desvia o rosto; nós, os filhos, largados na floresta como num conto de fadas sinistro. Os próprios investigadores das gigantescas fraudes, impressionados, admitem estar diante de tramas de dimensão e sofisticação nunca vistas.

A paisagem brasileira está de pernas para o ar: nada faz muito sentido, tamanho o escândalo. Para começar, os salários com que tentamos manter uma vida honrada são patéticos diante das cifras roubadas, apresentadas pelos competentes e corajosos investigadores. Irresponsabilidade e incompetência comandaram as façanhas que esfacelaram o país, agora rebatizadas de “malfeitos”. Espantoso: os desvios não eram efetuados por bandidos oficiais, mas por grandes empresários que admitem, talvez forçados pelo medo, que, se não tivessem entrado no esquema de corrupção e pagado as irreais propinas, suas companhias teriam ficado “de fora” da roda dos mafiosos, prejudicando seus acionistas e trabalhadores. Quase todos afirmam com veemência que de nada sabiam: viviam em outro planeta. Não saber de nada passou a ser um triste refrão.


Os investigados, denunciados e presos continuam protestando contra tamanha maldade: todos vítimas do lobo mau da Justiça. Seus defensores encenam uma ópera-bufa de delirantes explicações: roubalheira mascarada de comportamento legal, nos parâmetros da decência. Se essas ficções patéticas fizessem sentido, nunca teria havido tantos inocentes no mundo: as elites e os estrangeiros seriam os culpados. Essa farsa acabou: não há desculpa perante uma nação ferida.

Lya Luft, VEJA

Por que a esquerda enveredou para o crime


O que está acontecendo com o PT não é um fenômeno isolado. Aconteceu com vários grupos da esquerda autocrática depois da queda do muro de Berlim. Sobretudo na América Latina, em que muitos dirigentes de organizações ditas revolucionárias enveredaram para o crime.

Conheci vários desses militantes que viraram bandidos. Daniel Ortega, da Frente Sandinista, hoje presidente da Nicarágua, foi um deles. Me lembro como se fosse hoje. Ele foi convidado de honra no I Congresso do PT (que coordenei), no final de 1991. Chegando lá, no Hotel Pampa, em São Bernardo, Daniel pediu logo ao tesoureiro do PT à época, se não podia arranjar umas prostitutas. Esse Daniel e seu irmão Humberto, eram teleguiados de Fidel, que lhes passava pitos, aos berros. Reuniões decisivas para o futuro da chamada revolução sandinista foram realizadas em Havana, sob o comando de Fidel. E enquanto as bases petistas da Igreja idolatravam por aqui os sandinistas como expoentes de uma nova espiritualidade dos pobres, esses bandidos assaltavam patrimônio público (inclusive passavam para seus nomes propriedades imóveis) do Estado nicaraguense.

O mesmo ocorreu com gente da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional de El Salvador, que também está no governo. Aconteceu com o Mir (e com o Mir Militar) chileno, com alguns Tupamaros, com as FARC colombianas e, é claro, com a nova leva de bolivarianos, que não tinham tanta tradição de esquerda, como Chávez, Maduro e Cabello (mas aí já estamos falando de delinquentes da pior espécie, que inclusive chefiam o narcotráfico na região) e como Rafael Correa e Evo Morales. Bem, para resumir, aconteceu com boa parte das organizações e pessoas que frequentam as reuniões do Foro de São Paulo (fundado, não por acaso, um ano depois da queda do muro - e eu estava presente na reunião de fundação, no Hotel Danúbio).

Não dando certo a revolução pela insurreição, pelo foquismo ou pela guerra popular prolongada, essa galera chegou à conclusão de que seria preciso fazer a revolução pela corrupção. Bastaria adotar a via eleitoral contra a democracia e depois assaltar o Estado para financiar um esquema de poder de longo prazo. O plano era simples: conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido. O objetivo era claro: chegar ao governo pela via eleitoral, tomar o poder e nunca mais sair do governo. Para isso, entretanto, era necessário, além do tradicional caixa 2, fazer um caixa 3, encarregado de custear ações legais e ilegais, ostensivas e clandestinas, para controlar as instituições, comprar aliados, remover ou neutralizar obstáculos...

Afinal, pensaram eles: as elites não fizeram sempre assim? Para jogar o jogo duro do poder não se pode ter escrúpulos. Foi essa a conclusão de Lula, Dirceu e dos dirigentes petistas que tomaram o mesmo caminho. É claro que, como ninguém é de ferro e como não se pode amarrar a boca do boi que debulha, alguma compensação em vida esses bravos revolucionários mereciam ter. E foi assim que enriqueceram, abriram contas secretas no exterior para guardar os frutos dos seus crimes, adquiriram bens móveis e imóveis em nome próprio ou de terceiros e foram levando a vida numa boa enquanto o paraíso comunista não chegasse.

O ano de 1989 foi decisivo para essa degeneração política e moral da esquerda. Mas o que aconteceu não foi um resultado do somatório de desvios individuais. Não! Eles viram que seria muito difícil conquistar o mundo e assumir o comando de seus próprios países, contrapondo um bloco a outro bloco. O bloco dito comunista se desfez. A União Soviética derreteu em 1991. Ruiu tudo. E agora? Bem, agora - pensaram eles - seria necessário ter uma nova estratégia. E eis que surgiu uma ideologia pervertida, baseada numa fusão escrota de maquiavelismo (realpolitik exacerbada) com gramscismo. Eles, como operadores políticos, conduziriam a realpolitik sem o menor pudor, enquanto que pediriam ajuda aos universitários para dar tratos à bola do gramscismo (e reproduzir mais militantes nas madrassas em que se transformaram as universidades).

No Brasil, porém, parece que erraram no timing. Precisariam de mais uns três ou quatro anos para ter tudo dominado, dos tribunais superiores, passando pelo Congresso, pelo movimento sindical e pelos fundos de pensão, pelos (falsos) movimentos sociais que atuam como correias de transmissão do partido, pela academia colonizada, pelas ONGs que se transformaram em organizações neo-governamentais, por uma blogosfera suja financiada com dinheiro de estatais e por grandes empresas (com destaque para as empreiteiras, atraídas pela promessa de lucros incessantes quase eternos se estivessem aliadas a um sólido projeto de poder de longo prazo).


Não deu tempo. O plano foi descoberto antes que as instituições fossem completamente degeneradas. E chegamos então a este agosto de 2015, ano em que alguns desses dirigentes vão começar a assistir, de seus camarotes na prisão, o desmoronamento do esquema maléfico que urdiram.

Augusto de Franco, em 07.08.2015. (O autor foi o coordenador do primeiro Congresso do PT).
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