terça-feira, 30 de junho de 2015

A fala mais estúpida de Dilma em cinco anos



A presidente Dilma Rousseff está tomando algum remédio? Está ainda sob os efeitos daquela droga, ou, sei lá, daquela entidade, que a fez saudar a mandioca e que a levou a concluir que só nos tornamos “homo sapiens” — e “mulheres sapiens”, para aderir à sua particular taxonomia — depois que fizemos uma bola com folha de bananeira?
Por que pergunto isso? Dilma está em Nova York e decidiu falar sobre a delação de Ricardo Pessoa, dono da UTC, que confessou ter feito doações ilegais ao PT e ter repassado R$ 7,5 milhões à campanha presidencial do partido porque se sentiu pressionado por Edinho Silva. A presidente avançou num terreno perigosíssimo de dois modos distintos, mas que se combinam.
Sobre as doações, afirmou:
“Não tenho esse tipo de prática [receber doações ilegais]. Não aceito e jamais aceitarei que insinuem sobre mim ou sobre minha campanha qualquer irregularidade. Primeiro, porque não houve. Segundo, porque, se insinuam, alguns têm interesses políticos”.
Trata-se de um daqueles raciocínios de Dilma que flertam com o perigo e que atropelam a lógica. Pela lei, a candidata é, sim, responsável pelas contas de campanha. Mas todos sabem que isso sempre fica a cargo de terceiros no partido. Quem disputa eleição não se ocupa desses detalhes. Dilma ainda teria esse acostamento para reparar danos. Mas ela é quem é: a partir da declaração de hoje, assume inteira responsabilidade política pelas doações. Logo, se ficar evidenciado que houve dinheiro ilegal, foi com a sua anuência. É ela quem está dizendo.
Quanto à lógica, como é mesmo, presidente? “Se insinuam que há dinheiro ilegal, alguns têm interesse político”? Bem, tudo sempre tem interesse político, né? A existência do dito-cujo exclui a ilegalidade.
Mas Dilma ainda não havia produzido o seu pior. Resolveu sair-se com esta:
“Eu não respeito delator, até porque estive presa na ditadura militar e sei o que é. Tentaram me transformar numa delatora. A ditadura fazia isso com as pessoas presas, e garanto para vocês que resisti bravamente. Até, em alguns momentos, fui mal interpretada quando disse que, em tortura, a gente tem que resistir, porque se não você entrega seus presos.”
A fala é de uma estupidez inigualável, talvez a pior produzida por ela. A conversa sobre mandioca e bola de folha de bananeira integra apenas o besteirol nacional. Essa outra não. Vamos ver, pela ordem:
1 – Dilma compara situações incomparáveis; no tempo a que ela se refere, havia uma ditadura no Brasil; hoje, vivemos sob um regime democrático;
2 – consta que ela foi torturada; por mais que se queira, hoje, associar determinadas pressões a tortura, trata-se de mera figura de linguagem;
3 – Dilma exalta a sua capacidade de resistência e disse que mentiu mesmo sob tortura, o que gerou certa confusão, com a qual ela soube lucrar;
4 – como não concluir que ela está sugerindo que ou Ricardo Pessoa (e o mesmo vale para os demais delatores) deveria ter ficado de boca fechada ou deveria ter mentido?;
5 – querem avançar nas implicações da comparação? O Brasil era, sim, uma ditadura, mas Dilma, era, sim, membro de um grupo terrorista. O estado brasileiro era criminoso, mas o grupo a que ela pertencia também era. Se ela faz a associação entre os dois períodos, está admitindo que os crimes de agora existiram, sim, mas que os delatores deveriam ficar calados;
6 – eu não tenho receio nenhum de dizer que um delator não é o meu exemplo de ser humano, mas não sou diretamente interessado no que ele tem a dizer; Dilma sim;
7 – ao afirmar o que afirmou, Dilma não está se referindo apenas a Pessoa, mas a todas as delações. Na prática, desqualifica toda a operação que, a despeito de erros e descaminhos, traz à luz boa parte da bandalheira do petismo.
Dilma está tentando jogar areia nos olhos da nação. O que tem a ver as agruras que sofreu com esse momento da história brasileira? Sobra sempre a suspeita de que, em razão de seu passado supostamente heroico, deveríamos agora condescender com a bandalheira.
O país foi assaltado por uma quadrilha. Uma quadrilha que passou a operar no centro do poder. E a presidente pretende sair desse imbróglio desqualificando toda a investigação e ainda posando de heroína.
Dilma falando sobre mandioca e bola de folha de bananeira é uma poeta.
Por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 29 de junho de 2015

O Caneco do Brahma

Lula fazendo o que faz melhor: enchendo a cara e contando mentiras.
É sempre assim. Tão logo se descobre que outra reportagem de VEJA vai reiterar que sábado é o mais cruel dos dias para quem tem culpa no cartório, recomeça a apresentação da ária mais enfadonha da Ópera dos Malandros. É aquele em que o que há de mais repulsivo no elenco da peça produzida, dirigida e estrelada por Lula volta ao palco para ensinar à plateia que verdade é mentira.

Tem sido assim desde a descoberta do Mensalão em meados de 2005. De lá para cá, os canastrões em cena capricham na pose de vítima e repetem as mesmas falas. Os culpados são inocentes. O xerife é o vilão. É tudo invencionice da imprensa reacionária a serviço da elite golpista. O que parece comissão é uma contribuição financeira espontânea e legal. Os responsáveis pela infâmia serão imediatamente processados. E tome conversa de 171.

Não poderia ser diferente neste fim de semana especialmente pressago para celebrantes de missa negra. Apavorado com a reportagem de capa de VEJA, que enfileirou em 12 páginas a essência dos depoimentos prestados pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, o rebanho que acompanha o sinuelo sem rumo nem esperou pela chegada às bancas da presente edição da revista para balir em coro que está em curso mais uma trama sórdida contra o PT.

Como confiar na palavra de um bandido confesso, e ainda por cima delator?, recitam os filiados ao partido que virou bando. Para a companheirada, só é criminoso um parceiro de maracutaias que, em troca dos benefícios reservados aos que aceitam colaborar com a Justiça, decide contar o que fez, revelar o que sabe e identificar os comparsas. É o caso de Pessoa. Até recentemente um generoso amigo de Lula, agora é o inimigo número 1 dos embusteiros no poder.

Coerentemente, os lulopetistas insones com o ruído do camburão enxergam  guerreiros do povo brasileiro em todos os delinquentes que se mantêm de boca fechada — só abrem o bico para mentir. Nada fizeram de errado. Como não aconteceram os crimes que cometeram a mando e sob a proteção dos chefões, não há nada a confessar.

Quem opta pelo silêncio mafioso, como Delúbio Soares no caso do Mensalão ou João Vaccari Neto agora, tem vaga na confraria dos heróis de chanchada, composta por inocentes difamados e ofendidos por direitistas tão inimigos do povo que caem fora do avião ainda na pista quando um ex-pobre se instala na poltrona ao lado.

Além da desqualificação do acusador, o manual da esperteza companheira ordena o sepultamento da prova testemunhal. Se não estiver amparada em provas materiais, toda acusação deve ser rebaixada a fofoca. Para azar dos cleptocratas liberticidas, Ricardo Pessoa juntou aos depoimentos uma pilha de documentos e planilhas com extraordinário teor explosivo. E nem precisava, avisa a consistência das declarações do empreiteiro.

Os depoimentos de Pessoa confirmam que o poder de fogo da prova testemunhal é determinado pelo volume e pela qualidade dos detalhes. Neles é que mora o perigo. Afirmar que João Vaccari Neto recolhia pessoalmente a parte do PT no produto do roubo põe o acusado nas cercanias do tribunal. O banco dos réus fica bem mais próximo quando se acrescenta que a alcunha do coletor de propinas — Moch — foi sugerida pela mochila permanentemente pendurada no ombro. Saber que o tesoureiro gatuno chamava propina de “pixuleco” fecha o círculo que lembra o de uma algema.

Detalhes do mesmo calibre também demoliram a piada do chefe que se mete em tudo mas nunca sabe de nada se o caso de polícia envolve parentes, amigos, ministros de confiança e outros meliantes de estimação. “Segundo Ricardo Pessoa”, lê-se na reportagem de VEJA, “a UTC deu 2,4 milhões de reais em dinheiro vivo para a campanha à reeleição de Lula, numa operação combinada diretamente com José de Filippi Júnior, que era o tesoureiro da campanha e hoje é secretário de Saúde da cidade de São Paulo”.

As minúcias seguintes atestam que os saqueadores da Petrobras se valiam de métodos que fundiam cuidado e descuido. Ficou estabelecido que os pacotes de dinheiro seriam levados ao comitê da campanha de Lula por Pessoa, por Walmir Pinheiro, executivo da UTC, ou por um emissário ungido por ambos. “Para não chamar a atenção de outros petistas que trabalhavam no local”, prossegue o relato, “a entrega da encomenda era precedida de uma troca de senhas entre o pagador e o beneficiário”.

Ao chegar à cena do crime, o homem da mala deveria sacar da garganta três consoantes e três vogais: “Tulipa”, dizia. E só subia depois de ouvir a contra-senha que também agrupava uma trinca de consoantes e outra de vogais: “Caneco”. As duas palavras remetem a chope e cerveja. Chope e cerveja têm tudo a ver com “Brahma”. “Brahma” era o codinome que uma ala da quadrilha usou para referir-se ao ex-presidente em emails capturados pela Lava-Jato. O resultado da soma da senha, da contra-senha e do codinome é a traseira de um camburão.


No Brasil Maravilha que Lula pariu e Dilma amamenta, surtos de criatividade cretina são cada vez mais frequentes. Não se deve estranhar que, entre um assalto e uma lavagem de dinheiro, os larápios do Petrolão tenham inventado o que se pode chamar de imprudência cuidadosa. Ou cautela de altíssimo risco.

Augusto Nunes

terça-feira, 23 de junho de 2015

Lágrima de crocodilo


O ESTADO DE S. PAULO - 23 Junho 2015 

Fazendo eco às pesquisas que demonstram que o apoio popular e a aprovação ao governo continuam despencando, Luiz Inácio Lula da Silva, como se não tivesse nada a ver com isso, faz duras críticas à presidente da República que colocou no Palácio do Planalto, escancara seu estilo populista ao dar conselhos à sucessora e tem o caradurismo de afetar consternação e se queixar do “ódio que está na sociedade”.

O estarrecedor depoimento de Lula, diante de líderes religiosos que reuniu em seu instituto em São Paulo na semana passada, foi relatado pelo Globo no sábado.

O ex-presidente falou aos líderes religiosos no momento em que era divulgada mais uma pesquisa Datafolha dando conta de que caiu para 10% a aprovação popular a Dilma Rousseff e subiu para 65% o índice de brasileiros que consideram seu governo ruim ou péssimo. “A Dilma está no volume morto”, ironizou Lula, acrescentando que ele próprio está no mesmo nível e o PT ainda mais abaixo.

Com o cinismo que seus admiradores preferem interpretar como “visão pragmática” das questões políticas, Lula endossou de modo geral as críticas feitas por seus interlocutores ao governo, a Dilma e ao PT e ainda botou lenha na fogueira na tentativa de convencê-los de que os problemas apontados são consequência da teimosia de sua sucessora, que se recusa a seguir os conselhos que recebe do mestre.

Tendo ao lado o ex-ministro Gilberto Carvalho, que manifestava aprovação a todas as intervenções do chefe e a elas acrescentava argumentos, Lula desfiou críticas a Dilma e ao governo que ela comanda: “O Gilberto sabe do sacrifício que é a gente pedir para a companheira Dilma viajar e falar”. “Numa reunião em Brasília eu disse a ela: companheira, você lembra qual foi a última notícia boa que demos. Ela não lembrava.” “Estamos há seis meses discutindo ajuste. Ajuste não é programa de governo. Depois de ajuste vem o quê?” “Os ministros têm de falar. Parece um governo de mudos.”

Não se dando ao trabalho de disfarçar o tratamento de líder para liderada que pretende impor em seu relacionamento com a presidente da República, Lula contou: “Acabamos de fazer uma pesquisa em Santo André e São Bernardo, e a nossa rejeição chega a 75%. Entreguei a pesquisa para a Dilma, em que nós só temos 7% de bom e ótimo. E disse para ela: isso não é para você desanimar, não. Isso é para você saber que a gente tem de mudar, que a gente pode se recuperar. E entre o PT, entre eu (sic) e você, quem tem mais capacidade de se recuperar é o governo, porque tem iniciativa, tem recurso, tem uma máquina poderosa para poder falar, executar, inaugurar”.

Lula garantiu que nos encontros que mantém regularmente com a chefe do governo tenta convencê-la da necessidade de se expor publicamente, fazer contato pessoal “porque na hora em que a gente abraça, pega na mão, é outra coisa”. E resumiu: “Falar é uma arma sagrada”, ressalvando que não se trata de falar na TV ou no rádio, mas “olho no olho”.

Está claro que, apesar de achar que entende de política mais do que ninguém, Lula é incapaz de – ou não quer – perceber que de nada mais adianta Dilma Rousseff sair por aí anunciando planos mirabolantes e fazendo promessas maravilhosas pela razão simples de que perdeu a credibilidade. Pelo menos dois em cada três brasileiros não acreditam nela. De resto, os conselhos de Lula recendem a populismo barato e a vigarice chinfrim: para ele, o importante é levar o eleitor “na conversa”.

Embora permissivo quando se trata de si próprio, da família e dos amigos, Luiz Inácio Lula da Silva se comporta com uma arrogância e uma presunção que o levam a colocar-se sempre acima do bem e do mal.

Subiu na vida pública transformando os adversários políticos em inimigos a serem destruídos. E agora demonstra uma consternação hipócrita, como o fez no encontro com os religiosos: “Jamais vi o ódio que está na sociedade. Família brigando dentro de família, companheiro do PT que não pode entrar em restaurante...”.

Lamentava, com lágrimas de crocodilo, estar colhendo o amargo fruto que plantou

Se Dilma ouvisse sua mãe, certamente conversaria mais com Eduardo Suplicy


Dona Dilma Jane, a mãe de Dilma Rousseff, mora com a filha no Palácio da Alvorada desde 2011. Mas tudo leva a crer que mãe e filha têm conversado pouco. Só a falta de aconselhamento materno pode explicar a descortesia da presidente com o companheiro Eduardo Suplicy.

Dilma deixou Suplicy esperando durante dois anos por uma brecha na agenda presidencial. Abordada em três oportunidades, prometeu-lhe a audiência. E nada. O companheiro reiterou o pedido em 19 cartas. E aguardou… Aguardou… Aguardou… Finalmente, a conversa foi marcada para as 17h desta segunda-feira.

Exultante, Suplicy tomou um avião em São Paulo com grande antecedência. Pousou em Brasília por volta das 14h. Decorridos 40 minutos da aterrissagem, o chefe de gabinete da presidente, Álvaro Henrique Baggio, lhe telefonou.

“A ligação foi para informar que havia ocorrido uma série de problemas nos últimos dias, em especial no final de semana, e a presidente não poderia me receber hoje'', relatou Suplicy. “Eu já tinha contado para meus amigos, familiares e alunos que a presidente me receberia. Estou entristecido.''

A primeira vez que Eduardo Suplicy pediu a Dilma Rousseff que o recebesse foi em junho de 2013. Desde então, a presidente dá preferência a outras companhias. Recebeu inúmeras vezes, por exemplo, o morubixaba peemedebista Renan Calheiros. Afora as conversas extra-agenda, abriu as portas do Planalto e do Alvorada para Marcelo Odebrecht uma, duas, três vezes.

Hoje, Renan defende-se em inquérito no STF da acusação de receber propinas na Petrobras. E Odebrecht, herdeiro e presidente da empreiteira de mesmo nome, está preso na carceragem da PF em Curitiba sob a suspeita de participação no cartel que pagou propinas na estatal petroleira.

Dilma Jane, a mãe da presidente da República, não deve ser diferente de todas as outras mães. Uma de suas lições vitais há de ter sido: “cuidado com as más companhias, minha filha.”

Pode-se conviver com Renan Calheiros por obrigação protocolar. Mas cortejar o Renan, manter o apadrinhado de Renan na Transpetro por 12 anos, entregar a governabilidade nas mãos do Renan, ajudar a reeleger Renan à presidência do Senado, isso nenhuma mãe é capaz de compreender.

Conversar com empreiteiro no gabinete presidencial, vá lá! Mas qualquer mãe diria que abrir o almoço e o café da manhã do Alvorada para esse tipo de empreitada é mais arriscado do que fazer xixi sentada em privada de banheiro público.

Se pedisse conselhos à sua mãe, Dilma Rousseff talvez ouvisse algo assim: “Recebe o Eduardo Suplicy, minha filha. Tudo o que o Suplicy deseja é fazer a defesa daquele projeto dele: a renda básica de cidadania. Não deixe de ouvir o Suplicy. Ele pode ser chato, mas é inofensivo.”

Nos próximos dias, Dilma receberá a 20ª carta de Suplicy. Para não perder a viagem, ele foi recebido pelos ministros petistas Pepe Vargas (Direitos Humanos) e Tereza Campello (Desenvolvimento Social). Mas ainda não se deu por vencido. “Não perdi a esperança, estou no aguardo que a presidente Dilma volte a marcar comigo.''

Nesta segunda-feira, enquanto Dilma exercitava sua descortesia em Brasília, Lula atacava o PT num evento organizado por seu instituto, em São Paulo. “O PT perdeu a utopia'', afirmou. Os petistas “só pensam em cargo, em emprego, em ser eleito'', acrescentou. “Temos que definir se queremos salvar nossa pele, nossos cargos, ou nosso projeto.''


Tomado pelos parâmetros de Lula, Suplicy é um petista démodé. Não tem afilhados para indicar, sua pele não carece de salvamento, conhece o mensalão e o petrolão de ouvir dizer, não teve contato com Alberto Youssef, não voou em jatinho da Odebrecht. Por tudo isso, virou uma espécie de tiozão excêntrico do PT. Ninguém sabe muito bem como tratá-lo. Nas reuniões partidárias, os mais jovens são orientados para não rir do seu jeitão. E os mais velhos escondem suas cartilhas da renda básica de cidadania. Suplicy representa o ex-PT. Em meio à lama, tornou-se uma curiosidade anacrônica.

Josias de Souza, 23/06/2015

sábado, 20 de junho de 2015

O fim do PT, nas palavras de Lula


SÃO PAULO - Como se estivesse em um confessionário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu o coração a um seleto grupo de padres e dirigentes de entidades religiosas no auditório de seu instituto, quinta-feira 18/6, em São Paulo. Em tom de desabafo, criticou duramente a presidente Dilma Rousseff e creditou ao governo dela, sobretudo no segundo mandato, a crise vivida pelos petistas. Para Lula, a taxa de aprovação da companheira está no “volume morto”, numa referência à situação hídrica paulista, e, com o silêncio do Planalto, o “governo parece um governo de mudos”. O ex-presidente admitiu ainda que é “um sacrifício” convencer sua sucessora a viajar pelo país e defender sua gestão.

— Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto, e eu estou no volume morto. Todos estão numa situação muito ruim. E olha que o PT ainda é o melhor partido. Estamos perdendo para nós mesmos — disse Lula.

Para ilustrar a profundidade do poço em que se meteu o PT, Lula citou uma pesquisa interna do partido, que revela que a crise se instalou no coração da legenda, o ABC Paulista. Muito rouco, o ex-presidente dizia coisas como “o momento não está bom” e “o momento é difícil”.

— Acabamos de fazer uma pesquisa em Santo André e São Bernardo, e a nossa rejeição chega a 75%. Entreguei a pesquisa para Dilma, em que nós só temos 7% de bom e ótimo — disse Lula aos religiosos.

Ele afirmou ter dito à presidente: “Isso não é para você desanimar, não. Isso é para você saber que a gente tem de mudar, que a gente pode se recuperar. E entre o PT, entre eu e você, quem tem mais capacidade de se recuperar é o governo, porque tem iniciativa, tem recurso, tem uma máquina poderosa para poder falar, executar, inaugurar”.

Na mesa, os mais de 30 participantes do encontro, entre eles o bispo dom Pedro Luiz Stringhini, não deram trégua ao ex-presidente. Sobraram críticas para o PT, o governo, o próprio Lula e seu pupilo, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Os religiosos defenderam que o partido volte à antiga liturgia e se aproxime mais dos trabalhadores.

Lula concordou com a tese, dizendo que os petistas trocaram a discussão da política pela do mandato.

A reunião faz parte da estratégia do partido de tentar se reaproximar de sua base social. O interlocutor da ala religiosa é o ex-ministro Gilberto Carvalho, mencionado diversas vezes por Lula, em seu discurso de mais de 50 minutos, para exemplificar como o governo Dilma perdeu o contato com os movimentos sociais. Lula cobrou da presidente, e tem feito isso em outras reuniões reservadas, uma agenda positiva e mais exposição pública. Para o petista, Dilma deixou o governo mais distante dos mais pobres.

— Na falta de dinheiro, tem de entrar a política. Nesses últimos cinco anos, fizemos muito menos atividade política com o povo do que fizemos no outro período — disse ele, citando as conferências nacionais com grupos sociais:
— Isso acabou, Gilberto!

Lula reclamou que Dilma tem dificuldade de ouvir até mesmo os conselhos dados por ele:
— Gilberto sabe do sacrifício que é a gente pedir para a companheira Dilma viajar e falar. Porque na hora que a gente abraça, pega na mão, é outra coisa. Política é isso, o olhar no olho, o passar a mão na cabeça, o beijo.

Nesse ponto da conversa, o ex-presidente fez questão de ressaltar: falar com a população não é “agendar para falar na televisão”.

Durante a reunião, Gilberto Carvalho, que saiu do núcleo central do governo Dilma depois de muitas críticas à atuação da equipe da presidente, concordava com Lula, completava frases e assentia com a cabeça enquanto o ex-presidente subia o tom:

— Aquele gabinete (presidencial) é uma desgraça. Não entra ninguém para dar notícia boa. Os caras só entram para pedir alguma coisa. E como a maioria que vai lá é gente grã-fina... Só entrou hanseniano porque eu tava no governo, só entrou catador de papel porque eu tava no governo — disse Lula, que completou:

— Essa coisa se perdeu.

Lula revelou o quem tem conversado com Dilma nos encontros privados. Os dois têm feito reuniões em São Paulo, e a presidente só as informa na agenda oficial depois que são realizadas. Ele disse que fala para a presidente que a hora é de “ ir para a rua, viajar por esse país, botar o pé na estrada”. Diz ainda que os petistas não podem temer as vaias. Uma das armas para recuperar a combalida gestão, segundo ele, é investir na execução do Plano Nacional de Educação. O problema seria, de acordo com ele mesmo, que o próprio PT desconhece o conteúdo do plano.

“OS MINISTRO TÊM DE FALAR”

O petista, que não falou com os padres sobre uma possível candidatura à Presidência em 2018, mas não esconde que pode concorrer ao terceiro mandato, disparou fortemente contra os ministros, sobretudo os do PT.

— Os ministros têm de falar. Parece um governo de mudos. Os ministros que viajam são os que não são do PT. Kassab já visitou 23 estados, não sei quem já visitou 40 estados —exagerou.

O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, preside o PSD e quer recriar o Partido Liberal. Foi citado mais uma vez, para criticar o desânimo dos líderes petistas:
— Aí não dá. Kassab já tá criando outro partido e a gente não tá defendendo nem o da gente!

Lula disse que também tem chamado a atenção do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, dizendo que ele deveria fazer mais discursos públicos.

— Pelo amor de Deus, Aloizio, você é um tremendo orador — disse ele, que emendou, arrancando risos dos religiosos: — É certo que é pouco simpático.

O ex-presidente ressaltou ainda que “inaugura-se (obra do) Minha Casa Minha Vida todos os dias”, mas que os políticos locais não destacam o papel do governo nas obras.

Para criticar o empenho de Dilma na aprovação do ajuste fiscal, Lula afirmou:
— Falar é uma arma sagrada. Estamos há seis meses discutindo ajuste. Ajuste não é programa de governo. Em vez de falar de ajuste... Depois de ajuste vem o quê? — criticou Lula, apontando que é preciso “fazer as pessoas acreditarem que o que vem pela frente é muito bom”. Segundo o petista, “agora parece que acabou o (assunto) do ajuste”.

A VACA TOSSIU

Lula disse que o governo não dá boas notícias ao país.

— Nós tivemos as eleições no dia 26 de outubro. De lá pra cá, Gilberto, nós temos que dizer para vocês, porque vocês são companheiros, depois de nossa vitória, qual é a noticia boa que nós demos para este país? Essa pergunta eu fiz para a companheira Dilma no dia 16 de março, na casa dela.

Segundo Lula, nesse encontro estavam os ministros Mercadante, Jacques Wagner (Defesa) e Miguel Rossetto (Secretaria Geral da Presidência), além de Rui Falcão, presidente nacional do PT.

—Eu fiz essa pergunta para Dilma: “Companheira, você lembra qual foi a última notícia boa que demos ao Brasil?” E ela não lembrava. Como nenhum ministro lembrava. Como eu tinha estado com seis senadores, e eles não lembravam. Como eu tinha estado com 16 deputados federais, e eles não lembravam. Como eu estive com a CUT, e ninguém lembrava.

Para os religiosos — que foram recebidos no Instituto Lula com café, refrigerantes, sanduíches e docinhos como brigadeiro e olho de sogra — Lula continuou a “confissão”, elencando as más notícias dadas pelo governo:

— Primeiro: inflação. Segundo: aumento da conta de água, que dobrou. Terceiro: aumento da conta de luz, que para algumas pessoas triplicou. Quarto: aumento da gasolina, do diesel, aumento do dólar, aumento das denúncias de corrupção da Lava-Jato, aquela confusão desgraçada que nós fizemos com o Fies (Financiamento Estudantil), que era uma coisa tranquila e que foram mexer e virou uma desgraceira que não tem precedente. E o anúncio do que ia mexer na pensão, na aposentadoria dos trabalhadores.

Nesse momento, Lula resgatou as promessas não cumpridas por Dilma durante a última campanha eleitoral.

— Tem uma frase da companheira Dilma que é sagrada: “Eu não mexo no direito dos trabalhadores nem que a vaca tussa”. E mexeu. Tem outra frase, Gilberto, que é marcante, que é a frase que diz o seguinte: “Eu não vou fazer ajuste, ajuste é coisa de tucano”. E fez. E os tucanos sabiamente colocaram Dilma falando isso (no programa de TV do partido) e dizendo que ela mente. Era uma coisa muito forte. E fiquei muito preocupado.

O ex-presidente ainda disse aos religiosos — entre eles o padre Julio Lancelotti, dirigentes de pastorais católicas e um pastor evangélico — não acreditar na existência do mensalão.

— Não acredito que tenha havido mensalão. Não acredito. Pode ter havido qualquer outra coisa, mas eu duvido que tenha havido compra de voto — disse ele, mencionando que o ex-deputado Luizinho, do PT de Santo André, não poderia ter voto comprado no mensalão porque era, na época do escândalo, em 2005, líder do governo.

Lula repetiu a crítica que tem feito desde o início do ano nas reuniões do partido: a de que os petistas saíram derrotados do caso do mensalão porque trataram do caso “juridicamente”, quando a discussão, segundo ele, é política. Os petistas têm se desdobrado para defender, desta vez, o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, acusado de integrar o esquema descoberto pela Operação Lava-Jato, numa mudança em relação à postura adotada sobre o ex-tesoureiro Delúbio Soares.

Durante as investigações do mensalão, a direção do PT expulsou Delúbio, que só voltou a ser defendido pelos principais nomes da legenda quando começou o julgamento no Supremo.

— Nós começamos a quebrar a cara ao tratar do mensalão juridicamente. Então, cada um contratou um advogado. Advogado muito sabido, esperto, famoso, desfilando por aí, falando que a gente ia ganhar na Justiça. E a imprensa condenando. Todo dia tinha uma sentença. Quando chegou o dia do julgamento, o pessoal já estava condenado — disse Lula.

Para ele, o atual momento vivido pelo PT é ainda mais dramático. Ele diz que há um “mau humor na sociedade”. E que até o ministro do STF Ricardo Lewandowski, “que votou contra (o mensalão)”, sofreu ofensas.

Hoje, segundo Lula, quem é hostilizado na rua são os próprios petistas.

— Jamais vi o ódio que está na sociedade. Família brigando dentro de família, companheiro do PT que não pode entrar em restaurante...

O Globo, 20/6/2015

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Ai de ti, Brasil!*


Estás perdido e cego no meio da iniquidade dos partidos que te assolam e que contemplas com medo e tolerância

Ai de ti, Brasil, eu te mandei o sinal e não recebeste. Eu te avisei e me ignoraste, displicente e conivente com teus malfeitos e erros. Ai de ti, eu te analisei com fervor romântico durante os últimos 20 anos e riste de mim. Ai de ti, Brasil! Eu já vejo os sinais de tua perdição nos albores de uma tragédia anunciada para o presente do século XXI, que não terá mais futuro. Ai de ti, Brasil — já vejo também as sarças de fogo onde queimarás para sempre! Ai de ti, Brasil, que não fizeste reforma alguma e que deixaste os corruptos usar a democracia para destruí-la. Malditos os laranjas e as firmas sem porta.

Ai de ti, Miami, para onde fogem os ladrões que nadam em vossas piscinas em forma de vagina e corcoveiam em jet-skis, gargalhando de impunidade. Malditas as bermudas cor-de-rosa, barrigas arrogantes e carrões que valem o preço de uma escola. Maldita a cabeleira do Renan, os olhos cobiçosos de Cunha, malditos vós que ostentais cabelos acaju, gravatas de bolinhas e jaquetões cobertos de teflon, onde nada cola. Por que rezais em vossos templos, fariseus de Brasília? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?

Ai de vós, celebridades cafajestes, que viveis como se estivésseis na corte de Luís XIV, entre bolsas Chanel, gargantilhas de pérola, tapetes de zebra e elefantes de prata. Portais em vosso peito diamantes em que se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis. Ai de vós, pois os miseráveis se desentocarão e seus trapos vão brilhar mais que vossos Rolex de ouro. Ai de ti, cascata de camarões!

Tu não viste o sinal, Brasil. Estás perdido e cego no meio da iniquidade dos partidos que te assolam e que contemplas com medo e tolerância. Cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras e deste risadas ébrias e vãs no seio do Planalto. Ai de vós, intelectuais, porque tudo sabeis e nada denunciais, por medo ou vaidade. Ai de vós, acadêmicos que quereis manter a miséria “in vitro” para legitimar vossas teorias. Ai de vós, “bolivarianos” de galinheiro, que financiais países escrotos com juros baixos, mesmo sem grana para financiar reformas estruturais aqui dentro. Ai de ti, Brasil, porque os que se diziam a favor da moralidade desmancham hoje as tuas instituições, diante de nossos olhos impotentes. Ai de ti, que toleraste uma velha esquerda travestida de moderna. Malditos sejais, radicais de cervejaria, de enfermaria e de estrebaria — os bêbados, os loucos e os burros, que vos queixais do país e tomais vossos chopinhos com “boa consciência”. Ai de vós, “amantes do povo” — malditos os que usam esse falso “amor” para justificar suas apropriações indébitas e seus desfalques “revolucionários”.

Ai de vós, que dizeis que nada vistes e nada sabeis, com os crimes explodindo em vossas caras.

Ai de ti, que ignoraste meus sinais de perigo e só agora descobriste que há cartéis de empresas que predam o dinheiro público, com a conivência do próprio poder. Malditas sejam as empresas fantasmas em terrenos baldios, que fazem viadutos no ar, pontes para o nada, esgotos a céu aberto e rapinam os mínimos picuás dos miseráveis.

Malditos os fundos de pensão intocáveis e intocados, com bilhões perdidos na Bolsa, de propósito, para ocultar seus esbulhos e defraudações. Malditos também empresários das sombras. Malditos também os que acham que quanto pior, melhor.

A grande punição está a caminho. Ai de ti, Brasil, pois acreditaste no narcisismo deslumbrado de um demagogo que renegou tudo que falava antes, que destruiu a herança bendita que recebeu e que se esconde nas crises, para voltar um dia como “pai da pátria”. Maldito esse homem nefasto que te fez andar de marcha à ré.

Ai de ti Brasil, porque sempre te achaste à beira do abismo ou que tua vaca fora para o brejo. Esse pessimismo endêmico é uma armadilha em que caíste e que te paralisa, como disse alguém: és um país “com anestesia, mas sem cirurgia”.

Ai de vós, advogados do diabo que conseguis liminares em chicanas que liberam criminosos ricos e apodrecem pobres pretos na boca-do-boi de nossas prisões. Maldita seja a crapulosa legislação que vos protege há quatro séculos. Malditos compradiços juízes, repulsivos desembargadores, vendilhões de sentenças para proteger sórdidos interesses políticos. Malditos sejam os que levam dólares nas meias e nas cuecas e mais ainda aqueles que levam os dólares para as Bahamas.

Ai de vós! A ira de Deus não vai tardar...

Sei que não adianta vos amaldiçoar, pois nunca mudareis a não ser pela morte, guerra ou catástrofe social que pode estar mais perto do que pensais. Mas mesmo assim, vos amaldiçoo.

Ai de ti, Brasil!

Já vejo as torres brancas de Brasília apontando sobre o mar de lama que inundará o cerrado. Já vejo São Paulo invadida pelas periferias, que cobrarão pedágio sobre vossas Mercedes. Escondidos atrás de cercas elétricas ou fugindo para Paris, vereis então o que fizestes com o país, com vossa persistente falta de vergonha. Malditos sejais, ó mentirosos, vigaristas, intrujões, tartufos e embusteiros! Que a peste negra vos cubra de feridas, que vossas línguas mentirosas sequem e que água alguma vos dessedente. Ai de ti, Brasil, o dia final se aproxima.

Se vossos canalhas prevalecerem, virá a hidra de sete cabeças e dez chifres em cada cabeça e voltará o dragão da Inflação. E a prostituta do Atraso virá montada nele, segurando uma taça cheia de abominações. E ela estará bêbada com o sangue dos pobres e em sua testa estará escrito: “Mãe de todas as meretrizes e Mãe de todos os ladrões que paralisam nosso país.” Ai de ti, Brasil! Canta tua ultima canção na boquinha da garrafa.

Arnaldo Jabor - O Globo, 9/6/2015


(*) Homenagem a Rubem Braga

segunda-feira, 8 de junho de 2015

O extermínio das empregadas domésticas


Perdoem o sensacionalismo do título, mas é um fato: as empregadas domésticas entrarão em extinção, e por um motivo ruim. O motivo bom para a extinção das domésticas seria se pessoas que trabalharam ou consideram trabalhar como domésticas tivessem ofertas de trabalho melhores e mais bem remuneradas. Nesse caso, elas demandariam salários muito altos para trabalhar como domésticas; salários além das possibilidades da maioria dos domicílios. E assim o serviço doméstico seria gradualmente extinto, restringindo-se aos muito ricos. É algo que vem, aos poucos, acontecendo.

O motivo ruim para a extinção das domésticas se dá quando, embora muitas pessoas queiram trabalhar como domésticas e não tenham alternativas de emprego melhores, existe algo que as proíbe de fazê-lo. E é isso que quero discutir aqui. Os responsáveis por criar esse impedimento a um trabalho honesto são, como não poderia deixar de ser, nossos políticos, bem como sindicalistas e todos aqueles que defendem a ideia para lá de perniciosa dos direitos trabalhistas.

Muitos estão celebrando a recente conquista trabalhista brasileira: a extensão de FGTS e hora extra para empregadas domésticas (a qual aguarda aprovação do Senado). Foi uma grande vitória para as leis trabalhistas nacionais, e uma grande derrota para os brasileiros; empregadas inclusive. Vou analisar aqui os efeitos dessas duas mudanças legais. Mas enuncio já o problema de fundo: o estado é capaz de aumentar o preço de um serviço; mas não é capaz de aumentar de seu valor.

FGTS
O FGTS funciona quase como um fundo de investimento; isto é, um fundo com rendimentos baixíssimos, não raro inferiores à inflação, e que obriga seus depositantes a manter o dinheiro lá. Sua justificativa é que ele funciona como uma proteção ao trabalhador em caso de desemprego. Implícita aí está a premissa de que o trabalhador é burro demais para poupar por conta própria.

Claro que, quando deseja poupar parte de seu salário para se proteger de eventualidades futuras, qualquer trabalhador pode abrir uma conta bancária (como aliás várias empregadas já fazem; a minha está entre essas) e aplicar seu dinheiro a um retorno superior ao do FGTS. Quem ganha nessa história? Para o empregador, dá na mesma: o que ele paga de FGTS ele deixa de pagar em remuneração. A única diferença é que a vaga de emprego é ofertada a um salário básico menor. O valor que o empregador estaria disposto a desembolsar, que antes virava integralmente salário (dividido desigualmente por conta da obrigação de décimo terceiro e férias), agora divide-se entre salário e FGTS. Parte do que poderia ir para o bolso da empregada ficará nas contas do governo.

O trabalhador perde: parte de seu salário lhe é alienada e sub-remunerada. Já o governo... esse ganha! E aí está a explicação do FGTS. A Caixa Econômica Federal brinca de fazer investimento com o dinheiro do fundo, levando adiante as ambições do governo para o país e ajudando megaempresas público-privadas, segundo critérios políticos, e sem gerar retorno. Outra parte é usada para alimentar a bolha imobiliária criada e insuflada pelo governo. Um fundo de baixíssimo retorno e baixíssima liquidez; e um banco salvo do risco de corrida bancária, sem obrigação de dar retorno a seus "clientes". Tudo o que a Caixa ganha nessa conta (a diferença entre a remuneração que ela dá e a remuneração que o mercado daria por esse dinheiro) ela tira dos salários dos trabalhadores. As empregadas só têm a lamentar: serão agora obrigadas a ceder dinheiro para esse golpe financeiro do estado.

O FGTS supostamente se justifica porque os trabalhadores não poupariam por conta própria. Por que não? Os trabalhadores são perfeitamente capazes de poupar por conta própria. E para os psicologicamente incapazes de tomar essa decisão, que melhor escola de prudência do que aprender na prática? A existência do FGTS infantiliza o trabalhador, sem em nada ajudar a melhorar as supostas falhas de caráter generalizadas que visa compensar. Ao tirar de suas mãos a decisão de poupar, o FGTS garante que o bom hábito nunca será criado.

Sem falar que, em muitos casos, gastar todo o salário agora pode realmente ser a melhor decisão para um trabalhador; se ele quer um móvel ou um eletrodoméstico agora, ou se quer ir ao bar com o dinheiro que ganhou honestamente, quem negará a ele esse direito? Para gerações acostumadas a inflação alta, confisco, instabilidade institucional e irresponsabilidade fiscal, o mais razoável é mesmo gastar o máximo possível agora e não poupar; sabe lá quanto o dinheiro valerá no ano seguinte. É esse o efeito moral da intervenção do estado.

Hora Extra
O caso da hora extra é ainda mais complicado. Primeiro porque o impacto dela no custo de se contratar uma empregada é muito pesado. Segundo estimativas conservadoras, seria um aumento de pelo menos 45%. A princípio, isso não traria grandes problemas; bastaria o patrão reduzir o salário base.  Claro que essa mudança não viria sem custos; dada a baixa educação do setor, pode demorar um tempo para se difundir a informação de que, com as horas extras contabilizadas, um salário muito menor resultaria na mesma remuneração final. Muitas se negariam a trabalhar pelos novos salários antes de se dar conta disso. A difusão de informação também tem custos.

O problema maior dessa redução do salário é que em muitos casos, para manter a mesma remuneração final, empregadores teriam de reduzi-lo a um valor inferior ao salário mínimo, o que é proibido. Assim, o resultado é que o custo de se contratar uma empregada doméstica efetivamente aumentará; resultado especialmente válido para as faixas inferiores de remuneração — ou seja, para os domicílios de classe C que recentemente vêm contratando empregadas. Na margem, a demanda pelo serviço doméstico cairá. Casas ficarão mais sujas, mulheres e homens (mas especialmente mulheres) trabalharão menos fora de casa e/ou terão menos tempo de lazer; e mulheres pobres desejosas de uma oportunidade de trabalho que demande baixíssima qualificação terão mais dificuldade em encontrar um patrão. Sua pobreza será mais duradoura. Todos saem perdendo.

Esse não é o único efeito nocivo de se instituir a hora extra. A novidade modifica profundamente a relação de trabalho em si. Pois neste setor é comum que os horários sejam flexíveis, e que a remuneração não se dê precisamente pelo número de horas. Isso não quer dizer que não existam remunerações diferentes para uma empregada que fique 6 horas diárias no serviço e outra que more na casa do patrão. É bem sabido por qualquer um que queira contratar uma empregada que é preciso pagar mais por uma que se disponha a dormir na casa. É a pergunta mais básica na hora de conseguir alguém: é pra dormir? Se sim, sai mais caro (ou é mais difícil encontrar quem tope, o que redunda na mesma coisa; pois aquelas que "não podem" aceitaria dormir na casa dos patrões por um certo preço). O mercado já encontrou, portanto, soluções para remunerar o valor adicional gerado por aquelas que ficam mais tempo no serviço; e essas soluções levam em conta a flexibilidade e a fluidez inerentes à função. Em que outro trabalho há tal flexibilidade com horário de chegada e de saída, ou com saídas e ausências para resolver problemas pessoais? Com férias longas e possibilidade de se escolhê-las livremente?

Impor a hora extra é um golpe particularmente nefasto porque quebra a relação de confiança na qual o trabalho de empregada doméstica se dá: ele deixa de ser um trabalho no qual favores podem ser dados de parte a parte e se transforma numa relação calculista, num cabo de guerra em que uma parte busca tirar mais da outra dando o mínimo possível. Patrão e empregado tornam-se inimigos. A realidade das piores relações virará, aos poucos, a regra para todas. Como sempre, é via legislação trabalhista que a luta de classes — pesadelo alimentado por esquerdossauros de gabinete — vira realidade.

Lei trabalhista como criadora da luta de classes
O mecanismo que instaura essa luta é simples. Ao aumentar a remuneração obrigatória de uma função, o estado cria uma disjunção falsa na mente da maioria dos empregados: "se eu não estou recebendo tudo o que a lei demanda, ainda que eu tenha concordado plenamente com os termos do contrato, estou sendo explorado". Como o estado é dotado de uma aura mágica e onisciente na cabeça de muita gente, seus ditames são vistos como expressão de um ideal possível, de uma realidade objetiva que deveria vigorar, e que se não vigora é porque alguém está sendo canalha. O que ele não percebe é que a lei, ao alterar a remuneração legal de um determinado trabalho, não altera o valor que aquele trabalho gera.

A pergunta que fica obscurecida, mas que deveria ser feita, é: será que meu trabalho vale o quanto quero ganhar? Será que alguém estaria disposto a pagar, voluntariamente, o salário que quero receber? Se não, pode ter certeza que nenhum governo do mundo conseguirá obrigar um patrão a lhe contratar pelo que você quer ganhar; tudo que o estado consegue fazer é impedir que esse patrão lhe contrate por um valor inferior a esse, mantendo-lhe no desemprego ou na informalidade. A medida estatal destrói possibilidades de contratação sem criar nada em seu lugar.

Não se sabe ao certo se os custos ficarão, de fato, proibitivos, pois ainda não se definiu como a hora extra será calculada e remunerada no caso das empregadas. Talvez a solução encontrada para não arruinar o setor seja torná-las algo muito leve. Nesse caso, assim como em todos os outros, vale a mesma regra: a lei trabalhista, na exata medida em que deixa de ser perversa, torna-se inócua. Ela é incapaz de aumentar salários; ela pode, no melhor dos casos, proibir remunerações abaixo do que o mercado já pratica, e assim não causar grandes danos.

O valor do salário
Há um dado da economia que é muito difícil para a maioria aceitar pois temos enraizada a noção de que todo mundo merece, por desempenhar uma função qualquer, uma remuneração que o permita se sustentar com dignidade. Infelizmente, tal concepção, embora fruto de um desejo nobre, seria catastrófica se levada a sério. Pois um trabalho ajuda a sociedade a viver melhor se ele produz valor; o mero tempo ou esforço gastos, em si mesmo, não trazem benefício algum. A remuneração ao trabalhador no mercado corresponde ao valor que seu trabalho cria, e apenas isso. O valor de um determinado trabalho é determinado pela capacidade desse trabalho de ser usado, direta ou indiretamente, para satisfazer a desejos e necessidades dos demais participantes do mercado.

Quem cria valor, recebe valor. O mercado — isto é, as pessoas que transacionam umas com as outras — não remunera horas de trabalho, não remunera os ATPs gastos com atividade física, não remunera o esforço mental, e não remunera nem mesmo o mérito e a dedicação; remunera a criação de valor. Todas essas outras coisas são remuneradas apenas na medida em que ajudam na criação de valor.

Desse princípio, segue-se que, quanto mais unidades de um bem ou serviço estão disponíveis, menor é o valor de cada uma dessas unidades. Se houvesse apenas uma pessoa na cidade capaz de limpar o chão, a remuneração dela seria altíssima, pois todos disputariam seus serviços com unhas e dentes. Se houver muitas — e há, posto que essa tarefa não exige habilidades ou conhecimentos incomuns — a remuneração de cada uma será baixa, pois é uma função cuja oferta está sobrando e que, a bem da verdade, eu mesmo poderia fazer se gastasse um pouco do meu tempo de lazer.

Como os salários das domésticas têm subido
É bem sabido que vivemos em uma época de crescente escassez relativa de empregadas, e que os salários vêm, por causa disso, subindo bastante. Sobem da única maneira que salários podem subir: pelo aumento do valor gerado pela mão-de-obra. Para as condições atuais, o salário que se pagava nos anos 90 não dá mais para contratar uma empregada. A mão-de-obra brasileira é mais produtiva do que era naquela época. O comércio e os serviços em geral demandam muitas mulheres que poderiam trabalhar como domésticas. Ao mesmo tempo, muitas pessoas em ascensão econômica agora querem, elas também, contratar empregadas. "É uma questão de oferta e demanda. Se há menos trabalhadores disponíveis, o custo desse serviço cresce." Se um pesquisador do IBGE é capaz de dizer isso, o Brasil ainda tem jeito! A lei trabalhista não tem nada a ver com o aumento dos salários.

É verdade que alguns trabalhadores se privilegiam dessas leis no curto prazo: aqueles cuja remuneração estava abaixo de seu potencial, que ainda não se deram conta de que há pessoas dispostas a contratá-los por preços mais altos. Esses continuarão contratados e terão um aumento salarial. Mas pensem: a alta rotatividade do setor de domésticas, em que muitas largam um emprego pouco tempo depois por encontrar uma alternativa melhor, indica que esse problema de sub-remuneração não deve ser muito duradouro. A tendência de alta dos salários prova o meu ponto. Se os salários estão subindo, é porque os trabalhadores estão conseguindo elevar sua remuneração; ou seja, ou estão mudando de empregador ou negociando termos melhores com o mesmo empregador. 

Seja como for, sua remuneração não está encontrando obstáculos para subir e chegar a seu valor potencial.

Já os malefícios são de longo prazo, quiçá permanentes. Todos cuja produtividade é inferior à remuneração mínima exigida pela lei (que leva em conta salário mínimo e todas as demais exigências) serão, com o tempo, demitidos e/ou não encontrarão emprego. As menos instruídas, com menos experiência e com menos habilidades terão muito mais dificuldade em encontrar quem as empregue. A governanta de décadas, que cozinha maravilhosamente e basicamente gere a casa, continuará encontrando demanda: sua remuneração atualjá é maior do que o mínimo legal a ser estabelecido neste ano. Já a iniciante, analfabeta, que não sabe fritar um bife e mistura roupas brancas e coloridas na máquina, essa encontrará um mercado muito mais hostil; pois quem pagará mais de R$1.200,00/mês por seus serviços?

Sua alternativa é manter-se no setor informal, recebendo algo mais próximo de seu valor de mercado. Quem sabe, no futuro, ela consiga usar isso em sua vantagem em um processo trabalhista contra a patroa? O estado desempenha nesse caso o papel de agente corrosivo das relações de confiança das quais o mercado defende. Novamente, somos confrontados com o caráter imoralizante de sua influência.

O fim do serviço doméstico não é algo bom?
O serviço doméstico é alvo de muito preconceito nos meios esclarecidos. Não sei por quê. Ele sempre foi, e continua sendo, uma oportunidade de ascensão social para mulheres pouquíssimo qualificadas, e que não tiveram oportunidade de educação. É, inclusive, um caso muito interessante de discriminação pró-mulher; pelo menos por enquanto. Os empregadores preferem empregadas mulheres, e provavelmente só aceitariam um homem no serviço se fosse por um salário consideravelmente mais baixo. Por uma série de motivos (que podem ser reais ou fruto do preconceito, cabe a cada um decidir por si), a maioria das pessoas se sente mais à vontade deixando uma mulher cuidar de sua casa, o que envolve deixar alguém que (inicialmente) não é íntimo lidar com diversos âmbitos da intimidade dos patrões. Sendo assim, ele funciona como meio de ascensão social específico para as mulheres das classes mais pobres.

Muitos lamentam os salários baixos e o baixo grau de instrução de muitas empregadas. Mas o emprego doméstico não é a causa de nada disso; ele é parte da solução! Garanto que o leitor conhece casos de empregadas que vieram de contextos paupérrimos e cujos filhos hoje gozam de uma qualidade de vida superior à da mãe quando criança. Há até muitas empregadas que contratam empregadas e/ou diaristas para suas casas.

O valor do serviço doméstico advém da própria natureza da sociedade humana e do sistema de mercado. O valor que um membro de um domicílio de classe média gera trabalhando fora de casa é maior do que o custo de se pagar uma empregada para fazer o serviço doméstico. Ele valoriza mais o tempo de lazer do que o salário que a empregada demanda. A empregada, por outro lado, valoriza mais o salário que ganha ali do que o tempo livre que teria se não tivesse essa função; sua qualidade de vida cairia muito sem essa fonte de renda. Via de regra, tudo o mais considerado, ela ganha mais ali e tem um trabalho mais seguro e menos demandante do que em qualquer outra ocupação a que ela poderia ter acesso; a prova é que ela está lá. Quando melhores oportunidades surgirem, ela se vai.

"Mas no Primeiro Mundo esse negócio de empregada não existe!" É verdade. E essa verdade se deve a dois motivos, conforme enunciei no início do artigo: um bom e outro mau. Vejam: em países mais ricos, onde o valor criado por cada trabalhador é, em média, alto, é muito caro contratar uma empregada. Para aceitar trabalhar em uma casa, então, os trabalhadores exigirão um valor maior do que a maioria dos patrões está disposta a pagar. Esse é um desenvolvimento natural e que está, inclusive, em curso no Brasil.

Mas essa história tem também um lado mais sombrio. Afinal, bem se sabe que há uma classe baixa, tanto de imigrantes como de nativos, com baixa produtividade e com desemprego crônico morando nas periferias europeias. Ora, será que muitos profissionais de classe média alta europeus e americanos não adorariam ter empregadas domésticas como as que temos no Brasil? Arrisco que sim. Então por que todo esse desemprego? Será que os desempregados pobres se negam a desempenhar esse tipo de função "inferior"? Provavelmente. Mas eles não precisam engolir o próprio orgulho e trabalhar para sobreviver? Não.

O estado de bem-estar de países ricos garante a todos, mesmo a quem não trabalha, um padrão de vida relativamente alto, de modo que trabalhar não é mais uma necessidade. Há todo um filão do jornalismo de tabloide britânico que se dedica a expor os casos escandalosos — e também hilários — de famílias de gerações de desempregados, totalmente irresponsáveis e perdulários, cuja irresponsabilidade, ao invés de ser desestimulada, é premiada.

O Brasil, supostamente, também tem uma malha de proteção de social, só que nossos serviços e garantias estatais são ruins, o que não é uma surpresa. O estado não gera riqueza; ele apenas suga parte da riqueza produzida na sociedade. Assim, se a sociedade da qual o estado suga seus recursos for rica — isto é, se ela tiver alta concentração de capital físico e humano — então o estado poderá prover serviços generosos e de alta qualidade. Se a sociedade for pobre, o estado terá serviços precários e os benefícios por ele concedidos serão poucos. Quase todos os países pobres do mundo são welfare states, e isso não os faz menos pobres. A consequência disso para nós é que, enquanto o pobre europeu pode basicamente se recostar, o pobre brasileiro tem que se virar; quase nada está garantido para ele. E é por isso que a jovem pobre no Brasil aceita trabalhar de empregada e a jovem inglesa prefere ficar em casa e comprar um tablet. Assim, dada nossa realidade social, faz todo o sentido que mulheres com pouca formação procurem, entre outras atividades, a de empregada.

A solução do mercado
Felizmente, o mercado sempre encontra meios de burlar as ineficiências e pesos mortos criados pela intervenção estatal. Assim como, no meio empresarial, a legislação trabalhista praticamente obriga as empresas a pagar por serviços de PJ ao invés de contratar formalmente um funcionário, também no setor das domésticas vem ganhando peso a função da diarista para trabalhos específicos. Esse processo é em parte independente das leis trabalhistas: com o encarecimento da mão-de-obra, serviços especializados com tempos estritamente determinados tornam-se mais vantajosos. Não dá para pagar uma mulher para ficar o dia todo em casa, grande parte do tempo apenas de stand-by caso alguém precise de algo. Mas dá para pagar para essa mesma mulher passar uma hora produtiva dentro da casa toda semana. As leis trabalhistas, contudo, aceleram esse processo de mudança, tornando-o mais rápido do que deveria ser. Graças a elas, esse processo se dará um pouco antes de muitas mulheres terem conseguido encontrar alternativa melhor no mercado de trabalho.

Esse é provavelmente o novo paradigma ao qual os brasileiros se habituarão. Uma realidade com um pouco menos de lazer e um pouco menos de possibilidades para trabalhadoras pobres e pouco qualificadas, mas na qual, ainda assim, ambos os lados conseguem se beneficiar mutuamente.

A outra parte da solução é nossa velha e conhecida informalidade, que deve continuar a vigorar em muitos casos. É uma opção de risco para o empregador, mas que, num mercado como o das domésticas, em que a confiança pesa muito, continua fazendo sentido para muitos. Ao contrário do que se diz, não há problema absolutamente nenhum na existência do trabalho informal. O problema, como tentei mostrar, são as leis que criam a necessidade da informalidade.

Joel Pinheiro da Fonseca

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