sábado, 8 de janeiro de 2011

FROUXIDÃO ÉTICA

Editorial - Diário Catarinense, 8/1/2011

Pode ser legal que suplentes de deputados e senadores assumam cargos no mês de recesso e desfrutem de todas as benesses previstas, sem oferecer qualquer retribuição à nação. Mas é gritantemente imoral. Pode ser legal que os filhos do presidente Lula aproveitem-se de uma brecha na regra dos passaportes diplomáticos para obter a vantagem, mas é obviamente imoral. Pode ser compreensível que a presidente Dilma Rousseff mantenha relações de amizade com sua ex-auxiliar Erenice Guerra, demitida da Casa Civil durante a campanha eleitoral por chancelar um esquema de propina comandado por seu filho, mas é, no mínimo, chocante para os brasileiros que ela tenha sido convidada para a fila de abraços na posse da nova presidente da República.

Este conjunto de fatos forma apenas um dos murais de exemplos da frouxidão ética que atinge todos os poderes da República e provoca indignação nos cidadãos. No caso dos chamados “senadores de verão”, que receberão mais de R$ 100 mil para trabalhar por um mês, nenhum argumento é capaz de sustentar que tal cifra seja razoável. São parlamentares que assumirão um mandato-tampão, pela ausência dos titulares, e desfrutarão de todos os benefícios e mordomias do Congresso, como auxílio-moradia, verbas para gastar em seus estados de origem e mais R$ 23 mil em passagens aéreas, além dos salários. Por que esses congressistas e outros deputados que poderão desfrutar das mesmas concessões recebem tantas vantagens para permanecer por apenas um mês em Brasília? Porque, responderão eles mesmos, isso é legal.

É uma situação exemplar em que legalidade e moralidade se distanciam. Também pode ser sustentada juridicamente, com base em interpretações nebulosas de normas e leis, a concessão de passaportes diplomáticos a filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas não há como sustentar, do ponto de vista da correção de condutas, que familiares do ex-governante reúnam condições para merecer tratamento privilegiado. Configura-se aqui a usurpação de um benefício para que parentes de um ex-presidente possam circular pelo mundo com a mesma desenvoltura de diplomatas e ministros das altas cortes de Justiça. Há nessas situações uma clara manifestação de indiferença dos protagonistas com a justa reação a tantas afrontas.

A presença da senhora Erenice Guerra na cerimônia de posse da presidente Dilma Rousseff não se insere em nenhum caso em que a discussão se dá em torno de controvérsias legais. O que se viu, com a aparição da ex-ministra, foi constrangedor. A presença da ex-ministra da Casa Civil foi, no mínimo, embaraçosa numa cerimônia que deveria ser marcada, prioritariamente, pelo fato histórico da ascensão de uma mulher à chefia da nação.

Também é, no mínimo, desconfortável saber que outro denunciado por irregularidades, o ex-ministro José Dirceu, continua exercendo influência no governo, com aconselhamentos, indicação de nomes e lobismo. E que o principal partido da base governista, o PMDB, pratique o mais condenável exercício da política, a barganha que envolve apoio em troca de cargos, sempre com a ameaça de represálias. Testemunha-se, num início de governo, fatos comprovadores de que mesmo as melhores expectativas não são suficientes para mudar comportamentos condenáveis no núcleo do poder.

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