Manifestações
em verde e amarelo, tendo como trilha sonora o Hino Nacional, são sempre
emocionantes, mexem com a alma, remetem às Diretas-Já. Mas, depois de 30 anos
assistindo ao PT banhando o País com sua estrela, suas bandeiras vermelhas e
seu combate à corrupção, há também uma sensação de amargura, de melancolia,
quando se veem e ouvem hoje milhares ou milhões de pessoas nas ruas gritando
vigorosamente: "Fora PT, fora Lula!".
É uma pena.
O partido teve suas décadas de glórias, subiu a rampa do Planalto, alçou Lula à
condição de campeão de popularidade e capotou. Inebriados, o partido e Lula
meteram os pés pelas mãos, perderam a compostura, lambuzaram-se nos palácios,
nas estatais, nas mamatas e boquinhas. É por essas e outras que, em geral, a
alternância no poder é um princípio tão salutar.
De certa
forma, e por motivos diferentes, Lula deve agora repetir a trajetória de
Fernando Henrique Cardoso. FHC sai do inferno, Lula despenca do paraíso, e as
imagens dos dois, que se distanciaram tanto na opinião pública nos 12 anos de
PT, começam lentamente a se aproximar.
O tucano
brilhou com o Plano Real, elegeu-se duas vezes em 1.º turno e elevou
orgulhosamente o patamar do Brasil no cenário internacional, mas foi ferido por
sucessivas crises econômicas externas e crises políticas internas e acabou
atingido em cheio por um slogan capcioso: "a herança maldita", uma
mentira criada por Lula que ganhou pernas, rodou o País e se cristalizou como
verdade. O próprio PSDB escondeu o seu grande legado em três campanhas presidenciais
consecutivas.
Lula foi
aos píncaros com uma conjuntura econômica externa e interna muito favorável,
aprofundou ao máximo a inclusão social, abriu o paraíso à classe média com o
aquecimento do crédito e da demanda e iluminou o Brasil no mundo como nunca
antes se teve notícia. Mas, no submundo, produziam-se o mensalão, o petrolão,
as maracutaias do PT e, dali, emergiam sabe-se lá quantos Andrés Vargas,
Valdomiros, Erenices, Roses. A corrupção goteja, vem do alto e se espalha em
solo raso.
Tanto quanto
FHC, Lula foi ao céu e, do céu, começa a descer ao inferno. Ele e os militantes
renitentes ainda sonham com a volta por cima em 2018, mas o Datafolha apurou
que Lula perdeu 21 pontos de popularidade entre novembro de 2010 e este abril
e, pela primeira vez, se houvesse uma eleição hoje, ele perderia para o tucano
Aécio Neves. É uma guinada e tanto, considerando-se que Lula é Lula. Será que
Lula era Lula?
Na
perspectiva histórica, bem mais adiante é possível que Fernando Henrique e Lula
se acomodem em patamares mais realistas, menos passionais, com o espaço de
grandes líderes que são, sem a demonização de FHC nem endeusamento de Lula.
Ambos tiveram êxitos e fracassos, e, nem tanto ao céu nem tanto ao mar,
deixaram uma marca indelével no País. Sessenta anos depois de sua morte,
Getúlio Vargas merece uma pilha de biografias que o recolocam no patamar real
de político e homem que acertou tremendamente e errou na mesma proporção.
E a
história, com interessante rapidez, já começa a resgatar a real importância de
FHC e tende a fazer depois o mesmo com Lula, que no poder jogou os escrúpulos
às favas e passou a ver o mundo a partir do próprio umbigo, mas será para
sempre, de gerações em gerações, o menino pobre de Garanhuns, o grande líder
sindical, o encantador de massas que acreditava piamente incluir as pessoas e
preparar o futuro com geladeira, fogões e viagens.
Mas a
história tem seu tempo. Hoje, no calor de tantas emoções e tantas crises, o
sentimento das ruas é de "fora Dilma, fora PT", o que, na essência,
significa "fora Lula". Na narrativa cotidiana atual, ele é o santo de
pés de barro, derretendo com o insaciável PT e com os desastres de Dilma - que,
por essas ironias da vida e da política, nem era Lula nem era PT, mas é
decisiva para apagar do horizonte o "Lula 2018".
Eliane
Cantanhêde, O Estado de S. Paulo, 15/4/2015
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