A única
coisa sensata que Dilma Rousseff tem a fazer, do seu ponto de vista, é torcer
pela desgraça de Lula. É sua chance de sobreviver, ainda que remota. É claro
que ela sabe disso, embora seja obrigada a tolerar no Palácio do Planalto tipos
como Jaques Wagner (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), que
buscam atrelar a sorte do seu mandato ao destino do ex-presidente.
Dilma é uma
péssima gestora –e os próprios petistas, de todos os matizes, o admitem sem
cerimônia– e uma articuladora sofrível. Se "a política como a arte do
possível" é adágio que pode abrir a senda para o conformismo, o inconformismo
de Dilma transforma o impossível numa meta sempre a ser dobrada. O resultado
são desastres em série. Mas, obviamente, estúpida ela não é. A esta altura, já
percebeu que não há mais salvação para Lula.
Ainda que
ele não venha a ser atropelado tão cedo pela lei, tendo até de visitar, quem
sabe?, o xilindró, é claro que está acabado. Duas ou três vezes eu o chamei
nesta coluna, citando um poeta, de "cadáver adiado que procria". Pois
o adiamento deu lugar à precocidade. Lula morreu mais depressa do que supunham
seus adversários e seus fiéis.
Tenho
ouvido com frequência pessoas das mais variadas tendências e estratos sociais e
intelectuais a atribuir os desastres do governo Dilma à, ora vejam!,
"herança maldita" de Lula – faço uma ironia porque, é evidente, não
se recorre a esse vocabulário. Essa leitura transforma a presidente numa
espécie de vítima de seu antecessor, como se ele estivesse na raiz de todos os
desatinos cometidos nestes pouco mais de cinco anos de gestão.
A avaliação
não é de todo despropositada. Os fundamentos tortos, que depois degeneraram em
bagunça administrativa, econômica e política, vêm mesmo da sapiência divinal do
demiurgo, mas a inocência de Dilma é escandalosamente falsa. Ao contrário: ela
é culpada de ter insistido no erro com determinação cega, alheia a todas as
advertências e apelos. E o fez, entre outros motivos, para vencer uma eleição.
Ainda que
todos os desatinos da presidente fossem meramente culposos, e não acho que
tenham sido, o estelionato eleitoral é doloso. Para vencer a disputa, Dilma
flertou de maneira deliberada com o abismo. É uma pena que não possa ser
impichada também por isso.
Resta
evidente, no entanto, que há "spin doctors" a serviço do Palácio
operando para que Lula, o totem do PT, seja agora rebaixado à condição do bode
expiatório. O PT percebeu e organiza o contra-ataque. A campanha ridícula que o
partido tenta emplacar –"somos todos Lula"– busca apelar à velha
solidariedade das esquerdas, tentando arrastar também o governo em defesa
daquele que não tem salvação.
Dilma sabe
que os petistas estão furiosos com ela porque esperam que se solidarize de
forma mais enfática com Lula. Mas a governanta tem claro que já não há mais
nada a fazer. Agora é torcer para que o bode seja mandado para o deserto e lá
expie os pecados do PT. É a chance que tem a governanta de se salvar.
Cuidado,
leitor! Há uma espécie de operação "pega-Lula-e-salva-Dilma". Não é
um bom enredo. Até porque a gente morre no fim.
Reinaldo Azevedo, Folha de São Paulo, 12/2/2016
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