sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Saia logo daí, Dilma!


Eles perderam completamente a solenidade e parecem mesmo decididos a nos empurrar para a barbárie. Quando a presidente Dilma Rousseff autoriza seu ministro da Saúde a deixar o posto, ainda que por um dia, para participar da disputa pela liderança do PMDB na Câmara, não é a ordem prática das coisas que está sendo agredida. O que padece é a ordem moral.

Que diferença faz Marcelo Castro um dia a mais ou a menos combatendo os mosquitos? A aritmética nos responde: nenhuma! Aliás, ele está na categoria nada rara das pessoas que rendem o dobro se não fizerem nada. Castro pode dar corpo àquela máxima metafísica de Dilma: se a sua meta de trabalho for zero, a eficiência será dobrada. Mas não é de pragmatismo que trato aqui.

Boa parte da vida civilizada não tem importância prática nenhuma. É só decoro. Algumas das melhores conquistas da cultura não são ditadas pela necessidade, e sim pelo apuro estético, por valores subjetivos, pelo refinamento. No frigir dos ovos, somos todos primitivos e tendentes a voltar ao estado da natureza. São as escolhas ditadas pela moral e pelo gosto que nos livram da barbárie, não as determinadas pelas imposições da sobrevivência.

Mesmo os idiotas são mais suportáveis quando conhecem as regras da etiqueta. Costumam, por exemplo, falar menos, e, como diria Machado, o silêncio quase sempre é a melhor forma de afetar circunspecção.

Mas o governo Dilma e o petismo como um todo já não se importam mais com as aparências ou com o refinamento. Se a mulher de César se parece com uma vestal ou com uma rameira, que diferença faz? A única coisa que interessa é mover as peças da política para manter sequestrado o Estado brasileiro, ainda que o país vá à breca e que, ao fim, sejam os brasileiros a se danar.

Vejam o espetáculo grotesco dos milicianos lulistas às portas do Fórum da Barra Funda ou dos parlamentares petistas estabelecendo em torno do demiurgo uma espécie de cerco da impunidade.
Pedem respeito à história de Lula, acusam um grande complô, dizem que ele é vítima de setores do Estado capturados pela direita, mas não conseguem explicar, afinal de contas, por que diabos empreiteiros resolveram presenteá-lo com melhorias num sítio que não seria dele.

Na quarta (17), pouco antes de Dilma respirar aliviada com a vitória de Leonardo Picciani, a Standard & Poor's voltou a rebaixar a nota do Brasil. Na quinta (18), a bancada do PT na Câmara se reuniu para esconjurar a reforma da Previdência e definir as prioridades de 2016: afastar o impeachment e defender Lula.

Acreditem: Dilma está nos empurrado para uma crise que pode não ter precedentes.

Encerro com um trecho de "Declínio e Queda do Império Romano", de Edward Gibbon: "De todas as nossas paixões e apetites, o amor ao poder é o de natureza mais imperiosa e insociável, pois a soberba de um homem exige a submissão da multidão. No tumulto da discórdia civil, as leis da sociedade perdem a força, e o lugar delas raramente é preenchido pelas leis da humanidade. O ardor da disputa, a arrogância da vitória, o desespero do êxito, a lembrança de injúrias passadas e o temor de perigos vindouros, tudo contribui para inflamar o espírito e calar a voz da piedade. Por tais motivos, quase todas as páginas da história estão manchadas de sangue civil".


Saia logo daí, Dilma! Ainda dá tempo.

Reinaldo Azevedo, Folha de São Paulo, 19/2/2016

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