Eles
perderam completamente a solenidade e parecem mesmo decididos a nos empurrar
para a barbárie. Quando a presidente Dilma Rousseff autoriza seu ministro da
Saúde a deixar o posto, ainda que por um dia, para participar da disputa pela
liderança do PMDB na Câmara, não é a ordem prática das coisas que está sendo
agredida. O que padece é a ordem moral.
Que
diferença faz Marcelo Castro um dia a mais ou a menos combatendo os mosquitos?
A aritmética nos responde: nenhuma! Aliás, ele está na categoria nada rara das
pessoas que rendem o dobro se não fizerem nada. Castro pode dar corpo àquela
máxima metafísica de Dilma: se a sua meta de trabalho for zero, a eficiência
será dobrada. Mas não é de pragmatismo que trato aqui.
Boa
parte da vida civilizada não tem importância prática nenhuma. É só decoro.
Algumas das melhores conquistas da cultura não são ditadas pela necessidade, e
sim pelo apuro estético, por valores subjetivos, pelo refinamento. No frigir
dos ovos, somos todos primitivos e tendentes a voltar ao estado da natureza.
São as escolhas ditadas pela moral e pelo gosto que nos livram da barbárie, não
as determinadas pelas imposições da sobrevivência.
Mesmo os
idiotas são mais suportáveis quando conhecem as regras da etiqueta. Costumam,
por exemplo, falar menos, e, como diria Machado, o silêncio quase sempre é a
melhor forma de afetar circunspecção.
Mas o
governo Dilma e o petismo como um todo já não se importam mais com as
aparências ou com o refinamento. Se a mulher de César se parece com uma vestal
ou com uma rameira, que diferença faz? A única coisa que interessa é mover as
peças da política para manter sequestrado o Estado brasileiro, ainda que o país
vá à breca e que, ao fim, sejam os brasileiros a se danar.
Vejam o
espetáculo grotesco dos milicianos lulistas às portas do Fórum da Barra Funda
ou dos parlamentares petistas estabelecendo em torno do demiurgo uma espécie de
cerco da impunidade.
Pedem
respeito à história de Lula, acusam um grande complô, dizem que ele é vítima de
setores do Estado capturados pela direita, mas não conseguem explicar, afinal
de contas, por que diabos empreiteiros resolveram presenteá-lo com melhorias
num sítio que não seria dele.
Na
quarta (17), pouco antes de Dilma respirar aliviada com a vitória de Leonardo
Picciani, a Standard & Poor's voltou a rebaixar a nota do Brasil. Na quinta
(18), a bancada do PT na Câmara se reuniu para esconjurar a reforma da
Previdência e definir as prioridades de 2016: afastar o impeachment e defender
Lula.
Acreditem:
Dilma está nos empurrado para uma crise que pode não ter precedentes.
Encerro
com um trecho de "Declínio e Queda do Império Romano", de Edward
Gibbon: "De todas as nossas paixões e apetites, o amor ao poder é o de
natureza mais imperiosa e insociável, pois a soberba de um homem exige a
submissão da multidão. No tumulto da discórdia civil, as leis da sociedade
perdem a força, e o lugar delas raramente é preenchido pelas leis da
humanidade. O ardor da disputa, a arrogância da vitória, o desespero do êxito,
a lembrança de injúrias passadas e o temor de perigos vindouros, tudo contribui
para inflamar o espírito e calar a voz da piedade. Por tais motivos, quase
todas as páginas da história estão manchadas de sangue civil".
Saia
logo daí, Dilma! Ainda dá tempo.
Reinaldo Azevedo, Folha de São Paulo, 19/2/2016
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