segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Brasília e o Brasil

Editorial do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 21/2/2010

Na antevéspera do seu cinquentenário de fundação e sob a perspectiva de uma intervenção federal que lhe devolva a governabilidade, Brasília reflete um Brasil que não serve mais aos brasileiros – o país dos desmandos, do jeitinho, das mordomias e da corrupção.

Os últimos episódios políticos do Distrito Federal, que culminaram com a prisão do governador José Roberto Arruda e com a polêmica em torno de sua sucessão, só pioraram o conceito da capital da República, que já nasceu sob questionamentos e acumulou ao longo de cinco décadas os piores rótulos: abrigo para uma burocracia dispendiosa e improdutiva, concentração do pior da política nacional, reduto dos marajás do serviço público e verdadeira ilha da fantasia num país de desigualdades históricas. Será mesmo que Brasília é apenas um espinho encravado no coração do Brasil?

Sua curta história mostra que não é bem assim. Ainda que a transferência da capital do país para o Centro-Oeste tenha sido feita sob protestos da oposição da época, o sonho da integração – realizado pelo presidente Juscelino Kubitschek, com o respaldo profissional dos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer – encheu os brasileiros de orgulho (e o país de dívidas) em 1960.

Foi uma proeza sem precedentes no continente sul-americano a construção em apenas três anos de uma metrópole em cima do nada. Hoje, com uma população de 2,6 milhões de habitantes, é a quarta maior cidade, o centro do poder político do país e um dos patrimônios arquitetônicos da humanidade.

Mas o que incomoda em Brasília não é a sua arquitetura arrojada, nem seus palácios modernos, suas avenidas espaçosas, seus lagos artificiais ou suas residências funcionais.

O que a torna malvista e malfalada no restante do país é a elite política lá instalada e a estrutura burocrática que a cerca.

Desde que o país passou a ser comandado do Planalto Central, os olhos e as críticas dos brasileiros se voltaram para o Cerrado goiano e para as decisões de lá emanadas.

Precisamos, no entanto, distinguir a cidade de seus dirigentes. Não é de Brasília – e sim dos representantes políticos que desonram seus mandatos – a responsabilidade pelos desmandos, pelos conchavos, pela expropriação da coisa pública.

Estas mesmas mazelas ocorrem em outras unidades da Federação, embora estejam mais concentradas na Capital Federal em decorrência da própria organização administrativa do país.

E a origem da corrupção e das falcatruas – convém não esquecer – está no voto equivocado de quem elege por compadrio, por desinformação, por desinteresse em participar da vida política do país.

Todos nós temos responsabilidade pelo que acontece no coração do poder. Todos nós temos o dever de fiscalizar, de protestar e de excluir do nosso convívio aqueles que desvirtuam o país.

Brasília – para o bem e para o mal – é o Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...