sábado, 6 de fevereiro de 2010

Também Quero Ser Corrupto

Cacá Rosset

O espectro da corrupção ronda o Brasil.Os escândalos se sucedem, com vagalhões cada vez maiores: Coroa-Brastel, Ferrovia Norte-Sul, escândalo da Mandioca, decretos retroativos, fraudes, desvio de verbas, etc...É uma roubalheira que não acaba mais.

A família brasileira, está chocada. O cidadão comum está perplexo. As donas de casa estão em prantos. A juventude está revoltada.

Nesse agitado mar de lama, em que a ladroagem campeia desenfreada, a nação se pergunta atônita e desesperada: " onde é que vamos parar "?

Chegou a hora de acabar com tudo isso e colocar um ponto final nesses fatos vergonhosos.

A gravidade da situação exige uma medida corajosa e patriótica: é preciso legalizar a corrupção no Brasil.

Essa seria a solução simples, prática e definitiva para todos os nossos males.

Não é justo que a corrupção fique concentrada nas mãos de poucos. Faz-se necessário, redistribuir a corrupção no Brasil, aumentando a corrupção " per capita".Não é preciso nem esperar crescer o bolo da corrupção para depois dividi-lo em fatias. Ele já está enorme; vamos fatiá-lo já!

Eu que sempre cumprí com meus deveres de cidadão, também quero o meu quinhão de corrupção.

Essa idéia nasceu depois que lí na imprensa o que está acontecendo com a CPI da corrupção. No início, seu objetivo era simples: apurar a roubalheira na Secretaria do Planejamento.

O governo reagiu: e surgem denúncias de corrupção envolvendo os próprios membros da CPI. Um ministro chegou a dizer que há corruptos muito proximos do presidente José Sarney. A resposta do governo foi dizer que vai interpelar o ministro.

Eu pensava que só existia corrupção num lugar e descubro então, que está presente em toda a parte.

Pensava que o objetivo era achar os corruptos, mas não é; parece ser mais divertido acusar o adversário de ladrão e, feito isso , estamos todos em casa.

Também quero entrar nessafamilia, já que ficou impossível acusar qualquer pessoa de ser corrupta. Vendo a confusão entre CPI e o governo, parece que todos tem razão.

Um outro caso muito estranho, é o desses decretos n° 94.042 e 94.233, que reajustam os preços das empreiteiras que prestam serviços ao governo. Por um lado, pode-se dizer, esses decretostem sua razão de ser: a inflação subiu e seria errado não reajustar as contas dos empreiteiros.

Mas quando se pensa nisso, vemos o outro lado do problema, ou seja, por quê só os preços dos empreiteiros foram reajustados? Por quê os salários também não foram e ficaram congelados quando se coloca o ágio por baixo do tapete? Por quê os reajustes não são iguais aos grupos econômicos, ao pessoal do teatro, aos empregados, e os clubes de mães, ao pessoal da rua?

Talvez, os conservadores se choquem com essa medida, já que as grandes idéias, as vezes são mal recebidas numa primeira fase.

Mas uma boa campanha publicitária se encarregaria de convencer os mais refratários.

Poderiam ser usados slogans do tipo: "Corrupção é cultura" ou "Corrupção...essa onda pega" ou mesmo "Corrupção...sabendo usar, não vai faltar".

Algumas medidas práticas terão que ser tomadas para agilizar o mar de lama.

Em primeiro lugar, seria muito importante a criação do Ministério da Corrupção, que teria a função de organizar, administrar e traçar os rumos da corrupção no Brasil.

O ministério faria com que o país entrasse numa nova era, na qual a corrupção seria mais tecnológica e menos amadora.

Em segundo lugar, teria que se tornar disciplina curricular, para que as crianças de hoje, tivessem uma sólida formação para serem os corruptos de amanhã.

Um decreto do governo, tornaria a corrupção obrigatória para todos, assim como o voto, o serviço militar,e o pagamento de impostos.

Isso evitaria possíveis dúvidas ou crises existenciais, pois o cidadão não se perguntaria: " Será que tenho que me tornar um corrupto? ".

Não, o cidadão diria: " eu tenho que ser um corrupto ".

O problema atual é acabar com o favorecimento exclusivo de determinadas categorias profissionais.

Por que não estender o privilégio a outros segmentos da sociedade? Ampliemos o clientelismo. Dá cá o meu !

Que se crie o Instituto de Dois Pesos e Duas Medidas para regulamentar os casuísmos, adulterar taxímetros, aumentar a porcentagem de água no leite, de metanol no álcool combustivel, autorizar a venda de medicamentos proibídos em outros países, afrouxar o controle sobre os bancos de sangue, regulamentar a comissão do governo sobre toda e qualquer transação comercial, elevando-a dos irrisórios 10% para robustos 40% ou 50%; sem esquecer obviamente, do estabelecimento de tarifas para apoio político referente a cargos públicos de qualquer escalão.

Será necessário implementar um moderno sistema de computadores para controlar as declarações de renda , para apanhar na malha fina todos os aposentados, pequenos comerciantes e outros malandrinhos que insistam em não sonegar impostos.

Será a maior revolução política, moral e econômica de todos os tempos, um exemplo para o mundo. De minha parte, prometo que serei um corrupto aplicado e exemplar, que não pouparei esforços para o sucesso desta grande cruzada patriótica.

Cacá Rosset, é ator e diretor de teatro em São Paulo e este texto foi publicado em Maio de 1988.

Como se vê, parece que a proposta dele foi grandemente encampada pelo governo.

Um comentário:

  1. Um texto publicado em maio de 1988 é tão atual (22 anos depois) quanto a imoralidade da maioria dos nossos políticos. Depois da criação da compra de votos em 48 parcelas, não acredito que nosso país vá se transformar em algo civilizado.
    Como dizem alguns amigos: "Eu não devia ter voltado!".
    E agora?? não tenho a menor idéia do que fazer.

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