sábado, 9 de outubro de 2010

O Erro Foi o Salto Alto . . .

Do blog "Brasília Em Dia"

Niccolò Machiavelli, teórico da ciência política (Florença, 1469-1527), apesar de toda sua experiência com o poder, ignorou o que aconteceria muitos séculos depois: o salto alto. Qualquer que seja o nome que se dê a ele – soberba, sensação de superioridade, desprezo pelos outros, etc. –, o certo é que o salto alto já derrubou muitas carreiras políticas. Geralmente, de pessoas que se deixaram levar pela vaidade, envolvidas pela certeza da vitória, o que as fez subestimar os adversários. Nesse sentido, nada é mais letal para um político do que a proximidade dos áulicos, que fazem de tudo para incensar os poderosos ou os candidatos a conquistar o poder. No Brasil, tal prática vem desde a monarquia, principalmente quando D. João VI se instalou no país para ficar bem longe da Europa, a fim de fugir de Napoleão Bonaparte.

Depois da monarquia, na vida republicana, João Pinheiro, que assumiu a presidência de Minas, em cargo equivalente ao de um governador, no dia da sua posse foi advertido por um compadre do interior, que foi até ele só para preveni-lo: “Compadre, vim pedir-lhe uma única coisa: cuidado com esses tais de puxa-sacos. São perigosos e não são amigos, pelo contrário: só pretendem obter vantagem”. João Pinheiro ouviu-o atentamente e, logo depois, procurou tranquilizá-lo: “Uai, compadre, deixe comigo. Eles não terão vez!”.

Alguns dias depois, ele enviava um telegrama para o compadre, com um texto curto, mas muito abrangente: “Eles apareceram pt Eu estou gostando!”. Mesmo assim, a velha e inteligente raposa da política mineira se deixou sucumbir pela magia dos áulicos, que são imbatíveis na arte de seduzir os poderosos, para abandoná-los depois que conquistaram tudo na arte da vassalagem. Daí para o salto alto é rápido, porque os áulicos têm o dom de massagear o ego de quem tem o poder ou está na expectativa de conquistá-lo, uma presa fácil, sem dúvida, para os seus projetos.

A candidata do PT, Dilma Rousseff – ao tomar conhecimento de uma pesquisa do instituto Datafolha, segundo a qual havia a possibilidade de ela vencer no primeiro turno, com 47% dos votos, contra 30% de José Serra –, afirmou de forma muito clara que “pesquisa não ganha eleição”. Todavia, segundo admitem até mesmo alguns companheiros de Dilma, ela – que jamais havia disputado uma campanha eleitoral e até então parecia estar imune ao salto alto – não conseguiu resistir ao clima do já-ganhou, certamente estimulado pelos bajuladores de plantão, de olho no futuro governo.

Não é de hoje, nem para o PT nem para a oposição, que os áulicos agem, seja na esquerda, seja na direita, pois o que lhes importa é ser favorecidos pelas benesses do poder, sem compromisso com nenhum. Há exatamente quatro anos, Valter Pomar, historiador e secretário de Relações Exteriores do PT, já alertava os companheiros para os riscos de o partido, entusiasmado com o favoritismo de Lula nas eleições de 2006, ter uma recaída e voltar a subestimar os seus adversários na disputa pelo segundo mandato. O risco do salto alto não se limitou, naquele ano, apenas ao retorno da figura do “Lulinha, paz e amor”.

Prevalece uma convicção na política de que, quando se está no alto ou na frente, não se deve desprezar o adversário, sob pena de escorregar e perder o controle da situação.

Dilma – que não é apenas iniciante em campanha eleitoral, mas convive também com a carga emocional de disputar o cargo mais importante do país, só depois que emergiram os escândalos na Casa Civil, tendo Erenice Guerra, seus filhos, seu marido e agregados como protagonistas, trazendo à tona um propinoduto que parecia não ter mais fim – colocou bem firme os dois pés no chão, para evitar o salto alto, que já causou muitas perdas e danos na vida pública brasileira. Na véspera do primeiro turno, por exemplo, durante um compromisso de campanha na região do ABC paulista, ela evitou o clima do já-ganhou, que prevalecia aonde ela chegava.

“Ninguém está preparando festa nenhuma. Temos muito respeito pelo processo eleitoral”, afirmou no sábado. Mas ocorre que a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal tinha protocolado uma solicitação de reforço policial para uma comemoração pela sua vitória na corrida pela faixa presidencial. Para não prevalecer qualquer dúvida, o pedido, transmitido na sexta-feira, tinha em destaque o timbre do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), um órgão da Presidência da República, para reforço de segurança na Esplanada dos Ministérios a partir das 19 horas, ou seja, duas horas depois do fim da votação, para caso se confirmasse sua vitória já no primeiro turno.

Prevalece a convicção de que a perda de pontos da candidata do PT começou depois do escândalo na Casa Civil, antes ocupada pela candidata, que foi substituída por Erenice. Além disso, a queda de popularidade pareceu tomar uma direção irreversível quando o presidente Lula passou a fazer discursos combatendo a liberdade de imprensa. A atitude do presidente, que ameaçou derrotar alguns jornais e revistas que estariam se comportando como partidos políticos, levou a sociedade brasileira a se manifestar em defesa da imprensa.

A certeza do segundo turno, que não estava previsto para o PT, nem para Dilma, levou a candidata a realizar uma reflexão necessária, seguida de uma ação e de uma reação. Na segunda-feira, o “day after” para os petistas, a presidenciável convocou os governadores e sena-dores eleitos para mudar completamente o jogo, longe do salto alto que prevaleceu nos primeiros meses, quando as pesquisas revelavam seu favoritismo junto ao eleitorado. Preferência que, aliás, contou muito com o empenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cacifou a candidatura do alto do seu prestígio político e do altíssimo percentual de aprovação popular.

Um dos pontos principais seria, de imediato, motivar a militância, que não repetiu a performance das campanhas anteriores, com a onda vermelha envolvendo o país. Além disso, a candidata concluiu que será necessário reconquistar os votos dos evangélicos e dos católicos, que debandaram quando passou a correr pelo ciberespaço da internet que Dilma seria a favor do aborto. De igual forma, disseminou-se como vírus virtual a frase, atribuída a ela, de que “nem Jesus evitará a vitória”, considerada uma blasfêmia. Por causa da falta de comunicação, estes fatores combinados, seguramente, levaram a petista a perder os votos suficientes que assegurariam sua eleição já no primeiro turno.

Na reunião da segunda-feira, Dilma ressaltou que só percebeu essa situação muito tarde, mas asseverou que era tempo de reagir. Para isso, ela recrutou aliados que, na reta final do primeiro turno, advertiram a cúpula do PT de que a demonização de Dilma simplesmente ganhava espaço em todo o país. Na mesma época, Marina Silva conquistava mais simpatizantes e, nas igrejas católicas, padres conservadores orientavam seus fiéis a não votar na petista. Mas Dilma sabe que não será fácil mudar a convicção de católicos e evangélicos que consolidaram essa impressão sobre ela.

Político experiente, Tarso Genro, eleito para governar o Rio Grande do Sul, depois de participar da reunião em Brasília, não demonstrou segurança de que a estratégia que estava sendo montada teria ou não resultado para reverter o favoritismo da candidata petista. “Não sei se os ataques vão cessar. Foi uma estratégia bem montada pelo PSDB, com seus apoiadores na grande mídia”.

Não será fácil, principalmente porque a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) decidiu que continuará combatendo o aborto, inclusive lançando a campanha “Em Defesa da Vida”, que será divulgada para todo o país. A iniciativa conta com reforço do site da Pastoral Familiar, segundo o qual “diante de tantas ameaças que atualmente a vida vem sofrendo, é nossa missão reafirmar sua importância inestimável”. Também as paróquias foram orientadas a organizar atividades para homens públicos, como vereadores, deputados, prefeitos, governadores, com o propósito de difundir as “leis a favor da vida e da saúde pública”.

Socorrendo o PT, Gabriel Chalita (PSB), segundo candidato a deputado federal mais votado em São Paulo, eleito com 560 mil votos, se alistou como voluntário, colocando a favor da causa de Dilma o seu relacionamento com a ala carismática da Igreja Católica. “Eu me empenharei pessoalmente nisso. Não é só uma defesa da Dilma, mas da maturidade no debate político”, ressaltou Chalita. O aparente desinteresse de seu gesto perde força, porque ele está ambicionando sua convocação para ser ministro da Educação em um eventual governo de Dilma Rousseff, o que descaracteriza sua imparcialidade.

Na terça-feira, o presidente Lula reuniu todos os correligionários de fé, no Palácio da Alvorada, para analisar as perdas e os danos do primeiro turno e para também montar uma estratégia para o turno decisivo, com a participação de governadores, senadores e deputados. Ele sugeriu que, a 26 dias das eleições, era preciso avaliar os erros e como não repeti-los na reta decisiva, do tudo ou nada. O salto alto, sem dúvida, foi o vilão na derrota parcial. Na verdade, o clima do já-ganhou foi tanto que o PT chegou a ponto de organizar, com detalhes, a festa da vitória de Dilma Rousseff.

O salto alto chegou até a cabeça do mais importante e contagiou todos os governistas, com o presidente empenhado em acertos de contas com adversários, ao mesmo tempo em que entrava em rota de colisão com a imprensa, radicalizando como uma metralhadora giratória. Durante o encontro da terça-feira, lógico que o próprio Lula teve de ouvir críticas à sua postura durante a campanha, principalmente à sua incontinência verbal, que foi interpretada pelo cidadão comum, que votaria na legenda dele, como arrogância, fazendo muitos votos migrarem para Marina Silva ou José Serra.

Descalçando o salto alto e optando pela sandália da humildade, o mentor da candidatura de Dilma admitiu: “Em alguns estados, fui duro, forcei o discurso”. Ele ouviu também o líder da bancada do PMDB na Câmara, Eduardo Alves (RN), que não mediu palavras para afirmar o que pensava: “A gente tem que ganhar a eleição. É jogar o salto alto e a blindagem em torno da candidata na lata do lixo. Agora, é usar as sandálias Havaianas”.

No dia anterior, na segunda-feira, procurando ainda descobrir a caixa-preta do desastre eleitoral no domingo passado, Dilma ouviu a análise de alguns conselheiros, como os governadores reeleitos Eduardo Campos (PSB-PE) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), além do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), cujas presenças foram reforçadas pelo presidente Lula, que chegou depois de iniciado o debate informal. O diagnóstico formulado pelo pernambucano foi assimilado por todos, principalmente quando concluiu que os votos obtidos por Marina Silva foram como se os eleitores estivessem lhes dando “uma certa lição”.

Eduardo Campos, diante de uma plateia atenta, até fundamentou a sua tese: “O Brasil vai ter neste segundo turno um Lula mais paz e amor, vocês vão ver. O que temos que fazer agora é conversar com os eleitores de Marina, porque muitos eleitores entenderam que era preciso dar uma certa lição e não nos dar a vitória em primeiro turno. Muitos até com quem conversei disseram que têm até um arrependimento, porque viabilizaram o segundo turno”.

Sem a arrogância de antes do susto que teve no domingo, Lula – somando ideias com os conselheiros e amigos que se reuniram com ele na terça-feira – definiu alguns pontos estratégicos para o segundo turno. A agenda religiosa, por exemplo, como também a polêmica sobre o aborto simplesmente seriam “deletadas”, com rigor e imediatamente. Ele até concorda que a oposição procure provocar o debate sobre o tema, mas aconselhou que não deixasse que o assunto tomasse todo o espaço, o que levaria a eleição para um plebiscito informal.

Diante de todo o estrago contabilizado politicamente (quem diria?), o próprio Lula sugeriu que a candidata lançasse uma ponte em direção à imprensa, conselho que veio logo dele, que tudo fez para dinamitá-la.

Demonstrando que sabem agir e reagir, ao contrário do que seus adversários falavam no primeiro turno, os tucanos promoveram em Brasília, na quarta-feira, um ato de campanha com as suas principais lideranças, com o próprio José Serra esbanjando otimismo. Fernando Henrique, antes esquecido, passou a ser citado pelo próprio candidato, que anteriormente evitava até mesmo mencionar o seu nome. Essa mudança ocorreu depois de uma conversa que o presidenciável teve com Aécio Neves, ao afirmar que o governo Lula não teria o sucesso que obteve sem as conquistas deixadas pelos antecessores.

Com o dever de casa feito, José Serra, em seu discurso, lembrou que Itamar Franco deu a cobertura para o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, lançar as bases do Plano Real. “O real é do Itamar, do Fernando Henrique. O real eliminou a nuvem de poeira quente que sufocava o país. Porque a gente sabe que quem paga o pato pela inflação são os pobres”. Logo depois, o próprio Aécio Neves afirmou que defender a privatização deveria ser a primeira atitude da nova fase da campanha e que não se deveria ter vergonha de falar sobre o tema. “Devemos defender isso com altivez e iniciar o segundo turno falando dele”.

O governador eleito de Minas Gerais manifestou a convicção de que o governo Lula teria aparelhado a máquina pública e até argumentou por que: “Uma campanha [da Dilma Rousseff] que se baseou no “nós contra eles”. Primeiro, pelo aparelhamento da máquina. A campanha do Serra vai dizer: o Brasil somos todos nós. Não queremos mais um governo a serviço do aparelhamento da máquina”.

Itamar Franco, já na condição de senador eleito, fez críticas a Lula e Dilma em seu discurso, além de fazer observações sobre o comportamento de José Serra, no estilo pão, pão, queijo, queijo. O político mineiro sugeriu que eles tivessem cautela diante dos mais otimistas, quando afirmam que o tucano já está com tudo para ser o sucessor: “Se não enfrentarmos, se ficarmos falando só na nossa biografia, se não mudarmos o nosso discurso [não seremos vitoriosos] (...). O segundo turno é uma nova eleição. Temos que corrigir erros e aferir a nossa bússola”. Ele fez uma pausa e depois acrescentou, com mais ênfase: “Seja mais Serra, seja mais o senhor do que o marqueteiro. Vossa Excelência tem uma vida limpa. Não precisamos esconder quem quer que seja do nosso lado. O povo quer saber o que pensamos, qual o pensamento dos problemas estruturais. Ninguém inventou o Brasil. Se não, teríamos de chegar à conclusão de que quem abriu os portos do Brasil não foi dom João VI, mas sim o presidente Lula”.

Quem também levou chicotadas com raio laser do presidente nacional do seu partido, Roberto Freire, foi o deputado Ciro Gomes (PSB-CE). Freire criticou a escolha de Ciro, feita por Lula e Dilma, para que o político cearense seja um dos coordenadores da campanha petista: “Ciro vai coordenar um ajuntamento de assaltantes? Pois é assim que ele se referiu ao PMDB. Como fica o PMDB nisso? O Ciro tem dificuldades para coordenar a própria campanha, imagine a dos outros. Posso falar por experiência própria, quando fizemos a campanha de 2002”.

O próprio presidente Lula, por sua vez, fez o dever de casa para Dilma. O presidente começou por convocar a militância e os aliados. Em seguida, fez esforços no sentido de reajustar a imagem da candidata, a fim de que ela pareça mais simpática, sem que fique demasiadamente monitorada pelo marketing da campanha. Para Lula, ela deve estar com mais naturalidade. O ponto mais sensível para o segundo turno também entrou na lista da candidata, que é o tema do aborto. O presidente acredita que ela deve ter todo o cuidado para não dar força ao debate, porque ela só tem a perder se falar sobre o assunto, que contribuiu muito para que ela fosse ao segundo turno.

Quem retornou à mídia, na quarta-feira, foi a candidata derrotada do PV, Marina Silva. Em uma reunião com os aliados, em São Paulo, ela criticou alguns dirigentes de seu partido que estão na expectativa de conquistar cargos no governo federal. Para ela, uma eventual negociação nesse sentido, para o segundo turno, significaria “se apequenar”. Marina mostrou-se determinada: “Quatro ministérios para o PV... Caramba! Do jeito que tem gente aí, basta pensar num conselho estatal. Já estaria bom. Certo? Tem esse tipo de mentalidade”.

Também Dilma já começou a ter problemas com os principais líderes do PMDB, que se reuniram na quarta-feira, em Brasília, para que chegassem a uma definição sobre como irão compartilhar o plano de poder. O líder da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), afirmou que o partido não aceita a história de eleição para um só partido: “Ou ganhamos juntos ou perdem aqueles que se julgam donos dos votos porque governam”.

Dilma que se prepare para perder muitas noites de sono a partir de agora.

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