Plataforma P-36, da Petrobras, afundando. |
Corrupção e má gerência deixaram em agonia o projeto mais ambicioso dos governos Lula e Dilma. Na Sete Brasil há algo insólito: conseguiram desmoralizar o ‘conteúdo nacional’
Um
legado de corrupção e má gerência deixou em agonia o projeto industrial mais
ambicioso dos governos Lula e Dilma Rousseff: um empreendimento de US$ 89
bilhões (R$ 240,3 bilhões) para construção e operação de 23 navios-sonda e seis
plataformas vitais à Petrobras na exploração da camada pré-sal.
Lula
mobilizou empresários com o privilégio da reserva de mercado. Uniu a mão
invisível do Estado à calculadora do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual.
O
presidente recebeu a confirmação do nascimento da Sete Brasil na quarta-feira
22 de dezembro de 2010, uma semana antes de passar a faixa presidencial a Dilma
Rousseff.
A
reunião inaugural aconteceu no número 228 da Praia de Botafogo, no Rio, sob o
comando de João Carlos de Medeiros Ferraz e Pedro José Barusco Filho, saídos da
estatal de petróleo. Era um conglomerado com mais de três dezenas de
subsidiárias e um só ativo (29 contratos) — tudo com um único cliente, a
Petrobras.
Oficialmente,
o grupo é privado, controlado pelo fundo FIP-Sondas (95%) e Petrobras (5%).
Na vida
real não é bem assim. O governo determinou a fundos de pensão (Previ, Petros,
Funcef e Valia) que comprassem metade do FIP-Sondas. Junto com a Petrobras têm
59% das cotas.
O BTG de
Esteves lidera o bloco privado (com 20%), seguido pelo Bradesco e Santander
(12%, somados). O restante (9%) está fracionado entre EIG Global , Lakeshore e
Luce Venture Capital.
Antes de
fechar seu primeiro balanço, em 2011, a Sete Brasil já acumulava US$ 75 bilhões
(R$ 202,5 bilhões) em contratos com a Petrobras. Para cada um criou uma
sociedade com grupos nacionais (Camargo Correa, Engevix, Queiroz Galvão,
Odebrecht, UTC e OAS) e asiáticos (Keppel Fels, Jurong, Kawasaki e Cosco).
A
Petrobras topou pagar US$ 720 milhões (R$ 1,4 bilhão) por cada sonda. E mais
US$ 500 mil (R$ 1,3 milhão) por diária de operação.
Tudo
acertado, no final de 2011 os principais executivos, João Carlos Ferraz
(presidente) e Barusco Filho (diretor financeiro), desembarcaram em Milão para
jantar com gerentes do Banco Cramer, de Lugano (Suíça). Com eles estava Renato
Duque, diretor de Serviços da Petrobras.
Quem os
ajudou foi Julio Camargo, que já intermediava-lhes propinas da OAS, Setal e
Toyo Engeneering (Japão). Depois, uniu-se ao grupo Eduardo Musa, também diretor
da Sete Brasil.
No seu
último balanço, de 2013, a Sete Brasil revelou dívidas não pagas de US$ 3,1
bilhões (R$ 8,5 bilhões). Indicou promessas de US$ 4,1 bilhões (R$ 11,2
bilhões) do BNDES, que exigia vários documentos. Auditores anotaram: “A
situação indica uma incerteza material que pode suscitar dúvidas significativas
sobre a continuidade operacional da companhia.”
Na
semana passada, 19 meses depois, a empresa ainda negociava a documentação com o
banco estatal, quando se tornou pública parte da confissão de Barusco sobre US$
97 milhões (R$ 261,9 milhões) em subornos que ele e outros receberam.
A lenta
agonia da Sete Brasil deixa transparecer algo insólito: conseguiram
desmoralizar até o “conteúdo nacional".
O que
era construção dissipa-se na poeira da ruína. E uma nova conta vai sobrar para
os cofres públicos, via Petrobras e fundos de pensão estatais.
José Casado
- O Globo, 10/02/2015
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