Um erro e
um acerto neste instante em que compõe a delicada costura da equipe ministerial
de um governo anunciado, mas ainda apenas cogitado, mostram que o quase
presidente Michel Temer vai precisar de boas doses de juízo e sorte, se vier
mesmo a ocupar a presidência da República semana que vem. Para começar, ele
está sendo posto à prova na hora de escolher quem chefiará as pastas da Justiça
e da Fazenda, que mais merecem atenção e preocupação da população brasileira,
assolada pelas mais destrutivas crises moral, política e econômica da História.
Antes de
nomear o ministro da Justiça, já se pode deduzir que sorte não lhe faltou
quando lhe foi dada a oportunidade de desistir da primeira indicação ao posto
que tem de enfrentar o descompasso entre a paixão das massas e o medo de seus
representantes. De um ministro equilibrado, isento e competente depende o
destino, de um lado, da Operação Lava Jato, que devassa o espetacular escândalo
de corrupção que assola a República, reunindo Santo André, Mensalão e Petrolão.
E, de outro, de elites políticas e empresariais que gestaram e geriram um
propinoduto inimaginável, praticado no superfaturamento de obras e tenebrosas
transações contábeis. E que, saindo de uma antiga prática maligna existente
desde sempre e em todo lugar, ultrapassaram todos os limites da usura e da
indecência.
Professor
de Direito Constitucional, advogado com longa prática e político de experiência
sabida com habilidade notória, Temer encontrou na mesa que divide semanalmente
em bons restaurantes de São Paulo o nome indicado para ajudá-lo na caminhada
sobre um piso de ovos em brasa. Ocorreu-lhe um dos amigos mais próximos com a
vantagem aparente de também ser um advogado respeitado pela competência como
age no exercício de uma profissão que exige talento, conhecimento de causa e
prática de ofício. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira dispõe de ótimo currículo
para assumir o posto e a missão. O problema é que parece lhe faltar a
temperança exigida, como demonstrou ao exibir a sede com que foi ao pote ao dar
entrevistas que o queimaram, a ponto de excluí-lo da lista de preferências do
amigo prestes a ocupar o posto mais poderoso da República. Pelo visto,
faltou-lhe calma para esperar a poeira assentar antes de se apresentar
sofregamente ao distinto público. E, em segundo lugar, não parece ter tato
diplomático para cuidar da loja de louças que se configura a Polícia Federal
(PF), que ficaria sob sua batuta.
O preferido
de Temer para o Ministério da Justiça tornou-se inviável para o cargo antes
sequer de ser cogitado pelo amigo. Isso ocorreu quando participou de um grupo de
ilustres e bem remunerados advogados, que defendem os próprios interesses e os
de seus abastados clientes E que se mostraram cegos e surdos à necessidade que
o país sente e a massa reconhece, a ponto de se apaixonar, de debelar a velha
impunidade, raiz de todos os males da política e da economia nesta República
combalida. O manifesto dos “juristas” contra a Operação Lava Jato partiu de
duas premissas equivocadas. A primeira é que nem todo criminalista é
necessariamente um respeitável jurista. E a segunda, que os excelentes e
aplaudidos resultados da devassa da PF, do Ministério Público Federal (MPF) e
do juiz federal do Paraná Sergio Moro na maior roubalheira de todos os tempos
no país, quiçá do mundo, não devem ser tratados como lana caprina por um chefe de
governo que substitui a desvairada chefona de um desgoverno caindo sob o peso
de denúncias na tal devassa.
Temer errou
ao calcular mal o passo, dando-o na direção errada da amizade e, com isso,
esquecendo-se daquela frase famosa de Charles de Gaulle, segundo a qual “a
maior virtude de um estadista é a ingratidão”. Nas entrevistas que deu aos
jornais, Mariz de Oliveira nada disse que já não tivesse dito antes. Mas só
isso já foi o suficiente para que a tempestade desabasse sobre sua cabeça. E
bastou para seu nome ser riscado do rol dos preferidos do futuro chefe do
governo. Este mostrou juízo ao perceber que foi uma sorte grande ter sido posto
diante da inviabilidade do indicado para a missão que imaginava lhe dar. Ao
preferir evitar a tempestade anunciada a enfrentá-la, Temer mostrou que tem
juízo. “Errar é humano”, diziam os fundadores do Direito romano. “Mas insistir
no erro é diabólico”.
O grave, no
caso, é que Temer parecia não ter percebido que repetiria o erro em sequência
que Dilma Rousseff, sua antiga parceira de palanque e atual inimiga figadal,
cometeu nos últimos dias ao tentar substituir seu agora advogado-geral da
União, José Eduardo Cardozo, que era ministro da Justiça. Ela nomeou dois
procuradores da República e teve de jogar o primeiro, Wellington César de Lima
e Silva, ao mar. Mas manteve o segundo, Eugênio Aragão, aos trancos e
barrancos, com o pescoço sob a lâmina afiada da espada de Dâmocles de uma
contestação judicial no Supremo. A contestação às nomeações infelizes da
presidente provisória é que ambos são promotores de carreira. A nomeação é
proibida pela Constituição vigente. Não por implicância dos constituintes, mas
pela evidência de que, sendo parte, o Ministério Público não é a carreira
adequada em que presidentes possam escolher chefes da pasta encarregada de
julgar qual dessas partes tem razão. A Constituição não proíbe que
criminalistas ocupem o Ministério da Justiça, mas a boa razão não aconselha
essa iniciativa, de vez que estes, principalmente os mais notáveis, caso de
Mariz, empenham seu talento e seu prestígio para defender clientes acusados de
corrupção pesada. É algo similar ao ocorrido com o criminalista favorito de
Lula da Silva, Márcio Thomaz Bastos, competente defensor dele e de seus
comparsas, mas inadequado ministro da Justiça para a nação, exatamente quando
mais esta precisa de um.
Juízo e
sorte Temer ainda mostrou ter no acerto: quando, diante da farta oferta de
economistas, escolheu e convidará, assim que puder, o mais indicado de todos.
Henrique Meirelles tem origem tucana, foi presidente de uma grande instituição
bancária internacional e comandou o Banco Central nos governos de Luiz Inácio
Lula da Silva, principal prócer do Partido dos Trabalhadores (PT). Para
completar, este o indicou insistentemente para o Ministério da Fazenda na
sucessão de Guido Mantega, na virada do primeiro para o segundo governo de sua
pupila Dilma Rousseff.
Mariz é o
conviva que não o ajudaria na administração. Meirelles, o favorito do principal
adversário a enfrentar no eventual governo. Este, sim, conforme tudo indica,
terá autoridade, legitimidade e competência para tocar o barco no mar revolto
em que tentará comandar nosso pedalinho sem rumo. Com as bênçãos do mercado
interno e a melhor reputação no externo, o membro do Partido Social Democrático,
de Gilberto Kassab, definido por este como “nem de direita, nem de centro, nem
de esquerda”, é pule de dez para a corrida de obstáculos em busca do prêmio
maior, o da confiança e da credibilidade dos grandes investidores
internacionais. Temer teve juízo ao nomeá-lo e sorte porque ele lhe disse sim.
Constatados
o juízo e a sorte do futuro chefe do governo, resta-nos contar que produzam
efeitos positivos para desanuviar o clima pesado que contamina o ar. Disso
dependerão a sorte do povo e o juízo dos colegas de Temer no Congresso.
José Nêumanne, 3/3/2016
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