Valem mais
do que palavras as imagens do homem que estava atrás de Dilma Rousseff, na
ensolarada manhã de quinta-feira em que ela cometia a temeridade de falar de
improviso aos manifestantes reunidos diante do Palácio do Planalto para prestar
solidariedade à presidente que acabava de ser afastada. As fotos estampadas em
todos os jornais, de um homem tristonho, abatido, desanimado, a cofiar o bigode
com o pensamento provavelmente perdido em reminiscências de mais de 15 anos,
podem ser interpretadas numa singela legenda de três palavras: “Se
arrependimento matasse...”
Era ele o
responsável original pelo desastre econômico, político, social e moral que
resultou no afastamento constitucional da mais incompetente e contestada
presidente da história da República. Chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. Mais
de dois anos antes de concluir seu segundo mandato, Lula passou a dedicar-se à
escolha monocrática de seu sucessor. Inebriado pelo status quase divino que
naquele momento lhe era atribuído, Lula tinha em mente alguém que preenchesse
pelo menos dois pré-requisitos indispensáveis.
Primeiro:
não representar ameaça a sua liderança. Um sucessor que aceitasse a missão de
tomar conta da cadeira presidencial por quatro anos, já que estava escrito nas
estrelas que em 2014 o Grande Chefe retornaria triunfalmente ao Palácio do
Planalto. O segundo requisito era mais sensato: o candidato à Presidência
deveria ter inegáveis qualidades de administrador, já que o manejo da política
ficaria, é claro, por conta do próprio Lula. Deu Dilma Rousseff, a “gerentona”,
apresentada como uma lutadora rigorosamente honesta e devotada a servir o povo.
E ainda oferecia a inédita vantagem: se eleita, seria a primeira mulher
presidente da República.
Lula não se
deu ao trabalho de consultar ninguém, e quando o fez cumpriu apenas mera
formalidade. Ignorou a resistência do petismo à indicação de uma candidata
oriunda do brizolismo e sem forte tradição de militância no partido, já
conhecida por ter um temperamento difícil, autoritário, expresso pela maneira
rude como tratava pares e subordinados. Lula manteve-se irredutível. Sabia que
tinha prestígio suficiente para eleger, como dizia, um poste e o pleito seria,
portanto, outra formalidade.
Mas bastou
Dilma vestir a faixa de presidente para o projeto lulopetista de perpetuação no
poder começar a dar com os burros n’água. A troca do pragmatismo populista de
Lula pela autossuficiência dogmática de Dilma abriu espaço para os defensores
da “nova matriz econômica”, que haviam obtido resultados positivos com as
medidas anticíclicas pontuais de combate aos efeitos da crise mundial de 2009.
Sob Dilma, a “nova matriz” passou a ser um programa de governo pautado pelo
fortalecimento da intervenção do Estado na economia.
Exemplos
disso foram as tentativas erráticas de induzir com incentivos e desonerações
arbitrárias o crescimento de grupos nacionais escolhidos a dedo – os tais
“campeões”. Em nome da “defesa dos interesses nacionais”, impôs restrições à
participação do capital estrangeiro em empreendimentos públicos.
Paralelamente,
permitiu que se ampliasse a farra com dinheiro público na tentativa de
estimular a produção de bens não pelo apoio à atividade industrial, mas pela
concessão de crédito farto aos consumidores. Essa medida foi a alegria do povo,
até que este se descobriu endividado até o pescoço. Então, o crédito farto
revelou-se também incapaz de sustentar a produção e de evitar o sucateamento da
indústria.
Do ponto de
vista político, a soberba e a prepotência de Dilma selaram o destino do governo
petista já no começo do segundo mandato, quando ela tentou alijar o PMDB, o seu
maior aliado, do comando do Parlamento.
O
coroamento da obra veio com a violação ostensiva das leis de responsabilidade
fiscal e orçamentária e o julgamento que poderá resultar na cassação do mandato
de Dilma e no desprestígio fatal do PT.
Era o autor
dessa façanha, o tal criador de postes, que cofiava o bigode atrás de Dilma,
com expressão de réu arrependido.
O Estado de São Paulo, 15/5/2016
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