SÃO
PAULO - Como se estivesse em um confessionário, o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva abriu o coração a um seleto grupo de padres e dirigentes de
entidades religiosas no auditório de seu instituto, quinta-feira 18/6, em São
Paulo. Em tom de desabafo, criticou duramente a presidente Dilma Rousseff e
creditou ao governo dela, sobretudo no segundo mandato, a crise vivida pelos
petistas. Para Lula, a taxa de aprovação da companheira está no “volume morto”,
numa referência à situação hídrica paulista, e, com o silêncio do Planalto, o
“governo parece um governo de mudos”. O ex-presidente admitiu ainda que é “um
sacrifício” convencer sua sucessora a viajar pelo país e defender sua gestão.
—
Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto, e eu estou no
volume morto. Todos estão numa situação muito ruim. E olha que o PT ainda é o
melhor partido. Estamos perdendo para nós mesmos — disse Lula.
Para
ilustrar a profundidade do poço em que se meteu o PT, Lula citou uma pesquisa
interna do partido, que revela que a crise se instalou no coração da legenda, o
ABC Paulista. Muito rouco, o ex-presidente dizia coisas como “o momento não
está bom” e “o momento é difícil”.
—
Acabamos de fazer uma pesquisa em Santo André e São Bernardo, e a nossa
rejeição chega a 75%. Entreguei a pesquisa para Dilma, em que nós só temos 7%
de bom e ótimo — disse Lula aos religiosos.
Ele
afirmou ter dito à presidente: “Isso não é para você desanimar, não. Isso é
para você saber que a gente tem de mudar, que a gente pode se recuperar. E
entre o PT, entre eu e você, quem tem mais capacidade de se recuperar é o
governo, porque tem iniciativa, tem recurso, tem uma máquina poderosa para
poder falar, executar, inaugurar”.
Na
mesa, os mais de 30 participantes do encontro, entre eles o bispo dom Pedro
Luiz Stringhini, não deram trégua ao ex-presidente. Sobraram críticas para o
PT, o governo, o próprio Lula e seu pupilo, o prefeito de São Paulo, Fernando
Haddad. Os religiosos defenderam que o partido volte à antiga liturgia e se
aproxime mais dos trabalhadores.
Lula
concordou com a tese, dizendo que os petistas trocaram a discussão da política
pela do mandato.
A
reunião faz parte da estratégia do partido de tentar se reaproximar de sua base
social. O interlocutor da ala religiosa é o ex-ministro Gilberto Carvalho,
mencionado diversas vezes por Lula, em seu discurso de mais de 50 minutos, para
exemplificar como o governo Dilma perdeu o contato com os movimentos sociais.
Lula cobrou da presidente, e tem feito isso em outras reuniões reservadas, uma
agenda positiva e mais exposição pública. Para o petista, Dilma deixou o
governo mais distante dos mais pobres.
—
Na falta de dinheiro, tem de entrar a política. Nesses últimos cinco anos,
fizemos muito menos atividade política com o povo do que fizemos no outro
período — disse ele, citando as conferências nacionais com grupos sociais:
—
Isso acabou, Gilberto!
Lula
reclamou que Dilma tem dificuldade de ouvir até mesmo os conselhos dados por
ele:
—
Gilberto sabe do sacrifício que é a gente pedir para a companheira Dilma viajar
e falar. Porque na hora que a gente abraça, pega na mão, é outra coisa.
Política é isso, o olhar no olho, o passar a mão na cabeça, o beijo.
Nesse
ponto da conversa, o ex-presidente fez questão de ressaltar: falar com a
população não é “agendar para falar na televisão”.
Durante
a reunião, Gilberto Carvalho, que saiu do núcleo central do governo Dilma
depois de muitas críticas à atuação da equipe da presidente, concordava com
Lula, completava frases e assentia com a cabeça enquanto o ex-presidente subia
o tom:
—
Aquele gabinete (presidencial) é uma desgraça. Não entra ninguém para dar
notícia boa. Os caras só entram para pedir alguma coisa. E como a maioria que
vai lá é gente grã-fina... Só entrou hanseniano porque eu tava no governo, só
entrou catador de papel porque eu tava no governo — disse Lula, que completou:
—
Essa coisa se perdeu.
Lula
revelou o quem tem conversado com Dilma nos encontros privados. Os dois têm
feito reuniões em São Paulo, e a presidente só as informa na agenda oficial
depois que são realizadas. Ele disse que fala para a presidente que a hora é de
“ ir para a rua, viajar por esse país, botar o pé na estrada”. Diz ainda que os
petistas não podem temer as vaias. Uma das armas para recuperar a combalida
gestão, segundo ele, é investir na execução do Plano Nacional de Educação. O
problema seria, de acordo com ele mesmo, que o próprio PT desconhece o conteúdo
do plano.
“OS
MINISTRO TÊM DE FALAR”
O
petista, que não falou com os padres sobre uma possível candidatura à
Presidência em 2018, mas não esconde que pode concorrer ao terceiro mandato,
disparou fortemente contra os ministros, sobretudo os do PT.
—
Os ministros têm de falar. Parece um governo de mudos. Os ministros que viajam
são os que não são do PT. Kassab já visitou 23 estados, não sei quem já visitou
40 estados —exagerou.
O
ministro das Cidades, Gilberto Kassab, preside o PSD e quer recriar o Partido
Liberal. Foi citado mais uma vez, para criticar o desânimo dos líderes
petistas:
—
Aí não dá. Kassab já tá criando outro partido e a gente não tá defendendo nem o
da gente!
Lula
disse que também tem chamado a atenção do ministro da Casa Civil, Aloizio
Mercadante, dizendo que ele deveria fazer mais discursos públicos.
—
Pelo amor de Deus, Aloizio, você é um tremendo orador — disse ele, que emendou,
arrancando risos dos religiosos: — É certo que é pouco simpático.
O
ex-presidente ressaltou ainda que “inaugura-se (obra do) Minha Casa Minha Vida
todos os dias”, mas que os políticos locais não destacam o papel do governo nas
obras.
Para
criticar o empenho de Dilma na aprovação do ajuste fiscal, Lula afirmou:
—
Falar é uma arma sagrada. Estamos há seis meses discutindo ajuste. Ajuste não é
programa de governo. Em vez de falar de ajuste... Depois de ajuste vem o quê? —
criticou Lula, apontando que é preciso “fazer as pessoas acreditarem que o que
vem pela frente é muito bom”. Segundo o petista, “agora parece que acabou o
(assunto) do ajuste”.
A
VACA TOSSIU
Lula
disse que o governo não dá boas notícias ao país.
—
Nós tivemos as eleições no dia 26 de outubro. De lá pra cá, Gilberto, nós temos
que dizer para vocês, porque vocês são companheiros, depois de nossa vitória,
qual é a noticia boa que nós demos para este país? Essa pergunta eu fiz para a
companheira Dilma no dia 16 de março, na casa dela.
Segundo
Lula, nesse encontro estavam os ministros Mercadante, Jacques Wagner (Defesa) e
Miguel Rossetto (Secretaria Geral da Presidência), além de Rui Falcão,
presidente nacional do PT.
—Eu
fiz essa pergunta para Dilma: “Companheira, você lembra qual foi a última
notícia boa que demos ao Brasil?” E ela não lembrava. Como nenhum ministro
lembrava. Como eu tinha estado com seis senadores, e eles não lembravam. Como
eu tinha estado com 16 deputados federais, e eles não lembravam. Como eu estive
com a CUT, e ninguém lembrava.
Para
os religiosos — que foram recebidos no Instituto Lula com café, refrigerantes,
sanduíches e docinhos como brigadeiro e olho de sogra — Lula continuou a
“confissão”, elencando as más notícias dadas pelo governo:
—
Primeiro: inflação. Segundo: aumento da conta de água, que dobrou. Terceiro:
aumento da conta de luz, que para algumas pessoas triplicou. Quarto: aumento da
gasolina, do diesel, aumento do dólar, aumento das denúncias de corrupção da
Lava-Jato, aquela confusão desgraçada que nós fizemos com o Fies (Financiamento
Estudantil), que era uma coisa tranquila e que foram mexer e virou uma
desgraceira que não tem precedente. E o anúncio do que ia mexer na pensão, na
aposentadoria dos trabalhadores.
Nesse
momento, Lula resgatou as promessas não cumpridas por Dilma durante a última
campanha eleitoral.
—
Tem uma frase da companheira Dilma que é sagrada: “Eu não mexo no direito dos
trabalhadores nem que a vaca tussa”. E mexeu. Tem outra frase, Gilberto, que é
marcante, que é a frase que diz o seguinte: “Eu não vou fazer ajuste, ajuste é
coisa de tucano”. E fez. E os tucanos sabiamente colocaram Dilma falando isso
(no programa de TV do partido) e dizendo que ela mente. Era uma coisa muito
forte. E fiquei muito preocupado.
O
ex-presidente ainda disse aos religiosos — entre eles o padre Julio Lancelotti,
dirigentes de pastorais católicas e um pastor evangélico — não acreditar na
existência do mensalão.
—
Não acredito que tenha havido mensalão. Não acredito. Pode ter havido qualquer
outra coisa, mas eu duvido que tenha havido compra de voto — disse ele,
mencionando que o ex-deputado Luizinho, do PT de Santo André, não poderia ter
voto comprado no mensalão porque era, na época do escândalo, em 2005, líder do
governo.
Lula
repetiu a crítica que tem feito desde o início do ano nas reuniões do partido:
a de que os petistas saíram derrotados do caso do mensalão porque trataram do
caso “juridicamente”, quando a discussão, segundo ele, é política. Os petistas
têm se desdobrado para defender, desta vez, o ex-tesoureiro João Vaccari Neto,
acusado de integrar o esquema descoberto pela Operação Lava-Jato, numa mudança
em relação à postura adotada sobre o ex-tesoureiro Delúbio Soares.
Durante
as investigações do mensalão, a direção do PT expulsou Delúbio, que só voltou a
ser defendido pelos principais nomes da legenda quando começou o julgamento no
Supremo.
—
Nós começamos a quebrar a cara ao tratar do mensalão juridicamente. Então, cada
um contratou um advogado. Advogado muito sabido, esperto, famoso, desfilando
por aí, falando que a gente ia ganhar na Justiça. E a imprensa condenando. Todo
dia tinha uma sentença. Quando chegou o dia do julgamento, o pessoal já estava
condenado — disse Lula.
Para
ele, o atual momento vivido pelo PT é ainda mais dramático. Ele diz que há um
“mau humor na sociedade”. E que até o ministro do STF Ricardo Lewandowski, “que
votou contra (o mensalão)”, sofreu ofensas.
Hoje,
segundo Lula, quem é hostilizado na rua são os próprios petistas.
—
Jamais vi o ódio que está na sociedade. Família brigando dentro de família,
companheiro do PT que não pode entrar em restaurante...
O
Globo, 20/6/2015
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