É hora de superar esse passado negro, FH! |
Caro ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso,
Fico
sabendo, pela Folha, que antes Lula e agora Dilma estariam dispostos a
“conversar” com o senhor sobre o impeachment, ou seja, traduzindo para os
leigos: eles teriam interesse em algum tipo de “acordão” para evitar um
eventual processo de impedimento da presidente. O senhor já aproveitou seu
espaço nos jornais para transmitir a mensagem de que considera o impeachment um
último recurso muito traumático para a democracia, e que não enxerga, ainda,
motivos para seguir nessa linha. Suas colocações atiçaram as esperanças dos
líderes petistas de um pacto com o PSDB.
“Em
todos os países democráticos é natural que ex-presidentes conversem e, muitas
vezes, que sejam chamados pelos presidentes em exercício. Essa é uma prática
comum nos Estados Unidos, por exemplo”, afirmou o ministro Edinho Silva, chefe
da Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto. “Vejo com bons
olhos a possibilidade de diálogo entre Fernando Henrique e Lula, como vejo com
naturalidade que o mesmo aconteça com a presidenta”, concluiu. Mas nós,
brasileiros indignados, aqueles quase 70% que rejeitam o governo Dilma, não
vemos com bons olhos essa aproximação.
Serei
franco na largada, caro FH: tenho sentimentos ambíguos em relação à sua pessoa.
Do seu passado mais distante, como intelectual, nem preciso dizer que tenho
aversão. Mas acho que até você já andou reconhecendo que deveríamos esquecer
muito do que escrevera naqueles tempos, não é mesmo? Teoria da Dependência?
Quanta baboseira terceiromundista! Coisa de um Marco Aurélio Garcia da vida.
Depois o senhor evoluiu, virou um social-democrata mais esclarecido, mas ainda
estava lá o ranço de socialista fabiano, que nunca o abandonou por completo.
Já como
ex-presidente tenho coisas boas e ruins a falar. Menos por convicção ideológica
e mais por necessidade, o fato é que importantes reformas foram feitas durante
o seu governo. Privatizações importantes ocorreram, a Lei de Responsabilidade
Fiscal passou, o Plano Real venceu a hiperinflação e o Banco Central teve
autonomia para perseguir a meta de inflação. O câmbio passou a flutuar, após
nossas reservas se esvaírem quase completamente. Ou seja, o senhor teve algum
mérito na criação do “tripé macroeconômico”.
Por
outro lado, e por conta daquele ranço socialista, várias medidas “sociais”
tiveram começo no seu governo. Cotas raciais, por exemplo, um absurdo que
segrega a população brasileira com base na cor. As bolsas-esmolas, que o PT
unificou e transformou no maior esquema de compra de votos já visto na
República. O MST, que continuou recebendo verbas públicas para desrespeitar as
leis com suas invasões inaceitáveis. Enfim, o senhor foi um legítimo presidente
de esquerda, apesar de ser “acusado” de “neoliberal” pela esquerda mais
jurássica e pérfida.
E essa
esquerda é justamente o PT. Como o PT o demonizou, presidente! Fez sua caveira
perante a opinião pública, com o conluio dos “jornalistas” da esquerda radical.
Devido ao fato de os tucanos serem um tanto pusilânimes e também não terem
convicção liberal alguma, não souberam defender o seu legado. Teve que vir um
liberal como eu para escrever Privatize Já, livro em que mostro como as suas
privatizações fizeram bem ao país. Os tucanos ficavam na defensiva, tentando se
desvencilhar da pecha de “privatistas” ou “neoliberais”. Veja só que coisa,
presidente!
Sua
postura, tomo a liberdade de dizer, fez muito mal ao país, em termos
pedagógicos. Os leigos não compreenderam a relevância das reformas de cunho
liberal feitas em sua gestão, e ainda ficaram com a nítida impressão de que
direita significa PSDB, o que eu e você sabemos ser ridículo. O senhor se
identifica mais com Thatcher ou Tony Blair? Com Reagan ou Clinton? Nós sabemos
a resposta, mas muitos, influenciados pelo PT, não. E eis que direita, no
Brasil, passou a ser associada aos tucanos de esquerda.
Mas como
“oposição” a uma outra esquerda, bem mais radical e que não joga nas regras do
jogo, o senhor tem uma responsabilidade, um dever moral para com o Brasil.
Muitos já atribuem ao seu esforço a tática tucana de não pressionar pelo
impeachment de Lula durante o mensalão. Não sei até que ponto isso é verdade,
mas veja, presidente, o mal que isso fez ao Brasil. Imagine se Lula tivesse
sido exposto naquele ano de 2005: como as coisas estariam melhores hoje! Mas o
PSDB optou pela estratégia de “deixar o homem sangrar”. Bem, como Jason, do
Sexta-Freira 13, o populista-mor ressuscitou e ainda emplacou depois sua
criatura por duas vezes, contra os seus companheiros tucanos.
Deixe-me
lhe dizer uma coisa, presidente: traumático para a nossa democracia não é o impeachament,
mas a manutenção do PT no poder! Entenda isso de uma vez por todas. Sei que,
apesar de tudo que o PT já fez com o senhor, você ainda tem, lá no fundo, uma
admiração pela trajetória do metalúrgico, do sindicalista oportunista. O senhor
enxerga com bons olhos essa trajetória, pois tem alma de esquerdista, e ainda
valoriza mais a classe do que o mérito individual. Lula veio de baixo, é
verdade, mas como chegou no topo? De forma honesta, legítima? Ou como um
populista safado?
Não vem
mais ao caso. O fato é que milhões de brasileiros já sabem que Lula é um
oportunista, um populista autoritário, e que seu PT precisa ser colocado para
fora do governo o mais rápido possível, se desejamos preservar nossa
democracia. Os brasileiros estão revoltados, presidente. Cansados demais.
Inclusive da postura acovardada de muitos tucanos. Por que o senhor acha que
Jair Bolsonaro teve 5% de intenções de voto para presidente na recente pesquisa
da CNT, que mostrou apoio de somente 7,7% à Dilma? Por que o senhor acha que
Aécio Neves só teve chances mesmo quando começou a subir o tom, a enfrentar o
PT com mais determinação, a apontar para seu relacionamento obscuro com Cuba?
Sei que
seu partido está rachado, que há uma ala mais jovem que quer partir para o
enfrentamento, para a briga, e que uma ala mais velha pretende manter a
“cautela”, o “diálogo”. Mas presidente, dá para dialogar com o PT? É possível
“conversar” com gente do Foro de São Paulo, que apóia o Maduro na Venezuela? Dá
para trocar ideias com quem apela para os golpes mais baixos nas campanhas? O
PT cospe diariamente nos tucanos, e os tucanos vão se curvar diante dos
petistas agora, justo quando a população está de saco cheio do partido,
inclusive do ex-presidente Lula?
Seria
uma decisão mortal para o PSDB, presidente. Seria o atestado de óbito do
partido, que nunca soube bem como ser oposição ao PT. Se o PSDB afrouxar agora,
se os tucanos permitirem uma aproximação com Lula e Dilma em prol da
“governabilidade” até 2018, tirando o impeachment do caminho, ninguém mais
levará o PSDB a sério. Se é para ser essa esquerda podre, já tem o PT. E se é
para ser oposição a essa esquerda podre, agindo assim, o PSDB não terá
utilidade, e Bolsonaro ou Ronaldo Caiado vão absorver sozinhos toda a revolta
popular.
O Brasil
precisa, urgentemente, de um partido realmente liberal e outro realmente
conservador, de direita. Claro que o PSDB não tem nada com isso, pois é, como
já disse, de esquerda, social-democrata. Mas numa democracia madura, há um
espaço legítimo para tal esquerda. Que o PSDB ocupe tal espaço, e não os
golpistas do PT, é o que as pessoas decentes e esclarecidas esperam. Mas, para
tanto, o PSDB terá de agir com firmeza contra a outra esquerda, a carnívora, a
jurássica, representada pelo PT e seus auxiliares, como o PSOL.
Recusar
de forma peremptória qualquer aproximação ou acordo nesse momento com os
golpistas do PT é condição sine qua non para preservar o PSDB no papel de ícone
da esquerda democrática brasileira. Se os tucanos não compreenderem o momento
em que o Brasil vive e acenarem com um acordo para impedir o impedimento de
Dilma, então terá o mesmo destino do próprio PT: a extinção. E terei prazer, se
isso acontecer, em ser um dos que jogarão a pá de cal. Mas tenho esperanças de
que isso não será necessário. Conto com sua sabedoria, presidente!
Rodrigo
Constantino
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