Desgovernado
e indefeso, o Brasil foi mais uma vez atropelado pela realidade, quando a
Fitch, uma das três mais importantes agências de classificação de risco,
anunciou o rebaixamento do País ao grau especulativo. Essa decisão é a senha
para grandes fundos estrangeiros fugirem dos papéis brasileiros, tornando mais
difícil o financiamento do Tesouro e de empresas tanto estatais quanto
privadas. Essa é a regra, quando pelo menos duas daquelas agências avaliam os
títulos de um país como junk bonds, isto é, como lixo. A primeira foi a
Standard & Poor’s (S&P), em setembro, e ninguém se surpreenderá se a
Moody’s em breve seguir o mesmo caminho. O informe da Fitch foi divulgado menos
de 24 horas depois de mais um espetáculo de irresponsabilidade proporcionado ao
público internacional pela presidente Dilma Rousseff. Na véspera, ela havia
decidido propor ao Congresso uma nova meta fiscal para 2016, um superávit
primário entre zero e 0,50% do Produto Interno Bruto (PIB).
Mais uma
vez ela havia preferido o populismo e a gastança, desprezando a opinião do
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, favorável a um resultado primário
equivalente a 0,7% do PIB. Mesmo esse resultado seria modesto, mas pelo menos
indicaria um compromisso de melhora das contas públicas, indispensável para a
recuperação da economia nacional.
Noticiada
pela televisão já na terça-feira à noite, a decisão da presidente foi
imediatamente interpretada como sinal para a demissão, adiada muitas vezes, do
desprestigiado e até humilhado ministro da Fazenda. Ele mesmo havia, na semana
anterior, ameaçado sair, se a meta fiscal fosse reduzida a zero, como foi, na
prática, quando a presidente mais uma vez deu preferência à opinião do ministro
do Planejamento, Nelson Barbosa. Com isso, mais uma vez prevaleceu a desastrosa
“nova matriz econômica” implantada no mandato anterior.
Ontem, no
entanto, o ministro da Fazenda continuava no posto, falando sobre medidas
necessárias para a recuperação das contas públicas e do crescimento e negando
como assuntos de folhetim as notícias sobre sua provável saída.
Quando a
Fitch anunciou a decisão, Levy estava em reunião com o presidente do Senado,
Renan Calheiros, discutindo a tramitação de medidas de ajuste. Enquanto isso, o
presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade,
comentava numa entrevista coletiva a importância de bem escolher o substituto
de Levy. O noticiário do Broadcast, serviço de informação em tempo real da
Agência Estado, estava recheado, e assim continuou depois do comunicado da
Fitch, de comentários e análises colhidos no mercado sobre a esperada sucessão
na Fazenda.
Quando a
presidente deu preferência à opinião do ministro Nelson Barbosa, no envio da
proposta orçamentária ao Congresso, no fim de agosto, a consequência imediata
foi o rebaixamento do País pela S&P. A história agora se repetiu, mas com
alguns pontos agravantes, como a referência ao processo de impeachment, aos
dados econômicos piores que os daquele momento e à enorme dificuldade para a
melhora do resultado fiscal em 2016.
O ministro
da Fazenda quase festejou o rebaixamento, descrevendo-o como um estímulo a mais
para fazer a coisa certa. No Congresso, parlamentares se apressaram a mudar de
novo a meta de superávit primário, eliminando o zero e deixando só o 0,50%. Nem
os Trapalhões fariam uma história mais aloprada. Além disso, há uma
originalidade: o governo brasileiro foi além da comédia e inventou a
tragicomédia de pastelão.
Depois de
tudo, a permanência do ministro Levy no governo só terá sentido se a presidente
se livrar do ministro do Planejamento ou se o atual ministro da Fazenda aceitar
a permanência numa posição subalterna e humilhante. A continuação da história
dependerá, é claro, de como a presidente Dilma Rousseff perceba os
acontecimentos e selecione a ação mais conveniente. Mas para isso ela precisará
exibir uma capacidade de percepção jamais demonstrada em público.
O Estado de São Paulo, 17/12/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário