O Brasil
nasceu por engano. Buscavam um atalho para as Índias os tripulantes das
caravelas que em abril de 1500 perderam o rumo tão espetacularmente que
acabariam despencando nos abismos do fim do mundo se não tivessem topado com o
mágico mosaico de praias com areias finas e brancas banhadas por ondas verdes
ou azuis, matas virgens e florestas do tamanho do mar, flores deslumbrantes e
frutas sumarentas, lagos plácidos e rios selvagens, peixes de água doce ou
salgada, bichos mansos de carne tenra e, melhor que tudo, aquela demasia de
índia pelada.
O Brasil
balançou no berço da safadeza. Nem imaginaram que assim seria aqueles
primitivos viventes cor de cobre, sem roupas no corpo nem pelos nas partes
pudendas, os homens prontos para trocar preciosidades por quinquilharias, as
mulheres prontas para abrir o sorriso e as pernas para qualquer forasteiro,
pois os nativos praticavam sem remorso o que só era pecado do outro lado do
grande mar, e não poderiam ser tementes a um Deus que desconheciam nem a
castigos prescritos pela religião que aqui nunca existira.
O Brasil
nasceu carnavalesco. Nem um Joãosinho Trinta em transe num terreiro de
candomblé pensaria em juntar na Sapucaí ─ como fez num porto seguro frei
Henrique Soares, celebrante da primeira missa, pelo menos é o que está no
quadro famoso ─ um padre de batina erguendo o cálice sagrado, navegantes
fantasiados de soldados medievais, marinheiros com roupa de domingo, nativos
com a genitália desnuda que séculos depois seria banida por bicheiros
respeitadores dos bons costumes e a cruz dos cristãos no convívio amistoso com
arcos, flechas e bordunas.
O Brasil
balançou no berço da maluquice. Marujos convalescentes da travessia do
Atlântico, atarantados com a visão do paraíso, decidiram que aquilo era uma
ilha e deveria chamar-se Ilha de Vera Cruz, e assim a chamaram até alguém
desconfiar, incontáveis milhas além, que era muito litoral para uma ilha só, e
então lhes pareceu sensato rebatizar o colosso ausente de todos os mapas com o
nome de Terra de Santa Cruz, porque disso ninguém duvidava: era terra aquilo
que pisavam.
O Brasil
nasceu sob o signo da preguiça. Passou a infância e a adolescência na praia, e
esperou 200 anos até criar ânimo e coragem para escalar a muralha verde que
separava a orla do planalto, e esperou mais um século antes de aventurar-se
pelos sertões ocultos pela floresta indevassada, e o esforço seria de tal forma
extenuante que ficou estabelecido que, dali por diante, tanto os aqui nascidos
quanto os vindos de fora, e todos os descendentes de uns e de outros, sempre
deixariam para amanhã o que deveriam ter feito ontem.
Tinha
que dar no que deu. Coerentemente incoerente, o Brasil parido por engano
hostilizou os civilizadores holandeses para manter-se sob o jugo do império
português, o Brasil amalucado teve como primeira e única rainha uma doida de
hospício, o Brasil safado acolheu o filho da rainha que roubou a matriz na
vinda e a colônia na volta, o Brasil preguiçoso foi o último a abolir a
escravidão, o Brasil sem pressa foi o último a virar República, o Brasil
carnavalesco transformou a própria História num tremendo samba do crioulo
doido.
O
cortejo dos presidentes, ministros, senadores, deputados federais,
governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores aberto em 1889
informa que a troca de regime não mudou a essência da coisa: o Brasil
republicano é o Brasil monárquico de terno e gravata, mais voraz e mais
cafajeste. Extraordinariamente mais cafajeste, informa a paisagem do começo do
século 21. Passados 500 e poucos anos, os piores tetranetos dos piores filhotes
dos degredados promoveram o grande acerto dos
amorais, instalaram-se no coração do poder e tornaram intragável a
geleia geral brasileira.
Nascido
e criado por devotos da insensatez, o Brasil que teve um imperador que parecia
adulto aos 5 anos de idade foi governado por um marmanjo analfabeto que sempre
se portou como moleque e agora é presidido por uma avó menos ajuizada que neto
de fralda. Com um menino sem pai nem mãe no trono, os habitantes do império da
loucura não sentiram tanto medo. Com dois sessentões no comando, os brasileiros
aprenderam o que é sentir-se sem pai nem mãe.
O início
do terceiro mandato de Lula parece uma continuação dessa biografia em miniatura
do Brasil publicada no começo do primeiro mandato de Dilma. Parece mas não é,
gritam as mudanças na paisagem ocorridas desde o julgamento do Mensalão. A
crise econômica pulverizou de vez a farsa da potência emergente inventada pelo
deus dos embusteiros. Ainda há juízes no Brasil, vem reiterando há meses o
irrepreensível desempenho de Sérgio Moro. A Polícia Federal e os procuradores
federais já provaram que a seita no poder é um viveiro de corruptos, vigaristas
e incompetentes.
A
Operação Lava Jato vai clareando a face escura do país. O PT está morrendo de
sem-vergonhice. Figurões do partido trocaram o palanque pela cadeia. Logo
faltará cela para tanto bandido. A supergerente de araque já foi reduzida a
ex-presidente. O fabricante de postes agoniza nas pesquisas eleitorais. Nas
ruas, nos restaurantes ou no botequim da esquina, os indignados amplamente
majoritários exigem o fim destes tempos de tal forma infames que uma Mãe dos
Ricos pôde delinquir impunemente com o disfarce de Pai dos Pobres.
A nudez
escancarada do reizinho quase setentão confirmou que o filho de uma migrante
nordestina é um multimilionário pai de multimilionários. Multidões de crédulos
vocacionais descobriram a tapeação: o maior dos governantes desde Tomé de Souza
era a fantasia que camuflava o guloso camelô de empreiteira. Lula não demorará
a entender que desemprego cura abulia, que os truques empoeirados já não
funcionam, e que o que deveria ter sido uma aula de esperteza foi um tiro no
pé.
Ao
instalar-se de novo em Brasília, ficou mais perto de Curitiba. O início do
terceiro mandato vai antecipar a extrema-unção da Era da Canalhice.
Augusto Nunes
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