A longa e
penosa desconstrução de Luiz Inácio Lula da Silva culminou em sua nomeação,
hoje, como ministro de Estado — seu último recurso para se precaver de uma
prisão tida como provável e, agora dentro do Governo, sua última cartada para
salvar o que não tem conserto nem nunca terá.
Os
millenials de hoje não viveram isso, mas há quase 27 anos, na primeira eleição
direta para Presidente da República depois de duas décadas de regime
autoritário, boa parte dos brasileiros cantava o refrão:
“Lula lá,
brilha uma estrela/
Lula lá,
cresce a esperança/
Lula lá, o
Brasil criança/
Na alegria
de se abraçar”
A política
era, então, uma avenida para a mudança, e Lula, o símbolo máximo de um partido
em boa fé, que reunia intelectuais, trabalhadores e, na medida em que o tempo
passava, crescentes setores da classe média.
Um
mensalão, um petrolão e quatro eleições consecutivas depois, nada resta daquela
narrativa de esperança que não sua absoluta e irrevogável inversão.
O Ministro
Jacques Wagner disse esta semana que o Juiz Sergio Moro quer ‘criminalizar a
política’. Não, ministro. A política foi achincalhada e prostituída por seus
próprios participantes. O juiz que agora manda prender não criou o problema,
assim como o mensageiro não é responsável pelas más notícias que traz.
Hoje, parte
significante dos brasileiros querem Lula lá — lá em Curitiba. É bem verdade que
o ex-Presidente não é réu na Lava Jato, mas a Política não precisa dos recibos
e provas documentais exigidos pela Justiça. A Política vive de instintos,
impressões, batom na cueca — e, no que tange a Lula, o tribunal da opinião
pública discute hoje não o veredito, mas a pena.
A nomeação
de Lula como ministro — talvez o evento mais escandalosamente esquisito desde a
candidatura de Pablo Escobar ao Congresso da Colômbia — traz consequências
imediatas.
Entrincheirado
no Planalto, Lula voltará a ter um palanque diário para vender sua teologia do
perseguido, gerando ruídos ainda mais estridentes e em choque direto com os
decibéis das ruas.
Pior: tudo
indica que Lula vai tentar engendrar a política econômica que boa parte do
mercado e do empresariado temia: ‘dê-lhes crédito ao povo, e eles te amarão de
volta.’ (Se fosse assim, Trabuco seria Presidente.)
Isso tudo
vai exacerbar um quadro político já caótico, levando esta crise ao ápice e,
fatalmente, à sua resolução final. Como o clima exaltado e uma política em derretimento
nuclear são ‘bad for business’, os mercados vomitaram ontem e hoje o otimismo
dos últimos dias: o real se enfraquece e a Bolsa cai.
A questão
de fundo é: Lula ainda tem alguma força — e o Governo, algum instrumento — para
segurar o impeachment? Parece improvável.
Este Governo que assistimos pela televisão está vivo, ou trata-se de
uma alma penada que se recusa a desencarnar?
‘I see dead people’.
A realidade
política expressa pelas ruas é que o Governo Dilma respira por aparelhos. Depois
de alienar a classe média, está perdendo rapidamente os pobres, castigados pela
inflação e humilhados pelo desemprego. O que antes eram manifestações de uma
Avenida Paulista acusada de coxinhismo agora é uma revolta geral que atinge
todos os Estados da Federação, até mesmo o santo Nordeste, aqueles ingratos…
A realidade
econômica é ainda mais simples: se tentar gastar dinheiro que não possui para
reconquistar capital político, o Governo colherá mais inflação, desemprego e
ressentimento.
O mercado
opera com a tese de que o Lula Ministro ‘adia’ o impeachment, mas parece mais
lógico que sua nomeação seja o catalista que faltava para o epílogo desse
seriado político-policial.
O PMDB já
fez sua coreografia no fim de semana, revelando-se pronto (ansioso?) para um
governo de transição, e, dado o nível inédito de incerteza institucional (com
toda a linha sucessória temendo a Lava Jato), tudo indica que a maior parte do
espectro político vai acabar cooperando, goste-se de Michel Temer ou não.
Dilma pode
fazer Lula ministro, mas o Congresso não pode mais ignorar as ruas. Se
deputados e senadores não ouvirem a população, é provável que em poucas semanas
não só petistas sejam hostilizados em restaurantes. Todo o sistema político
será empurrado para a vala comum, e o Brasil, exposto a essa perigosa
deterioração.
Como Lula
dobrou a aposta, a oposição e as ruas têm que pagar pra ver — ou se retirar. É
assim no truco; é assim na vida.
Sergio Moro
pode inspirar o País, mas a sociedade tem que salvar a si própria. E a
hora chegou.
Geraldo Samor, Veja.com, 16/3/2016.
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