Se quem não
deve não teme, Luiz Inácio Lula da Silva deveria estar feliz com a oportunidade
que lhe é oferecida pelo Ministério Público (MP) de São Paulo, que o denunciou
à Justiça, de acabar de uma vez por todas com a perseguição de que alega ser
vítima no caso do tríplex no Guarujá. Bastaria que sua equipe de advogados –
privilégio reservado a uma pequena elite de brasileiros – livrasse o
ex-presidente da acusação. Caberia aos advogados demolir, no mérito, as
suspeitas e acusações, em vez de se dedicarem a manobras protelatórias
relativas a preliminares processuais. Não lhes seria trabalhoso apresentar em
juízo provas irrefutáveis de que Lula é “a alma mais honesta deste país”.
Nada disso
foi feito e o resultado foi a apresentação de denúncia criminal contra Lula e,
mais grave que isso, com pedido de prisão preventiva do ex-presidente. Lula
temia os rigores da Lava Jato e acabou em maus lençóis por fatos mais
corriqueiros, como falsidade ideológica, ficando ao lado de denunciados por
estelionato – o célebre 171.
De qualquer
modo, e como o seguro morreu de velho, quando a denúncia do MP foi protocolada
na Justiça paulista, na quarta-feira, Lula estava em Brasília cumprindo uma
intensa agenda de reuniões com políticos e altas autoridades, todos
interessados em protegê-lo da “perseguição” que policiais, procuradores e
juízes, “cooptados pela direita”, estão promovendo contra ele. Um cidadão
prestativo e engenhoso chegou a sugerir que Lula seja nomeado ministro, o que
lhe garantiria foro para escapar dos rigores da Justiça de Curitiba.
Essa ideia
bizarra – há quem diga que foi de jerico – dá a medida da desorientação e do
desespero dos petistas diante da crise política. Um dos maiores entusiastas
dela é o ministro Ricardo Berzoini, da Articulação Política, que cederia o
posto a Lula: “Quem é que não gostaria de ter um Pelé no time?”.
Ninguém parece
estar se importando – provavelmente com exceção da própria Dilma – com a
situação constrangedora em que estaria colocada a presidente da República ao
assinar a nomeação de um ministro que, no interior da máquina governamental,
teria mais autoridade do que ela própria – que, aliás, já não tem nenhuma. Mas
talvez seja exatamente essa a mirabolante ideia dos jericos: colocar Lula no
poder, com gabinete no Palácio do Planalto, enquanto a Dilma seria permitido
fingir que continua governando. A ideia foi apresentada a Lula em jantar no
Alvorada, na terça-feira, como parte de uma ação mais ampla de recomposição do
primeiro escalão do governo. Segundo se apurou, o ex-presidente afirmou que
“vai pensar” no assunto.
Como parte
do esforço de mobilização política em sua defesa, Lula esteve também na
residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros, peemedebista que,
segundo as mais recentes especulações, tende a se distanciar do Palácio do
Planalto. Participaram do encontro vários senadores do PMDB, que foram
contemplados por Lula com novas frases de efeito produzidas por seu delírio
persecutório. Por exemplo: “Se quisesse, eu poderia incendiar o País. Mas esse
não é o meu papel. Sou um homem da paz”.
Renan
Calheiros ofereceu a Lula uma cópia da Constituição Federal – que certamente o
homenageado nunca leu nem lerá –, num gesto que parecia destinado a sugerir que
as investigações da Lava Jato têm atropelado os preceitos constitucionais. Mas
há também quem tenha sugerido uma versão mais óbvia do gesto de Renan: chamar a
atenção de Lula para o fato de que existe uma Constituição no Brasil.
É
compreensível que o chefão do PT esteja aflito para envergar uma armadura
política que o preserve de dissabores com a Justiça, mas a dura realidade que o
confronta é a de que foram ele próprio e a tigrada que cevou que criaram as
evidências contra as quais nenhum argumento se sustenta. O caso do tríplex é
emblemático dessa situação. Para começar, Lula jamais deveria ter-se permitido,
e à sua família, sequer chegar perto do condomínio Solaris, símbolo da gestão
safada da direção de uma cooperativa de bancários que acabou lesando milhares
de associados. O empreendimento foi salvo pela intervenção – sugerida sabe-se
lá por quem – de uma construtora, a OAS, implicada na Lava Jato, que
generosamente gastou R$ 777 mil na reforma de um tríplex no qual dona Marisa
Letícia estava comprovadamente interessada. Isso se explica?
O Estado de São Paulo, 11/3/2016
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