A Copa do
Mundo vai bem, dentro e fora dos estádios. Algumas previsões pessimistas, as
minhas incluídas, baseadas em algumas evidências, não se confirmaram. Nesse
sentido, Dilma tem razão em afirmar que a Copa, ao menos até agora, desmentiu
os pessimistas. Mas enquanto o clima no País é de grande unidade, teoricamente
favorável a falar dos anseios nacionais, Dilma aposta na fragmentação. Os
dirigentes do PT iniciaram o discurso e ela o prolonga com verbos que me deixam
perplexo.
Outro dia
declarou que ninguém iria vergá-la. Na estrada nem sempre posso acompanhar
tudo.
Sinceramente, não conheço ninguém que queira vergar a presidente da
República. Repassei os principais acontecimentos e não vi na oposição nada
parecido com a ideia de vergar Dilma. Um verbo desse tipo é mais adequado,
talvez, para relações hierárquicas ou na indústria de construção. Numa
atmosfera democrática ninguém verga ninguém.
Um
dirigente do PT lançou uma nota acusando nove jornalistas de disseminarem o
ódio. Os textos desses jornalistas são públicos e o que há em comum entre eles
é uma visão crítica do governo. A organização Repórteres sem Fronteiras
protestou contra essa nota do dirigente do PT. E a reação dos parlamentares
petistas foi afirmar que a Repórteres sem Fronteiras não deveria intrometer-se
em assuntos internos do Brasil. Na verdade, eles estão propondo uma revolução
que transformará a entidade em Repórteres com Fronteiras.
Os cubanos
também pensam assim. Na leva de 70 intelectuais presos em 2004 havia muitos
repórteres que cruzavam a ilha de bicicleta em busca de notícias. Acompanhei a
trajetória de Raúl Rivero, poeta e escritor que dirigia a Cuba Press. Foi
acusado daquelas coisas de sempre: ligações com o imperialismo, etc. Tive a
oportunidade de escrever uma pequena introdução à edição em português do seu
livro Provas de Contato. Rivero é um homem que ama Cuba e seu povo, no entanto,
teve de se exilar na Espanha.
Não se
trata de comparar a situação brasileira com a cubana. Mas de ter a noção de que
esse desejo de controle da informação é típico de governos autoritários. Quem o
conhece minimamente, como a Repórteres sem Fronteiras, se assusta e protesta ao
ver a semente ser plantada.
Como
explicar a reação do PT diante de um quadro que poderia favorecê-lo, uma vez
que grande parte dos problemas previstos não ocorreu, ou bateu na trave? Isso
não significa que não tenha havido problemas. Mas pesquisas com estrangeiros
revelam um nível de satisfação e de críticas muito parecido com o dos turistas
que nos visitam em épocas mais calmas.
Essa perda
de contato com o momento da sociedade e a fixação numa áspera rivalidade
política mostram também uma falta de horizonte que lembra o slogan dos punks em
Berlim: “No future”. Claro que os petistas não concordam com essa análise. O
horizonte, para muitos deles, é aprofundar o controle e levar adiante os
grandes destroços do socialismo, uma espécie de Titanic que no século 20 nos
deixou, os sobreviventes, agarrados a precárias balsas no oceano da História.
Controlar o
Parlamento não basta. Ter maioria no STF, também não basta. O discurso do ódio
visa a transformar a campanha eleitoral em pancadaria e manter a imprensa sob a
permanente ameaça de controle.
Mas o
discurso do ódio vai bater na trave.
No momento
em que escrevo o Brasil avançou para as quartas de final na Copa. O País
mostrou-se hospitaleiro e despendeu enorme energia estimulando a seleção de
futebol. Um vínculo nos uniu de ponta a ponta.
A tragédia
é que a política se mostra incapaz de mobilizar parte dessa energia, achar
novos vínculos nacionais em torno de grandes temas, como o combate à pobreza e
à corrupção, a racionalização da imensa máquina que trava o País. Enfim,
algumas Copas em que estamos lutando ainda pela classificação. Com otimismo de torcedor,
ainda espero que este Mundial tenha reflexos na política e se aproveite o
momento especial para discutir o futuro do Brasil. Por enquanto, com essa de
vergar ou não vergar estacionamos na construção civil.
Sei que não
é conveniente lembrar isto em período de festa, mas as contas do governo
federal em maio foram as piores da História. Coligações e convenções
desenrolaram-se no período e passaram quase em branco. Sorte delas. Não foi um
bom espetáculo, sobretudo o das coligações. Pornopolítica, bacanal, foram
chamadas de tudo e, apesar do apelo erótico, ninguém se interessou por elas.
Atacante do
“pior time do mundo”, o Íbis Sport Club, Mauro Shampoo disse-me numa
entrevista: “O único título que ganhei na minha carreira é o de eleitor. O que
fazer com ele?” Muita gente faz a mesma pergunta nas ruas. Não na expectativa
de ouvir a sugestão de uma outra candidatura, mas apenas como pretexto para se
lamentar, como se a esfera da política fosse algo fora de controle, marchando
para um não acontecimento, sintetizado no “tudo dá no mesmo”.
A sociedade
quer mudanças, seria importante definir as principais e transformá-las num
grande debate nacional.
Ainda
faltam alguns jogos para o fim da Copa. Mas quando soar o apito final começa a
contar o tempo para encarar este momento que a sociedade brasileira vive,
empolgada com sua seleção, mas sem encontrar no universo da política outros
motivos de orgulho de ser brasileiro. E com muito amor, porque o ódio não se
encaixa na canção.
A Copa do
Mundo trouxe tantas surpresas dentro de campo que o sentido do inesperado
prevaleceu em muitas partidas, mostrando que no gramado tudo pode acontecer.
Essa imprevisibilidade do futebol transplantada para nossa vida nacional é o
que ainda alimenta a esperança de este país mudar.
Nota do
autor: Este artigo foi escrito antes da queda do viaduto na zona norte de Belo
Horizonte, cidade por onde passei no dia da queda, mas tarde para incluí-la.
Isso constará do balanço da segunda fase da Copa.
Fernando Gabeira - Artigo publicado
no jornal O Estado de São Paulo - 04/07/2014
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