Artigo
publicado por Ives Gandra da Silva Martins* originalmente em .
A edição do
Decreto n.º 8.243/14 pela presidente Dilma Rousseff, instituindo conselhos
junto aos diversos ministérios, com funções nitidamente de imposição às
políticas governamentais, está na linha do aparelhamento do Estado, que pretende
criar uma nova classe dirigente no estilo denunciado por Milovan Djilas em A
Nova Classe, quando o fantasma soviético preocupava o mundo ocidental. Esse
decreto objetiva tornar o Poder Executivo o verdadeiro e único poder, reduzindo
o Congresso Nacional a um organismo acólito.
Tive a
oportunidade de ler as Constituições da Venezuela, da Bolívia e do Equador, a
pedido da Fundação Alexandre de Gusmão, quando era presidida pelo embaixador
Jerônimo Moscardo, que veiculou o texto de todas as Constituições das Américas,
com estudos de constitucionalistas de diversos países. Impressionou-me a imensa
diferença entre os três textos e o da Constituição brasileira, que, no artigo
2.º, assegura a independência dos Poderes.
É de
lembrar que o Poder Executivo, politicamente, não representa o povo por
inteiro, mas apenas a sua maioria. E nos casos em que o chefe do Executivo foi
eleito em segundo turno, nem a maioria. Por outro lado, o Poder Judiciário é
apenas um poder técnico, sendo a Suprema Corte escolhida por uma pessoa só, o
presidente da República.
A
totalidade da representação popular está no Parlamento, constituído que é por
representantes do povo, tanto os favoráveis ao governo como os contrários a
seus detentores. Pode não ser o ideal, contudo representa a vontade de toda a
sociedade.
Ora, nas
três Constituições bolivarianas o Poder Legislativo é amesquinhado, ao ponto
de, na Carta venezuelana, poder declinar de sua competência, transferindo-a
para o chefe do Executivo. Os plebiscitos e referendos, nessas Constituições,
podem ser convocados pelo presidente. No Equador, o presidente pode dissolver o
Parlamento, mas se este o destituir, dissolve-se automaticamente. Na Bolívia, a
Suprema Corte é eleita pelo povo, cuja manipulação pelo Poder Executivo não é difícil.
É que tais
modelos conformam um sistema político de dois Poderes principais e três Poderes
secundários, a saber: o Executivo e o povo são os principais; o Judiciário, o
Legislativo e o Ministério Público, os secundários. Por conseguinte, como o povo
é facilmente manipulado em regimes de Executivo forte, os modelos dos três
países têm um único Poder – e a população é facilmente enganada.
Não se pode
esquecer que o culto povo alemão foi envolvido por Adolf Hitler, o mesmo tendo
acontecido com o povo italiano, por Benito Mussolini, para não falar dos russos
nos tempos de Josef Stalin.
Voltando ao
referido Decreto 8.243/14, pretende ele substituir a democracia das urnas por
outra dirigida pelo Poder Executivo, com seus grupos enquistados em cada ministério.
Então, se o Conselho da Comunicação Social, por exemplo, entender que deve
haver controle da mídia, o Executivo, prazerosamente, dirá que o fará, pois
essa é a “vontade dos representantes da sociedade civil organizada”!
A
veiculação do decreto, em momento no qual se torna evidente o clamoroso
fracasso da política econômica do governo Dilma, obrigará um futuro presidente
da República, se sério e competente, a realizar um forte ajuste de contas. Caso
decida extinguir os conselhos, poderá ser acusado de estar “agindo contra o
povo”; e se os mantiver, terá dificuldades para governar.
Na
eventualidade de ser a presidente reeleita, poderá impor os seus sonhos
guerrilheiros, que ficaram claros quando, em atitude de adoração cívica, em
recente visita a Fidel Castro, teve estampada a sua fotografia com o sangrento
ditador cubano. É isso o que me preocupa, em face da permanente proteção da
atual presidente aos falidos governos boliviano, venezuelano e argentino, assim
como a resistência em firmar acordos bilaterais com países desenvolvidos, sobre
dar sinais de constante aversão à lucratividade das empresas, seja nas
licitações, seja por meio de esdrúxula política tributária, indecente para um
país como o Brasil.
Além do
mais, o seu governo tornou a Petrobrás e a Eletrobrás instrumentos de combate à
inflação pelo caminho equivocado do controle de preços. Tal política sinaliza
que dificilmente ela fará os necessários reajustes na esclerosada máquina
administrativa.
Com os tais
conselhos criados, sempre que o governo tomar uma medida demagógica, poderá
dizer que a “sociedade civil organizada” é que a está exigindo…
Por essa
razão, é de compreender o discurso ultrapassado, do século 19, de luta contra
as elites, apresentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preparando
o terreno para medidas “a favor do povo” e contra “os geradores de empregos”,
que, na sua visão, são os ricos. Por isso também Vladimir Putin, que deseja
restaurar o Império Soviético, é para a presidente Dilma Rousseff um parceiro
melhor do que Barack Obama (EUA), representante, para ela, da “oligarquia
econômica”.
Como
cidadão, respeitando a presidente pelo cargo que ocupa em razão de uma eleição
democrática, tenho, todavia, cada vez mais receio de que o eventual risco de
perder o poder leve seu grupo a ser dirigido pelos mais radicais, que se
utilizarão dos ditos conselhos para, definitivamente, semear a cizânia, na
renascida democracia brasileira.
IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS, 79 – Advogado.
É professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra. O Estado de S. Paulo, 22/07/ 2014
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