O
vice-governador da Bahia usou outros gerúndios, mas Rui Costa avisa: ‘Não tenho
motivo para afastá-lo’
Na
sexta-feira, quando o repórter Lucas Reis telefonou para o vice-governador da
Bahia, João Leão, do PP, pedindo-lhe um comentário a respeito de sua inclusão
na lista de políticos arrolados pela Procuradoria-Geral da República, ouviu o
seguinte:
“Estou
cagando e andando, no bom português, na cabeça desses cornos todos.”
João
Leão acumula o cargo de vice-governador do estado com a Secretaria do
Planejamento, para a qual foi nomeado pelo governador petista Rui Costa. Feito
o estrago, dois dias depois Leão desculpou-se de forma tortuosa, explicando “a
exata dimensão das minhas palavras”:
“Foram
considerações feitas num momento de profunda indignação e surpresa. (...) Não
há, da minha parte, nenhuma intenção de ofender o Ministério Público, o Poder
Judiciário, ou quaisquer outras instituições essenciais na manutenção do Estado
Democrático de Direito, nem pessoas.”
Se o
doutor tivesse explodido ao sair de um bar ou mesmo de uma missa, tudo bem. Sua
declaração foi dada numa resposta à indagação do repórter. Pode ter sido
influenciada pela contrariedade, mas a “exata dimensão das minhas palavras” é
só uma.
Faz
tempo, as pessoas iam para a rua com os versos de Geraldo Vandré:
“Caminhando
e cantando
E
seguindo a canção
Somos
todos iguais
Braços
dados ou não”
O doutor
Leão ofereceu dois novos gerúndios para a velha letra, mas desta vez os
“iguais” são outros. Foi a percepção da diferença que provocou os protestos de
domingo, enquanto a doutora Dilma falava.
Passados
alguns dias do episódio, sem que se possa atribuir qualquer conteúdo emocional
ao que disse, o governador Rui Costa justificou as palavras de Leão: “No
momento de dor e revolta você pode acabar pronunciando palavras que não sejam
as mais adequadas”. Antes fosse. Nesse caso, seria compreensível que chamasse
de “cornos” sabe-se lá quem. (Corno só não era ofensa para Andrew Parker
Bowles, o marido de Camilla, namorada do príncipe Charles, atual duquesa da
Cornualha.) A essência dos gerúndios seria então “estou pouco ligando”. Sairia
a vulgaridade e permaneceria a soberba. Se um cidadão disser isso a um delegado
em Salvador, toma uma cana por desacato a autoridade.
O
comissário Rui Costa não tem poderes para demitir o vice-governador eleito em
sua chapa. Contudo, o doutor Leão é seu secretário de Planejamento e ele
informa: “Não vejo motivo nenhum para afastá-lo. Ele foi citado por alguns dos
delatores. O que o STF fez foi autorizar o início do processo de investigação”.
Não é bem assim. A simples abertura da investigação poderia, a juízo do
governador, ser motivo insuficiente para afastá-lo. Tomado ao pé da letra, Leão
informou que estava “cagando e andando” para o procedimento que um ministro do
Supremo Tribunal Federal autorizou que fosse instaurado em relação a ele.
A linda
canção de Vandré, com os gerúndios originais, era um hino para a rua e por isso
foi proibida. Com os gerúndios de Leão, ela se torna um hino para o andar de
cima:
“Seguindo
a canção
Somos
todos iguais
Braços
dados ou não.”
Elio
Gaspari, O Globo, 12/3/2015
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