Mário Henrique Simonsen |
O
auditório no décimo segundo andar daquele templo septuagenário da economia
chamado Fundação Getúlio Vargas estava mais lotado do que posse de ministro.
Lá
dentro, mais de uma centena de convidados – alunos, professores e gente do
mercado financeiro – queriam alguma luz sobre os destinos do PIB, da moeda, e,
de alguma forma, de suas próprias vidas.Mario-Henrique-Simonsen
A placa
na porta explicava o furor daqueles nerds: “Seminário de Política Monetária”. O
evento era uma oportunidade única para se ouvir uma penca de ex-diretores do BC
num momento ‘nunca antes tão confuso’ da vida do País.
Se havia
alguma chance de entender a verdadeira ‘trollagem’ em que transformou a
economia, essa chance estava ali. Estávamos, afinal, na casa de Mário Henrique
Simonsen, talvez o maior economista brasileiro e o autor da frase, “A inflação
aleija, mas o câmbio mata.” Simonsen não viveu para ver o Brasil em que sua
frase voltou a ser atual, mas os economistas nos dois painéis do dia
descreveram-no em detalhes horripilantes.
E o
pior: “o grau de dispersão das opiniões” (em economês, a diversidade de
opiniões) era da espessura de um fio de cabelo. O consenso é de que o dólar vai
continuar subindo, e os juros também.
O
primeiro a falar foi José Júlio Senna, um ex-diretor do Banco Central e autor
de vários livros, um deles chamado “Tempos de Incerteza: A Economia Brasileira
nos anos 80” — dado o título e o momento atual, deve ser candidato óbvio a uma
edição atualizada e comparativa.
Essencialmente, Senna disse que as coisas no Brasil tem que ficar mais
caras para que aumente o excedente a ser exportado e o País, assim, consiga
fechar o buraco na sua balança de pagamentos. “Uma depreciação cambial
adicional parece indispensável,” alertou.
Outro
sinal de que eu devia sair logo dali e procurar a casa de câmbio mais próxima
veio com a exposição de Eduardo Loyo, economista-chefe do BTG Pactual. Loyo
notou que várias moedas estão se desvalorizando em relação ao dólar, e que, por
isso, “para que o Brasil obtenha um dado ganho de competitividade, a
desvalorização do real em relação ao dólar terá que ser maior do que precisaria
ser se essas outras moedas estivessem estáveis frente ao dólar.”
Mas
Senna e Loyo ofereceram apenas o aperitivo; o prato principal foi servido por
Affonso Celso Pastore, um economista de cabelo prateado e pinta de chef gourmet
que comandou o Banco Central entre 1983 e 1985 — aliás, uma época em que, como
agora, a moeda nacional apanhou do dólar forte.
Pastore
disse que essa alta do dólar está só no começo. “O que aconteceu até agora é
pequeno perto do que aconteceu em ciclos de valorização anteriores,” disse ele,
antes de explicar o que considera a principal variável para a desvalorização do
real. “Você não tem que olhar quanto a [Janet] Yellen [presidente do Fed] vai
subir o juro nos EUA. Você tem que olhar o crescimento relativo dos EUA versus
o resto mundo — é isso que vai determinar a desvalorização aqui.”
Para
ele, o fato dos EUA estarem crescendo bem mais que Europa e Japão é o que leva
o fluxo de capitais para lá, e não a alta do juro.
Apontou
para os jovens à sua frente e fuzilou: “Essa geração que está sentada aqui não tem
memória de ciclos de fortalecimento do dólar na magnitude que estamos vendo
hoje… Essa geração que está sentada aqui não tem memória de desequilíbrios
estruturais como os que estamos enfrentando hoje.”
Ao ouvir
a palavra ‘desequilíbrios’, um economista, digamos, mais próximo de Keynes do
que de Friedman me cochichou: “Só tem uma forma de resolver isso: vender
ativos.” (Até tu, Brutus?) “Isso atrairia capital, melhoraria o balanço de
pagamentos e ainda aumentaria o caixa do Tesouro.”
Na
plateia, alguns alunos da graduação mordiam a ponta dos lápis, aparentemente
indecisos entre a satisfação de estar ali ouvindo os oráculos e a angústia com
a mensagem que eles traziam.
Os
ex-BCs foram consensuais em que a desvalorização cambial vai alimentar a
inflação. Como resultado, o chamado ‘salário real’ (o que você ganha, menos o
que a inflação te rouba) vai cair. E, lembrou o economista a meu lado, essa
queda acentuada do poder de compra será a primeira a atingir o brasileiro
depois que ele passou a ter acesso a crédito. Ou seja, vai pegar muita gente
endividada.
No
intervalo, um senhor de rosto vincado e barba branca me abordou e puxou
assunto. Sem que eu nada perguntasse, pontificou: “Hoje existe a internet! Só
não acabam com a inflação porque não querem! Se pegar três PhDs desses aqui [e
apontou para um grupo de alunos], acabam com a inflação em uma semana.” Sorri
obsequioso, e afastei-me por cautela.
Afora o
futuro fulgurante do dólar, sobraram queixas sobre a “desconstrução
institucional” de que a política econômica foi vítima. Mário Mesquita, que
deixou o BC em 2010, lembrou sua experiência prestando contas ao Congresso: “Na
época, a reação do Senado a uma inflação de 3% foi muito mais adversa do que a
reação à inflação de 6%, e isso diz muito sobre o País em que vivemos.” (Não diz não, Mário — grita.)
Afonso
Bevilaqua, que chefiava a política econômica do BC no Governo Lula 1, reclamou
dos “experimentos de política fiscal” que engordaram a dívida durante o Dilma
1, do Congresso ter relaxado a Lei de Responsabilidade Fiscal, e da volta de
relações incestuosas entre os bancos públicos e as estatais.
O clima
do evento evocava uma piada recente que corre no mercado. “Qual é a diferença
entre o cenário otimista e o pessimista no Brasil hoje? No otimista, ‘C’est la
vie’; no pessimista, ‘sem Levy’.”
Tem
horas que só o humor salva.
Geraldo Samor
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