Se em três meses de governo Dilma já enfrenta uma
crise de credibilidade, com vaias e panelaços, o que imaginar para quatro anos
de governo? Em outras palavras: é possível perguntar pela saída num túnel tão
longo e agitado?
Se fosse cirurgião político e a crise fosse um corpo
humano, minha proposta seria desconectar alguns nervos que entrelaçam economia
e política. Isso é quase impossível. Mas não deixa de ser a tarefa correta. Se
a crise política continuar interferindo na frágil situação econômica, será mais
longo o caminho da retomada, todos sofreremos mais.
O cenário ideal seria aquele em que o Congresso
Nacional discutisse as medidas econômicas de manhã e, ao longo do dia e da
noite, quebrasse o pau em torno da política, sobretudo da corrupção. Esse
idealismo esbarra em obstáculos intransponíveis, como a divergência entre quem
manda no Congresso e quem manda no governo.
Na discussão econômica, não seriam escamoteadas as
questões políticas. Estamos cortando os gastos de forma adequada? Quais são as
correções necessárias no movimento da tesoura?
Quem apenas torce pela recuperação econômica tem
medo de que as teses do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sejam contestadas e
prefere não apontar correções. Mas elas podem enriquecer o estreito caminho.
Os cortes terão de ser feitos por um governo de
esquerda, é o que temos no momento. Na Grécia, a esquerda chegou ao poder com
um projeto de rever o plano de austeridade. Aqui, ela ainda precisa reverter a
gastança. É uma etapa anterior, para a qual está pouco preparada.
Mesmo se conseguirmos isolar, parcialmente, a
economia, é impossível acreditar que Dilma iria muito longe. O desgaste
cotidiano, acabará reduzindo seu horizonte.
A conjugação das crises política, econômica e social
é uma das mais sérias que conheci nos últimos anos. Dilma acha que não, que
estamos exagerando.
Ela afirma que o aumento no preço da energia se deve
à seca e omite seus equívocos. Ela diz que a Petrobrás foi assaltada, mas não
consegue vislumbrar, pelo menos no seu discurso, como se produziu esse assalto.
Dilma não reconhece as mentiras da campanha. E
acredita que as pessoas vão esquecer-se delas com um pouco de manipulação
marqueteira.
O PT não reconhece o direito legítimo de protestar
contra o governo. Prefere atacar os que protestam: são ricos, são da classe
média, burgueses manipulados pela imprensa golpista.
A tática da negação e do confronto alimenta os
protestos. É possível que alguém deles saiba disso. Saber alguma coisa dentro
do PT é extremamente perigoso. Seguir a cartilha é mais seguro.
Nesse quadro, não vejo outro caminho a não ser uma
crise prolongada. Sem capacidade de autocrítica e conciliação, Dilma marcha
para uma rejeição mais ampla nas pesquisas.
A manifestação de domingo, com o tema "Fora
Dilma", é uma tentativa de desatar um dos grandes nós da crise: a
incapacidade da presidente mais despreparada do período democrático para
liderar o processo mais difícil que o Brasil enfrentou nesses 30 anos.
Os teóricos do PT afirmam que a saída de Dilma é um
golpe, pois foi eleita para governar até 2018. Nem toda saída é um golpe.
Collor, com a ajuda do próprio PT, sofreu impeachment. No período anterior à
democratização, Jânio simplesmente renunciou.
Os tucanos rejeitam a tese do impeachment. Não
gostam de conflito. Nem os previstos na lei. Argumentam que a sustentação
política do governo sofreu um colapso. E mencionam vagamente uma abertura para
a sociedade.
Impeachment e renúncia são diferentes de golpe.
Intelectuais ligados ao governo têm falado de um ódio contra o PT. De fato, os
ânimos se exaltaram. Fala-se de um ódio contra o PT, como se o partido fosse de
anjos imaculados. Ninguém analisa o comportamento dos seus quadros no governo
ou tenta entender as causas da rejeição.
Segundo alguns deles, o ódio dos ricos existe porque
os pobres consomem mais, vão às universidades e viajam de avião. Em outras
palavras, a razão do ódio é a nossa virtude solidária.
O máximo que conseguem é isto: circunscrever o
processo à oposição ricos e pobres. Se os ricos estão protestando, os pobres
deveriam celebrar.
As lentes da ideologia queimam muitos neurônios.
Eles supõem que os pobres são ressentidos e darão razão a qualquer governo ao
qual os ricos se oponham.
São incapazes de reconhecer a importância do ajuste
econômico e apresentar, dentro dele, um viés que realmente atenue o impacto
negativo nos setores menos favorecidos. Um programa de cortes teria mais
credibilidade se envolvesse alguns gastos do governo, passando pela
publicidade, pelas viagens irracionais, pela demissão em massa dos companheiros
agregados à máquina do Estado.
Dilma não tem condições de enfrentar a crise. Os
intelectuais perderam-se na defesa do governo, foram atropelados, como tantos
na História, pelo fascínio da chapa branca.
Não há dentro do PT a energia suficiente para pensar
uma saída. Apenas reflexos defensivos, baseados nos instintos mais básicos da
esquerda autoritária. Essa estrutura mental, que projeta nos outros a causa do
próprio fracasso, é um dos pontos que me deixam pessimista em torno de um
diálogo quando a crise for sentida como insuportável.
O PT acredita que está sofrendo uma conspiração dos
ricos e da classe média. Mas poucos movimentos na História fizeram tantos
líderes ricos e elevaram tantos militantes à classe média.
O problema do momento não é o choque de ricos contra
pobres. Gostaria de ver seu espanto quando descobrirem isso. Ou, pelo menos,
constatarem que existem milhões de ricos no Brasil.
Domingo ainda não vai revelar tudo. Mas será uma
espécie de passagem de ano, um réveillon político de 2015.
Fernando Gabeira, O Estado de São Paulo, 13/3/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário