Sempre
procurei, tantas vezes em vão, encontrar o significado de tudo. Por exemplo,
por que há pessoas boas e más, por que as pessoas boas fazem coisas más e
vice-versa, por que entre pessoas que se querem bem pode haver frieza ou até
maldade, por que… lista infindável, ainda mais para quem tem um pouco de
imaginação. A cada momento reinventamos o mundo, reinventamos a nós mesmos,
reinventamos nossos afetos para que seja tudo menos doloroso.
Escrevendo
sobre a situação do Brasil um pequeno livro que deve aparecer em breve, observo
ainda mais intensamente o que acontece, tanta coisa inacreditável, mas real.
Assim reflito quase constantemente sobre todas as loucuras, baixezas, perigos,
sustos, desalentos atuais, aqui e ali uma luzinha minúscula que logo bruxuleia.
Vai se apagar para sempre? Nada é para sempre. As coisas más, as fases ruins,
também hão de passar. Mas, no momento, não sou otimista. Falsidade, mentiras,
arzinho superior e palavras fantasiosas sobre questões fundamentais, apontar o
dedo para o adversário, tudo é pior do que a dura verdade. Assustam-me
discursos com que neste momento dramático alguns negam ou diminuem a gravidade
da situação, revelando-se o desvio de inacreditáveis fortunas que deveriam
atender o povo mais carente, a maior vítima desse desastre, um povo
despossuído, sem as coisas essenciais que lhe têm sido negadas ─ não por uma
fatalidade, mas por ganância de quem já tinha uma boa fortuna, mas queria mais,
e mais.
Hoje, os
acusados reagem com ironias, ameaças, invenções: mas fizeram de nós um dos
piores países do mundo em quase tudo, sobretudo educação e segurança. Ninguém
assume sua responsabilidade, antes critica adversários ou países mais
adiantados, como se fôssemos todos uns pobres crédulos. Começamos a perceber o
que se passa no nevoento território da política que fragilizou a economia, e é
cenário de tão grave incompetência e irresponsabilidade. Na grande negociata
nunca vista, quase todos tinham seu preço: não foi barato. Pouco sobrou para o
brasileiro que ignorava esses fatos que atingiram seu bolso, sua esperança e
suas possibilidades de uma vida decente.
A
política influenciou e dominou nossa existência nos últimos anos, com gestão
incompetente, péssimo planejamento, desorganização nas contas públicas,
maquiagem do desastre que foi escondido de um povo mal informado porque mal
escolarizado (não é por acaso que negligenciamos tanto a educação). A pátria-mãe
desvia o rosto; nós, os filhos, largados na floresta como num conto de fadas
sinistro. Os próprios investigadores das gigantescas fraudes, impressionados,
admitem estar diante de tramas de dimensão e sofisticação nunca vistas.
A
paisagem brasileira está de pernas para o ar: nada faz muito sentido, tamanho o
escândalo. Para começar, os salários com que tentamos manter uma vida honrada
são patéticos diante das cifras roubadas, apresentadas pelos competentes e
corajosos investigadores. Irresponsabilidade e incompetência comandaram as
façanhas que esfacelaram o país, agora rebatizadas de “malfeitos”. Espantoso:
os desvios não eram efetuados por bandidos oficiais, mas por grandes
empresários que admitem, talvez forçados pelo medo, que, se não tivessem entrado
no esquema de corrupção e pagado as irreais propinas, suas companhias teriam
ficado “de fora” da roda dos mafiosos, prejudicando seus acionistas e
trabalhadores. Quase todos afirmam com veemência que de nada sabiam: viviam em
outro planeta. Não saber de nada passou a ser um triste refrão.
Os
investigados, denunciados e presos continuam protestando contra tamanha
maldade: todos vítimas do lobo mau da Justiça. Seus defensores encenam uma
ópera-bufa de delirantes explicações: roubalheira mascarada de comportamento
legal, nos parâmetros da decência. Se essas ficções patéticas fizessem sentido,
nunca teria havido tantos inocentes no mundo: as elites e os estrangeiros
seriam os culpados. Essa farsa acabou: não há desculpa perante uma nação
ferida.
Lya Luft, VEJA
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