PRESO NA
OPERAÇÃO PIXULECO, informa a mais recente anotação no prontuário de José Dirceu
de Oliveira e Silva, mineiro de Passa Quatro, 69 anos, advogado com
especialização em corrupção ativa e formação de quadrilha. A palavra que
batizou a 17ª etapa da Lava Jato, usada pelo gatuno João Vaccari Neto como
sinônimo de propina, é vulgar na forma e abjeta no conteúdo ─ e rima com José
Dirceu. Pixuleco é um nome perfeito para a operação policial que consumou a
morte política do general sem soldados ─ e implodiu uma farsa que durou meio
século.
Como
pôde durar tanto um compulsivo colecionador de fiascos? Já em 1968, quando
entrou em cena fantasiado de líder estudantil, nosso Guevara de galinheiro
namorou uma jovem chamada Heloísa Helena sem saber que convivia dia e noite com
“Maçã Dourada”, espiã a serviço da ditadura militar. Se quisesse prendê-lo, a
polícia nem precisaria arrombar a porta do apartamento onde o casal dormia: a
namorada faria a gentileza de abri-la. No mesmo ano, a usina de ideias de
jerico resolveu que o congresso clandestino da UNE marcado para outubro, com
mais de mil participantes, seria realizado em Ibiúna, com menos de 10.000
moradores.
Intrigado
com o tamanho da encomenda ─ 1.200 pães por manhã ─ o padeiro que nunca fora
além de 300 por dia procurou o delegado, que ligou para a Polícia Militar, que
prendeu todo mundo. Libertado 11 meses depois pelo grupo de sequestradores do
embaixador americano Charles Elbrick, declarou-se pronto para recomeçar a
guerra contra a ditadura e ficou empunhando taças de vinho em Paris até que lhe
ocorreu a ideia de trocar a Rive Gauche por um cursinho de guerrilha em Cuba
que, por falta de verba para balas de verdade, usava apenas balas de festim
para adestrar os futuros soldados da selva.
O
combatente diplomado submeteu-se a uma cirurgia para que o nariz ficasse
adunco, voltou ao Brasil na primeira metade dos anos 70, percebeu que a coisa
andava feia assim que cruzou a fronteira e, em vez de mandar chumbo no campo,
sacou da mala a documentação que o identificava como Carlos Henrique Gouveia de
Mello, comerciante de gado, e se mandou para Cruzeiro do Oeste, no interior do
Paraná. Logo se engraçou com a dona da melhor butique da cidade, adiou por
tempo indeterminado a derrubada do governo e se entrincheirou na máquina
registradora do Magazine do Homem.
Em 1979,
a decretação da anistia animou o forasteiro conhecido no bar da esquina como
“Pedro Caroço” a contar quem era à mãe do filho de cinco anos e avisar que
precisava voltar à cidade grande. Afilou o nariz com outra cirurgia e
reapareceu em São Paulo ansioso por recuperar o tempo perdido. A gula e a
pressa aceleraram a expansão da cinzenta folha corrida. Deputado estadual e
federal pelo PT paulista, rejeitou todas as propostas de todos os governos.
Presidente do partido, instalou Delúbio Soares na tesouraria. Com o triunfo de
Lula em 2002, o pecador trapalhão foi agir em Brasília.
Capitão
do time de Lula, mandou e desmandou até a descoberta de que promovera a
Assessor para Assuntos Parlamentares o extorsionário Waldomiro Diniz, com quem
havia dividido um apartamento. Era só mais um no ministério quando, em 2005, o
Brasil ficou sabendo que o chefe da Casa Civil também chefiava a quadrilha do
mensalão. Despejado do emprego em junho, prometeu mobilizar deus e o mundo,
além dos “movimentos sociais”, para preservar o mandato em perigo. Em dezembro,
conseguiu ser cassado por uma Câmara que inocenta até a bancada do PCC.
Sem
gabinete no Planalto ou no Congresso, sem rendimentos regulares e sem profissão
definida, escapou do rebaixamento à classe média ao descobrir o mundo
maravilhoso dos consultores vigaristas. Com a cumplicidade dos afilhados que
espalhara pela administração federal, em poucos meses José Dirceu já se tornara
um próspero facilitador de negociatas engendradas por capitalistas selvagens. Em
2012, o julgamento do mensalão ressuscitou o perseguido político. Condenado por
corrupção ativa e formação de quadrilha, entrou no presídio com o punho
erguido.
Ao sair
da Papuda para cumprir em casa o restante da pena, era um sessentão com boa
saúde. Ao voltar à cadeia por se ter metido nas bandalheiras do Petrolão, é uma
versão avelhantada de si próprio. Desfrutou por poucos meses do poder que
perseguiu desde o berçário. Desfrutou por poucos anos da fortuna que passou a
perseguir depois da queda. O casarão em Vinhedo é uma das muitas evidências
tangíveis de que José Dirceu é hoje um milionário. Para quê? Para nada. De nada
vale a posse de mansões para quem é forçado a dormir no xilindró.
Uma
tropa comandada por um guerrilheiro de festim só consegue matar de riso, repete
a coluna há seis anos. As dúvidas que assaltaram muitos leitores foram
dissolvidas pela implosão do embuste. O guerreiro do povo brasileiro era apenas
um caçador de pixulecos.
Augusto Nunes, 11/8/2015
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