quarta-feira, 27 de agosto de 2014

VENEZUELA NA UTI


A irresponsável aventura bolivariana na Venezuela não para de dar seus frutos. Um dos mais recentes, e graves, é a escassez generalizada de insumos médicos e hospitalares, que ocorre já faz algum tempo, mas que neste mês atingiu um ponto crítico. Faltam desde materiais básicos, como bisturis e gaze, até produtos para procedimentos complexos. A Associação Venezuelana de Clínicas e Hospitais e outras entidades médicas qualificam a situação de "crise humanitária".
O problema é o mesmo que atinge diversos outros setores da economia: o controle rígido do câmbio para tentar estancar a sangria de dólares impede que fornecedores estrangeiros recebam o pagamento pelos seus produtos e serviços. O calote na área de materiais e insumos atingiu US$ 363 milhões, enquanto na área de remédios e matérias-primas as dívidas pendentes somam US$ 970 milhões. Isso gerou perda de credibilidade com os fornecedores, queixou-se Cristino García Doval, presidente da associação de hospitais. Como a Venezuela importa 90% dos insumos médicos e hospitalares, é possível dimensionar o tamanho do problema.
As consequências são inúmeras, muitas delas dramáticas. Sete clínicas de Caracas decidiram suspender as cirurgias eletivas para poder atender somente às emergências. Cerca de 6 mil pacientes com cirurgias marcadas não puderam ser operados por falta de material. O presidente da Sociedade Venezuelana de Anestesiologia, Nerio Bracho, disse que o déficit de anestésicos inaláveis, por exemplo, atinge 90%.
No início do mês, a Associação Venezuelana de Distribuidores de Equipamentos Médicos entregou um volumoso relatório à Assembleia Nacional - o Congresso do país, dominado pelos chavistas - para denunciar a situação e pedir providências. Foi o segundo produzido em três meses. O presidente Nicolás Maduro também foi informado diversas vezes sobre o problema. Segundo as entidades médicas, ainda não houve reação dos parlamentares nem do governo.
Em nota, a Sociedade Venezuelana de Saúde Pública advertiu que "a falta de respostas do governo para os problemas identificados há meses nos conduz irremediavelmente a uma crise humanitária na saúde, como já advertimos publicamente em janeiro deste ano, com graves e imprevisíveis consequências para a saúde e a vida das pessoas".
Além de não dar nenhuma satisfação para as organizações médicas, Maduro parece mais interessado em privilegiar sua agenda política e ideológica, ao lotar um avião com alimentos, remédios e equipamentos hospitalares e enviá-lo à Faixa de Gaza. Não foi a primeira vez que o governo chavista, em meio ao agudo desabastecimento na Venezuela, prestou "ajuda humanitária" a sócios de sua empreitada anti-imperialista, como Cuba e Síria. Enquanto isso, em seu país, pacientes deixam de ser operados e consumidores enfrentam filas para comprar comida, situação que mais se assemelha à de lugares conflagrados pela guerra.
Mas nada disso surpreende. A despeito do discurso de que o chavismo revolucionou os serviços públicos na Venezuela, em atendimento aos pobres, a administração da saúde na última década sempre foi amadora, dependente do voluntarismo típico de governos autoritários. Em 2009, o então presidente Hugo Chávez reconheceu o descalabro e declarou situação de emergência na área de saúde dentro do seu principal programa social, o Bairro Adentro. No entanto, em vez de atacar o cerne do problema - corrupção desenfreada e má administração dos recursos -, a solução encontrada foi a mera importação de mais médicos cubanos, que se somaram ao enorme contingente que já atuava no país.
O paliativo nada resolveu, como se observa agora. No final do ano passado, Maduro admitiu que a situação dos hospitais era "uma vergonha". Foi um súbito acesso de sinceridade, que, todavia, não resultou em nenhuma medida para encaminhar uma solução concreta. Ao contrário: a inépcia do governo venezuelano está atirando o país de vez na UTI.
O Estado de São Paulo

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