O Brasil se
move por acaso. Os rumos da História, se é que tem rumos, tendem a se enrolar
em si mesmos e só fatos, traumas inesperados disparam a mutação. Que quer dizer
essa frase? Que não são apenas as “relações de produção” que explicam nossa
marcha, mas os detalhes, as ínfimas causas, as bobagens casuais e tragédias
intempestivas fazem o Brasil andar.
Getúlio deu
um tiro no peito e adiou a ditadura por dez anos. Jânio tomou um porre e pediu
o boné, um micróbio entrou na barriga do Tancredo e mudou nossa vida, encarando
o Sarney por cinco anos, o Collor foi eleito por sua pinta de galã renovador e
acabou “impichado” por suas maracutaias. Roberto Jefferson mostrou sua
carteirinha de corrupto, se denunciou junto com os mensaleiros e mudou a
paisagem política. E agora Marina Silva pode ser presidente, em vez da
Presidenta.
Com a
população mal-informada em sua maioria (não falo dos miseráveis e analfabetos,
mas de gente de terno e gravata) sobre as complexas questões da política e da
economia, a emoção e a catarse movem o país.
Agora,
estamos na expectativa; somos o país do eterno suspense: Marina vai ser eleita
ou não? Será que o efeito “tragédia” vai se evaporar? A grande mudança seria,
claro, a social-democracia apta a desfazer as boquinhas e os pavorosos erros
com que o PT nos brindou. Aécio, se eleito, pode trazer a agenda correta. Mas,
se Marina ganhar, teremos um outro tipo de mudança, uma virada para um “novo”
desconhecido, uma virada psicológica e cultural inesperada. Não adianta
analisar Marina com os instrumentos de análise costumeiros.
Agora em
vez dos óbvios vexames do PT, estamos diante do mistério Marina.
Marina é
“sonhática” ou não? Marina é populista? Marina é de esquerda ou não? Nada. No
entanto, amigo leitor, Marina pode ser o olho de um furacão que, claro, jamais
conseguirá renovar a velha política sólida; mas ela pode criar um “caos” na
vida politica. Talvez até um “caos progressista” pelo avesso. Que é isso que
quero dizer? Marina pode vir a bagunçar mais a bagunça existente, mas poderá
ser uma “bagunça crítica”, que pode trazer uma espécie de “destruição criadora”
nesta zorra instalada.
Para falar
em termos de “contradições negativas” que eles tanto amam, o caos que Lula,
Dilma e o PT criaram na vida nacional pode ter sido o gatilho para uma revisão
em busca de um modelo melhor. Se Marina vencer, será sabotada continuamente
pelos vagabundos que se instalaram no Estado, será confrontada pelas barreiras
fisiologistas dos parlamentares, talvez quebre a cara tentando. Mas, mesmo que
fracasse, teremos um “caos mais moderno”, tirando do poder a velha cartilha regressista
dos nossos bolivarianos. Mesmo que ela se perca na selva dos meliantes da
política, não será mais irracional que os atuais governantes. O súbito
surgimento inconcebível dessa moça da floresta e suas abstratas declarações são
uma prova encarnada do delírio político do país. Com a queda do avião, houve
uma grande reviravolta trágica que resultou em uma comédia de erros. Ninguém
sabe o que vai nos acontecer.
Podemos
decifrar, analisar, comprovar crimes ou roubos, mas nada se move, porque a
maior realização deste governo foi justamente a desmontagem da Razão. Se bem
que nunca antes nossos vícios ficaram tão explícitos, nunca aprendemos tanto de
cabeça para baixo. Já sabemos que a corrupção no país não é um “desvio” da
norma, não é um pecado ou crime; é a norma mesmo, entranhada nos códigos e nas
almas. O caudilhismo sindicalista de Lula serviu para entendermos melhor nossa
deformação.
Os
comentaristas ficam desorientados diante do nada que os petistas criaram com o
apoio do povo analfabeto. Os conceitos críticos como “democracia, respeito à
lei, ética”, viraram insuficientes raciocínios contra um cinismo impune. Lula
com seu carisma de operário sofredor nos decepcionou, revelando-se um
narcisista egoísta e despreparado, enquanto o melhor governo que tivemos, do
FHC, ficou no imaginário da população como um fracasso, movido pela campanha de
difamação sistemática e pela babaquice dos tucanos que não se defenderam. Os
petistas têm mania da ideologia da contramão. Fizeram tudo ao contrário do
óbvio, movidos por uma ridícula utopia revolucionária, quando na realidade só
fizeram avacalhar o país.
Meu Deus,
que prodigiosa fartura de novidades fecundas como um adubo sagrado, belas como
nossas matas, cachoeiras e flores. Ao menos, estamos mais alertas sobre a técnica
do desgoverno que faz pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas
leprosas, hospitais cancerosos, esgotos à flor da terra, tudo como plano de
aceleração do crescimento. Fizeram tudo para a reestatização da economia,
incharam a máquina pública, invadiram as agências reguladoras, a Lei de
Responsabilidade Fiscal, em busca de um getulismo tardio, com desprezo pelas
reformas, horror pela administração e amor aos mecanismos de “controle” da
sociedade, esta “massa atrasada” que somos nós. A esquerda psicótica continua
fixada na ideia de “unidade”, de “centro”, ignorando a intrincada sociedade com
bilhões de desejos e contradições. Acham que a complexidade é um complô contra
eles, acham a circularidade inevitável da vida uma armação do neoliberalismo internacional.
Os petistas
têm uma visão de mundo deturpada por conceitos acusatórios: luta de classes,
vitimização, culpados e inocentes, traidores e traídos. Petistas só pensam no
passado como vítimas ou no futuro como salvadores e heróis. O presente é ignorado,
pois eles não têm reflexão crítica para entendê-lo. Reparem que Dilma na TV só
fala do que “vai fazer”, se for eleita. Por que não fez antes, nos 12 anos da
incompetência corrosiva? A solução é mentir: números falsos, contabilidade
falsa. Antigamente, se mentia com bons álibis; hoje, as tramoias e as patranhas
são deslavadas; não há mais respeito nem pela mentira. É isso aí, amigos, o
bicho vai pegar. Em quem?
Arnaldo
Jabor. O Globo e O Estado de São Paulo - 2 de setembro de 2014.
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