O ‘Plano A’
era declarar guerra à elite branca do PSDB, fingir que a ruína econômica tem
causas externas, pintar o país de rosa na propaganda eleitoral e conquistar
mais quatro anos de Poder. O ‘Plano B’ era, era, era… Não havia um ‘Plano B’. O
generalato do PT não tinha considerado a hipótese de o ‘Plano A’ dar errado.
Ninguém podia imaginar que a morte de Eduardo Campos ressuscitaria a cafuza
Marina Silva.
Agora,
Dilma Rousseff e seus operadores buscam uma saída que os redima do fiasco.
Neste sábado, num comício organizado pelo PMDB, Dilma adotou um ‘Plano B’ que
seu vice, Michel Temer, improvisara em cima da perna. “Numa democracia, quem
não governa com partidos está flertando com o autoritarismo”, disse a
ex-favorita, ecoando um discurso que o vice fizera na véspera, em Porto Alegre.
“Não existe um único lugar em que haja regime democrático e que não haja
partido.”
Nessa
formulação, Marina e sua promessa de governar com “as melhores pessoas” da
República seria uma ameaça à normalidade democrática. “As pessoas não podem ser
colocadas acima das instituições”, disse Temer, no pronunciamento que inspirou
Dilma. “Quando isso aconteceu no mundo, nós fomos para o autoritarismo. Nós
temos exemplos dramáticos no mundo, não quero nem mencioná-los!”
A nova
estratégia evidencia o desnorteio do conglomerado governista. O que fez de
Marina uma alternativa real de poder foi justamente a insuportável normalidade
que permeia a democracia brasileira. Oito em cada dez eleitores desejam que o
próximo presidente adote providências diferentes das atuais, informa o
Datafolha. Ou, por outra: 79% do eleitorado acha que algo de anormal precisa
suceder. Sob pena de passar por natural o que é absurdo.
Quem quiser
compreender o que está acontecendo deve levar em conta o seguinte: os últimos
presidentes brasileiros —FHC, Lula e Dilma— foram prisioneiros de um paradoxo:
prometeram o avanço sem chutar o atraso. Pregaram o novo abraçados ao velho.
Presidiram a ilicitocracia enrolados na bandeira da moralidade. E terminaram
confundindo a plateia. Uma parte acha que são cínicos. A outra avalia que são
cúmplices.
Hoje, os
quase 80% que estão sedentos por mudança dividem-se em dois grupos. Os que
duvidam de tudo enxergam os últimos presidentes como cínicos. Os que não
duvidam de mais nada os vêem como cúmplices. As duas alas se juntam na
percepção de que, à margem dos avanços econômicos e sociais, proliferou um
sistema político-partidário caótico, um mal cada dia menos necessário.
Aos olhos
de muita gente, o PT virou um projeto político que saiu pelo ladrão. O PMDB e
seus congêneres tornaram-se organizações partidárias com fins lucrativos, todas
elas financiadas pelo déficit público. E o PSDB é a mesma esculhambação, só que
com doutorado na USP. Se a economia vai bem, o acúmulo de fraudes é tolerado.
Se a inflação aperta, a roubalheiras salta às retinas.
Num Brasil
remoto, a análise política exigia meia dúzia de raciocínios transcendentes. Era
necessário decidir se o pragmatismo do PSDB seria melhor do que o puritanismo
do PT, se a social-democracia responderia às dúvidas do socialismo, se a ética
da responsabilidade prevaleceria sobre a ética da convicção… Hoje, a coisa é
bem mais simples.
Karl Marx e
Max Weber tornaram-se descartáveis. Falidas as ideologias, o templo da política
abriga uma congregação de homens de bens. Vigora no Executivo, no Legislativo e,
por vezes, até no Judiciário a lógica do negócio. Tudo se subordina a ela,
inclusive os escrúpulos. A integridade dos ovos não vale mais nada. Importa
apenas o proveito do omelete.
Já nem é
preciso varrer as cascas para debaixo do tapete. A generalização da desfaçatez,
hoje espraiada da Esplanada à Petrobras, tornou a anomalia normal. Tudo parecia
tranquilo nessa democracia anestesiada até que as ruas decidiram roncar em
junho de 2013. Ao despencar do olimpo das pesquisas, Dilma virou uma espécie de
porta-voz do asfalto.
O que os
manifestantes querem é o mesmo que o governo deseja, disse ela na época. “O meu
governo está ouvindo essas vozes pela mudança. Está empenhado e comprometido
com a transformação social”, declarou, antes de acrescentar que passeata é uma
coisa normal, que ela mesma já participou de muitas.
Por muito
pouco Dilma não jogou uma mochila nas costas e foi à Avenida Paulista cobrar a
melhoria dos serviços públicos, ao lado de heróis da resistência como Sarney e
Renan. “Essa mensagem direta das ruas contempla o valor intrínseco da
democracia”, ela festejou. “Essa mensagem é de repúdio à corrupção e ao uso
indevido de dinheiro público.”
Candidata
de um partido cuja cúpula se encontra na cadeia, Dilma soou esquisito. Não se
deu conta de que o excesso de cadáveres políticos dera origem a um defunto
mais, digamos, ilustre: o próprio PT. Morreu também o pobre. De suicídio. E,
suprema desgraça, não foi para o céu. A ex-petista Marina Silva é o purgatório
do ex-PT. Ela se tornou uma espécie de repositório do ‘voto saco cheio’.
É nesse
estágio que o país se encontra agora. De saco cheio das alianças espúrias e da
tolerância presidencial para com os maus hábitos. De saco cheio da teia de
chantagens e exigências feitas em nome da pseudo-governabilidade. De saco cheio
do mês que dura sempre mais do que o salário. De saco cheio de tudo isso que
está aí.
Ao dizerem
que ninguém governa sem os partidos, Dilma e Temer tentam aproximar Marina
Silva da figura de Fernando Collor, a “nova política” que terminou em
impeachment. O problema é que, tomada pela biografia, ela está mais para Lula,
em sua versão 2002, do que para caçadora de marajás. Com uma diferença: foi
digerida pelo mercado sem precisar assinar nenhuma carta aos brasileiros.
Para se
manter no topo das pesquisas até outubro, Marina talvez não precise fazer nada
além de desviar dos laranjas do jato de Eduardo Campos e cuidar das suas boas
maneiras. Prevalecendo a bordo do PSB e de sua coligação diminuta, chegaria ao
Planalto sem dever nada a ninguém, exceto aos donos dos votos. Diz-se que pode
terminar em desastre. Mas o eleitor, de saco cheio, parece cada dia mais
disposto a assumir o risco de, no mínimo, cometer um erro diferente.
JOSIAS DE SOUZA.
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