quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O coitadismo nacional e o culto à vitimização


Quando eu era criança, passei por extrema necessidade. Meus pais, muito pobres, não tinham dinheiro para alimentar todos os 7 filhos, e tínhamos que dividir o pouco de arroz e farinha que chegava à mesa. Carne era item mais raro do que honestidade no PT. Quando surgia um pedaço, celebrávamos como se tivéssemos ganhado na loteria.
Além da fome, as doenças foram uma constante em nossas vidas. Dos sete irmãos, três não chegaram à adolescência. Eu mesmo escapei da morte por muito pouco. Acometido pela diabetes, cujo tratamento é bastante dispendioso, cheguei a ter crises em que o médico decretava a falta de possibilidade de reversão. No entanto, resisti, sobrevivi e cá estou eu.
Enquanto outras crianças brincavam na rua nos fins de semana, desde muito cedo tive que trabalhar para ajudar no sustento em casa. Primeiro fazendo biscates, depois como contínuo em um escritório do patrão de minha mãe. Era o último a sair, e a grande dúvida era se chegaria vivo em casa, pois tinha que atravessar uma vizinhança extremamente perigosa no trajeto.
Hoje estou aqui, pedindo o seu voto para poder ajudar todos aqueles que sofrem o mesmo tipo de penúria, que conhecem de perto as agruras da vida dos brasileiros simples. Quero retribuir de alguma forma aquilo que recebi como oportunidade para melhorar de vida. Conto com seu apoio.
O texto acima, caro leitor, é totalmente fictício e inventei tudo agora (acho que alguns esquerdistas já estavam até com pena de mim e com um olhar mais obsequioso). Apesar de ser uma história criada, tenho certeza de que muitos passaram exatamente por isso, ou coisa bem parecida, uma vez que essa é a realidade de milhões de brasileiros.
Agora, pergunto: o que tal trajetória tem a ver com minha capacidade de gestão? O que meu passado de miséria e sofrimento diz sobre minha habilidade como político? O que a fome da infância garante quando o desafio é aprovar medidas que efetivamente reduzam a fome dos outros?
Quis, com isso, mostrar como nosso país está mergulhado em um culto à vitimização. O que cada um sofreu na vida parece mais importante do que aquilo que desenvolvemos como habilidades e conhecimento. É uma ótica invertida, do coitadismo.
Conheço algumas pessoas que tiveram infância quase tão triste como essa que criei. Deram a volta por cima, não pelas benesses estatais, mas com base em muito esforço e mérito pessoal, quase sempre contra os obstáculos criados pelos governos populistas que agem em nome dos mais pobres.
A campanha de Pezão aqui no Rio tem batido insistentemente nessa tecla de seu passado de pobreza e de sua humildade permanente, mesmo depois de subir na vida. Sua mãe, soubemos na campanha, até hoje não tem empregada, mesmo bem idosa. Lindo! Mas… o que isso significa em termos de gestão do estado?
Não sei. Só sei que Pezão disparou na última pesquisa, pois tem a máquina a seu favor e mais tempo de TV para esse tipo de campanha, que funciona, pelo visto. Nem vou reclamar nesse caso específico, pois Garotinho ninguém merece! Mas chamo a atenção para o fenômeno em si: sem a vitimização não dá para disputar eleições no Brasil.
A “marcha dos oprimidos” tem tudo a ver com isso. Em nosso modelo de estado de bem-estar social generoso, com um paternalismo exacerbado, quem não chora, não mama. É preciso chorar, e muito. É preciso extrair lágrimas dos outros, apelar às suas emoções e empatia. Quem posar de mais vítima, ganha.
E ficamos sem saber as propostas concretas, o histórico profissional de cada um, suas principais ideias, seu currículo de conquistas práticas. Não é porque alguém passou fome que saberá como atacar o problema da fome ainda existente. O mundo não funciona assim, dependente da “vontade política” e das boas intenções. Ou será que somente quem teve câncer pode tratar do câncer, e não um médico especialista e bem treinado para tanto?
Como exemplo, basta pensar em Dilma: exploraram até o cansaço seu passado de “militante” (guerrilheira comunista, na verdade) que combateu a ditadura (defendia outra pior, na verdade) e foi vítima do regime militar. Enquanto bem mais importante do que isso era o eleitor saber que levara à falência uma loja de bugigangas, sua única experiência como gestora. Deu nisso…
Temos a mania do sentimentalismo exagerado. Quem costuma vencer os insuportáveis Big Brother Brasil são os que se fazem de vítimas, mostram-se como “minorias” alvos da maioria dominante, procuram se vender como “bonzinhos” e sofredores. Como gostamos de uma vítima!
Digo o óbvio ululante. Mas, como sabia Nelson Rodrigues, que foi um desses que teveram uma infância de fome e doenças, mas deu a volta por cima por mérito pessoal, é preciso constatar o óbvio, que só os profetas enxergam!
Rodrigo Constantino

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