Franz Oppenheimer |
O Estado
tem sua origem na conquista, e se mantém através da exploração. Eis a tese que
Franz Oppenheimer defende em seu livro The State. Essa tese encontra eco em
diferentes autores, incluindo Nietzsche, que acreditava que o Estado se origina
na forma mais cruel de conquista. Para o criador de Zaratustra, o Estado, esse
“novo ídolo”, seria o “mais frio de todos os monstros frios”, e mente quando diz
“Eu, o Estado, sou o povo!”. Nietzsche é direto: “Destruidores, são os que
preparam armadilhas para muitos e as chamam Estado; e suspendem por cima deles
uma espada e cem cobiças”. Para ele, qualquer coisa que o Estado possua,
“roubou-a”.
David
Hume é categórico ao afirmar: “Quase todos os governos que existem hoje ou dos
quais existem registros na história se fundaram na usurpação ou na conquista,
ou em ambas, sem pretensão alguma de um consentimento legítimo ou de uma
submissão deliberada do povo”. Ele notou que muitos se submetem ao governo que
se encontra já estabelecido no país onde vivem, sem pesquisar com muita
curiosidade as origens de seu estabelecimento inicial. Poucos governos
suportariam um exame rigoroso deste tipo.
Ele diz:
“A obediência e a submissão se tornam uma coisa tão costumeira que os homens,
em sua maioria, jamais procuram investigar as suas origens ou causas, tal como
ocorre em relação à lei da gravidade, ao atrito ou às leis mais universais da
natureza”. A ignorância sobre as intenções dos outros mantém todos
amedrontados, e nisso reside a segurança do líder. “Foi por meio de artifícios
assim que se fundaram muitos governos, e a isto se pode resumir todo o contrato
original de que podem se vangloriar”, diz Hume. Com o tempo, o governo irá
adquirir uma aura de legitimidade, e a maioria das pessoas vai obedecê-lo por
puro hábito. O consentimento é possível somente quando há escolha, e nenhum
governo pode permitir que a obediência seja uma questão de escolha.
Para
Oppenheimer, existem basicamente duas formas de organização da vida social: o
meio econômico, que é pacífico por depender de trocas voluntárias; e o meio
político, que é baseado na dominação e, portanto, é essencialmente violento,
por ser uma apropriação não solicitada do trabalho dos outros. O Estado
surgiria numa sociedade quando algumas pessoas utilizam os meios políticos para
vantagem própria. Essas pessoas estariam numa situação vantajosa para forçar
certas ações aos demais, e as relações passam a ser calcadas em subordinação e
comando.
O Estado
seria então o primeiro de todos os aparatos de dominação. Independente do
desenvolvimento desse Estado, Oppenheimer repete constantemente que sua forma
básica e sua natureza não mudam. Desde o Estado primitivo feudal até a constituição
moderna do Estado, ele ainda é a institucionalização dos meios políticos por um
determinado grupo para expropriar a riqueza econômica de outros.
Parece
auto-evidente que em qualquer grupo de pessoas, grande ou pequeno, existe a
necessidade de uma autoridade que julga conflitos e, em situações
extraordinárias, assume a liderança. Mas para Oppenheimer, essa autoridade não
é o Estado, no sentido que ele usa a palavra. Ele define Estado como uma
organização de uma classe dominante sobre outras classes. Esta organização de
classes pode surgir somente através da conquista e subjugação.
A
formação de classes em tempos históricos não ocorreu através de gradual
diferenciação na competição econômica pacífica, mas foi o resultado de
conquista violenta. A idéia comum entre burgueses e socialistas estava no
conceito do Estado como uma “coleção de privilégios” mantida em violação à lei
natural, enquanto a sociedade era vista como uma forma de união humana em
conformidade com a lei natural. Os senhores feudais, em contrapartida,
desejavam manter o status quo, o uso do aparato estatal para seus próprios
interesses.
Em todos
os lugares onde o desenvolvimento de tribos atingiu uma forma mais elaborada,
segundo Oppenheimer, o Estado cresceu pela subjugação de um grupo por outro.
Sua justificação básica, sua raison d’etre, estava e está na exploração
econômica desses subjugados. Os nômades conquistavam grupos e mantinham
escravos. Eles foram os inventores da escravidão, e, portanto, plantaram as
sementes do Estado, a primeira exploração econômica do homem pelo homem.
Fazia
mais sentido poupar os inimigos capturados e usá-los como escravos no pasto,
daí a transição da matança dos vencidos para sua escravização. Com a introdução
de escravos na economia tribal das hordas, os elementos essenciais do Estado já
estão presentes, exceto a delimitação dos limites territoriais. O Estado
aparece como uma forma de domínio, e sua base econômica é a exploração do
trabalho humano. Sempre que a oportunidade aparece, e o homem possui a força
para tanto, ele prefere o meio político ao econômico para preservar sua vida.
Após a
conquista, os estágios diferentes vão gradualmente levando a uma mudança de
percepção dos conquistados. Eles começam a se acostumar com a horda
conquistadora, e passam a vê-la como seus protetores em relação às ameaças
externas. Os hábitos vão se misturando, a língua vai virando uma só, e surge o
sentimento de unidade, que cresce com o sofrimento comum, a vitória comum, a
derrota comum. Ambos os diferentes grupos étnicos acabam juntos numa mesma
terra, e as disputas que surgem com outros clãs ou outras vilas fortalecem esta
união.
Os
senhores assumem o direito de arbitrar, e quando necessário, forçar seu
julgamento sobre os servos. O conceito de nacionalismo vai evoluindo, e aparece
a necessidade cada vez mais freqüente de interferir, punir ou exigir obediência
pela coerção. Assim se desenvolvem os hábitos que serão utilizados pelo
governo, conforme explica Oppenheimer.
O
interesse comum em manter a ordem e a paz produz um forte sentimento de
solidariedade, que pode ser chamado de uma consciência em pertencer ao mesmo
Estado. O homem passa então a racionalizar tal desejo, e justifica a moralidade
do método político usado para a formação do Estado. O grupo que controla o meio
político passa então a desfrutar de certa legitimidade.
Não é
preciso concordar com toda a teoria de Oppenheimer sobre a origem de Estado
para perceber que este irá sempre ser sinônimo de coerção, de força. Enquanto o
meio econômico é o meio das trocas voluntárias entre indivíduos, o meio
político é o meio da imposição através do monopólio do uso da força. Quando
estudamos casos históricos de Estados e suas origens, esta noção fica mais
clara ainda.
Portanto,
o ideal será sempre tentar reduzir ao máximo possível a esfera política, o
poder do Estado e seu escopo, cedendo o máximo de espaço possível ao meio
econômico, pacífico por definição. Qual é este limite para a ação do Estado é
algo que está aberto ao debate, mas somente um ódio muito grande pela liberdade
pode explicar a defesa de um tamanho acima do mínimo necessário para garantir a
paz e a ordem, assim como as liberdades individuais. Se Estado é força e sua
origem está na conquista, defender o menor tamanho possível para esse “monstro”
é dever de todos aqueles que amam a liberdade.
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