Depois
de 12 anos como ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, órgão de
fiscalização do governo, Jorge Hage, saturado, desabafou: “Não me assusto com
mais nada.” Mesmo sem ter investigado cartéis, quadrilhas, esquemas e
escândalos, como ele, posso dizer que no meu caso o que acabou foi a surpresa.
Temo não me espantar com mais nada. Muitos leitores já estão assim: blasés,
cínicos.
É
tamanha a overdose de mais do mesmo todo dia que pode estar ocorrendo uma certa
anestesia após as reações iniciais. Primeiro, os escândalos produziram choque;
em seguida, indignação; depois, apatia; e agora, impotência, como se nada
pudesse ser feito.
A
política tornou-se um espetáculo tristemente enfadonho, alternando personagens
e proezas que se superam diariamente: os de hoje são mais incríveis do que os
de ontem, e certamente menos do que os de amanhã.
Num dia
você diz “não é possível”, ao ler que o desvio no petrolão é seis vezes maior
do que o do mensalão. No dia seguinte, são os e-mails de uma ex-funcionária
mostrando que a cúpula da empresa, incluindo a presidente, fora alertada sobre
uma série de graves irregularidades antes do início da Operação Lava-Jato. E
assim por diante.
Um
gerente se compromete a devolver US$ 100 milhões desviados, e ninguém explica
como um gerente – não um diretor – conseguia acumular essa fortuna sem que um
superior percebesse, numa empresa com hierarquia e níveis de comando e de
controle?
A
geração que nos anos 50 saiu às ruas gritando “O petróleo é nosso” jamais podia
imaginar que o inimigo não estaria fora, mas dentro da estatal, e que o orgulho
nacional um dia viraria caso de polícia ou, como disse um procurador da
República, “uma aula de crime”. De fato, o vocabulário a ela associado passou a
ser o da crônica policial: propina, suborno, corrupção, lavagem de dinheiro,
organização criminosa, desvio, roubo.
E quando
você acha que já viu tudo, vem o Ministério Público e adverte que ainda tem
mais. A Operação Lava-Jato já fez 36 réus, isso até ontem. O que será que ainda
vem por aí? Alguns palácios tremem só de pensar.
Pra não
dizer que não falei das flores, teve Marina Silva em dois momentos especiais:
numa elegante e reveladora entrevista a Roberto D’Ávila, em que em vez de
maldizer os que a maltrataram na campanha preferiu agradecer os 22 milhões que
votaram nela no primeiro turno. E na ilustre posição de “Mulher do ano”, eleita
pela revista inglesa “Financial Times”, que resolveu premiá-la por ser uma
“espécie rara de política”, “visionária e idealista que acredita com
sinceridade no que diz”.
Zuenir Ventura
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