terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O alerta de Laocoonte

Dilma mudou? A presidente compreendeu que é preciso deixar de lado o nacional-desenvolvimentismo, responsável por nossa estagflação?

O cavalo de Troia foi o famoso presente de grego para os troianos, que acabaram abrindo os muros de sua cidade para abrigar aquele imenso trambolho de madeira. Laocoonte, sacerdote de Apolo, veio correndo do interior da cidadela gritando, alarmado: “Estarão ensandecidos? Miseráveis criaturas! Pensam, acaso, que o inimigo partiu? Acreditam não ser obra de traição os presentes gregos?”

Justamente quando Laocoonte já convencera a maioria, os guardas trouxeram Sinon, um grego que fingia ter sido deixado para trás devido à inimizade com Ulisses, mas que na verdade fora por ele plantado como parte do plano. Sinon jurou tratar-se de uma oferenda genuína, feita pelos gregos em tamanho grande deliberadamente, para evitar que os troianos a introduzissem em sua cidade, o que significaria vitória final de Troia.

O resto da história é conhecido. Entorpecidos pelo vinho, os troianos foram dormir, Sinon libertou Ulisses e seus companheiros de dentro do cavalo, os gregos caíram sobre o inimigo adormecido e a matança correu solta. Troia foi saqueada e ficou em ruínas. Laocoonte acabou fatalmente punido por ter percebido a verdade, fazendo advertências a propósito.

Desde então não foram poucos os casos em que certos grupos fizeram oferendas sedutoras aos seus inimigos, enquanto os que alertavam para o perigo acabavam desacreditados ou mesmo ridicularizados.

Deixando Homero para trás e chegando ao presente, temos uma oferenda por parte do PT ao “mercado”, visto muitas vezes como seu inimigo. O governo Dilma acena com mudança de rumo na condução da economia, e indica inclusive um “fiscalista” ortodoxo para o Ministério da Fazenda, um doutor em Chicago, para desespero da turma da Unicamp. Joaquim Levy é a garantia de que a presidente se convenceu de seus equívocos e decidiu mudar, querem acreditar muitos investidores.

Mesmo? Então pensam que o inimigo partiu?, pergunta Laocoonte. Mas e Nelson Barbosa no Ministério do Desenvolvimento, acumulando cada vez mais poder? E os R$ 30 bilhões que o BNDES recebeu de novo aporte do Tesouro logo depois do discurso de austeridade? E o “calote” oficializado pela mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias, que permite jogar para escanteio a responsabilidade fiscal? Não são indícios mais que suspeitos?, pergunta Laocoonte.

A presidente Dilma esteve nesses dias em Quito, no Equador, para falar no encontro da Unasul, que reúne vários países bolivarianos. Culpou a crise internacional pelas dificuldades dos países latino-americanos uma vez mais, ignorando que os países asiáticos e também os Estados Unidos não tomaram conhecimento de tal crise. E propôs como solução uma integração maior desses países, com investimentos conjuntos em infraestrutura, para resguardar a democracia na região. Disse isso ao lado dos bajuladores da ditadura cubana!

Dilma mudou? A presidente compreendeu que é preciso abandonar o nacional-desenvolvimentismo, responsável por nossa estagflação? Mas e esse discurso todo na Unasul, feito pouco depois que Lula foi lá também para condenar os Estados Unidos por quase todos os males do mundo?, pergunta Laocoonte.

Não obstante evidências suspeitas, muitos desejam crer na mudança, na boa vontade dos “gregos”. Vejam que até Fernando Henrique Cardoso, em sua coluna neste domingo, fez inúmeras concessões à “presidenta”, como ele mesmo a chama. Começou afirmando que a legalidade de sua vitória é indiscutível, sendo que sequer temos o resultado da auditoria independente nas urnas eletrônicas.

E diz isso no momento em que um empresário faz a grave denúncia de que sua ajuda de campanha foi pagamento de propina para o PT. Caso fiquem comprovadas, isso não anula a legalidade do pleito e abre inclusive espaço para um eventual impeachment? Como pode, então, FH atestar de forma tão precipitada que a vitória da reeleição foi indiscutivelmente legal?

Ao término do texto, Fernando Henrique diz que Dilma é “mulher sincera”. Com base em quê? Dilma foi sincera na campanha, por acaso, quando mostrou a comida dos pobres sumindo caso alguém “ligado aos banqueiros” vencesse e subisse os juros? Foi sincera quando tentou passar a ideia aos leigos de que era ela quem estava investigando os “malfeitos” na Petrobras? Dilma foi sincera quando respondeu com o silêncio à pergunta sobre o que achava dos mensaleiros condenados? Que sinceridade toda é essa que só FH capta em Dilma?

Se nossa oposição continuar dormindo assim, vamos acabar aceitando oferendas que são, na verdade, ardis dos inimigos da democracia. Eis o alerta de Laocoonte.

Rodrigo Constantino é economista e presidente do Instituto Liberal

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...