Dilma
mudou? A presidente compreendeu que é preciso deixar de lado o
nacional-desenvolvimentismo, responsável por nossa estagflação?
O cavalo
de Troia foi o famoso presente de grego para os troianos, que acabaram abrindo
os muros de sua cidade para abrigar aquele imenso trambolho de madeira.
Laocoonte, sacerdote de Apolo, veio correndo do interior da cidadela gritando,
alarmado: “Estarão ensandecidos? Miseráveis criaturas! Pensam, acaso, que o
inimigo partiu? Acreditam não ser obra de traição os presentes gregos?”
Justamente
quando Laocoonte já convencera a maioria, os guardas trouxeram Sinon, um grego
que fingia ter sido deixado para trás devido à inimizade com Ulisses, mas que
na verdade fora por ele plantado como parte do plano. Sinon jurou tratar-se de
uma oferenda genuína, feita pelos gregos em tamanho grande deliberadamente,
para evitar que os troianos a introduzissem em sua cidade, o que significaria
vitória final de Troia.
O resto
da história é conhecido. Entorpecidos pelo vinho, os troianos foram dormir,
Sinon libertou Ulisses e seus companheiros de dentro do cavalo, os gregos
caíram sobre o inimigo adormecido e a matança correu solta. Troia foi saqueada
e ficou em ruínas. Laocoonte acabou fatalmente punido por ter percebido a
verdade, fazendo advertências a propósito.
Desde
então não foram poucos os casos em que certos grupos fizeram oferendas
sedutoras aos seus inimigos, enquanto os que alertavam para o perigo acabavam
desacreditados ou mesmo ridicularizados.
Deixando
Homero para trás e chegando ao presente, temos uma oferenda por parte do PT ao
“mercado”, visto muitas vezes como seu inimigo. O governo Dilma acena com
mudança de rumo na condução da economia, e indica inclusive um “fiscalista”
ortodoxo para o Ministério da Fazenda, um doutor em Chicago, para desespero da
turma da Unicamp. Joaquim Levy é a garantia de que a presidente se convenceu de
seus equívocos e decidiu mudar, querem acreditar muitos investidores.
Mesmo?
Então pensam que o inimigo partiu?, pergunta Laocoonte. Mas e Nelson Barbosa no
Ministério do Desenvolvimento, acumulando cada vez mais poder? E os R$ 30
bilhões que o BNDES recebeu de novo aporte do Tesouro logo depois do discurso
de austeridade? E o “calote” oficializado pela mudança na Lei de Diretrizes
Orçamentárias, que permite jogar para escanteio a responsabilidade fiscal? Não
são indícios mais que suspeitos?, pergunta Laocoonte.
A
presidente Dilma esteve nesses dias em Quito, no Equador, para falar no
encontro da Unasul, que reúne vários países bolivarianos. Culpou a crise
internacional pelas dificuldades dos países latino-americanos uma vez mais,
ignorando que os países asiáticos e também os Estados Unidos não tomaram
conhecimento de tal crise. E propôs como solução uma integração maior desses
países, com investimentos conjuntos em infraestrutura, para resguardar a
democracia na região. Disse isso ao lado dos bajuladores da ditadura cubana!
Dilma
mudou? A presidente compreendeu que é preciso abandonar o
nacional-desenvolvimentismo, responsável por nossa estagflação? Mas e esse
discurso todo na Unasul, feito pouco depois que Lula foi lá também para
condenar os Estados Unidos por quase todos os males do mundo?, pergunta
Laocoonte.
Não
obstante evidências suspeitas, muitos desejam crer na mudança, na boa vontade
dos “gregos”. Vejam que até Fernando Henrique Cardoso, em sua coluna neste
domingo, fez inúmeras concessões à “presidenta”, como ele mesmo a chama.
Começou afirmando que a legalidade de sua vitória é indiscutível, sendo que
sequer temos o resultado da auditoria independente nas urnas eletrônicas.
E diz
isso no momento em que um empresário faz a grave denúncia de que sua ajuda de
campanha foi pagamento de propina para o PT. Caso fiquem comprovadas, isso não
anula a legalidade do pleito e abre inclusive espaço para um eventual
impeachment? Como pode, então, FH atestar de forma tão precipitada que a
vitória da reeleição foi indiscutivelmente legal?
Ao
término do texto, Fernando Henrique diz que Dilma é “mulher sincera”. Com base
em quê? Dilma foi sincera na campanha, por acaso, quando mostrou a comida dos
pobres sumindo caso alguém “ligado aos banqueiros” vencesse e subisse os juros?
Foi sincera quando tentou passar a ideia aos leigos de que era ela quem estava
investigando os “malfeitos” na Petrobras? Dilma foi sincera quando respondeu
com o silêncio à pergunta sobre o que achava dos mensaleiros condenados? Que
sinceridade toda é essa que só FH capta em Dilma?
Se nossa
oposição continuar dormindo assim, vamos acabar aceitando oferendas que são, na
verdade, ardis dos inimigos da democracia. Eis o alerta de Laocoonte.
Rodrigo
Constantino é economista e presidente do Instituto Liberal
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