Um fio
da teia do mensalão foi esticado na outra margem do Atlântico: ex-presidente da
PT Telecom está sob investigação por uma obscura transação que levou ao
escândalo
Parece
que foi ontem. E já faz uma década. No sábado, 14 de maio de 2005, “Veja” expôs
em vídeo o chefe de um departamento dos Correios relatando detalhes da
corrupção na empresa estatal com envolvimento de políticos.
Começava
a ser revelado o mensalão, operação político-empresarial montada no governo
Lula para financiar a “maior base parlamentar do Ocidente", na definição
do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Vinte e seis pessoas foram condenadas,
em quadrilha, por corrupção, lavagem de dinheiro e fraudes variadas. Denunciado
como “chefe”, Dirceu cumpre sentença em regime semiaberto. Seu “operador”,
Marcos Valério, amarga a perspectiva de envelhecer na cadeia.
Na
sexta-feira passada, um fio da teia do mensalão foi esticado na outra margem do
Atlântico. A Procuradoria de Portugal anunciou inquérito contra Miguel Horta e
Costa, ex-presidente da PT Telecom, atualmente conselheiro do Banco Espírito
Santo de Investimentos. Ele esteve no centro de uma obscura transação que
detonou o caso do mensalão.
Em
outubro de 2004, Dirceu o encaminhou a uma conversa com Lula. Na época, o
deputado Roberto Jefferson cobrava US$ 10 milhões supostamente prometidos em
troca do apoio parlamentar do PTB ao governo. Segundo Jefferson, Dirceu o
orientou a receber o dinheiro da PT Telecom, em Portugal. Dirceu nega.
Na
segunda-feira, 24 de janeiro de 2005, o tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri,
viajou a Lisboa na companhia de Valério. O operador do mensalão foi recebido
por Horta e Costa, que o encaminhou a António Mexia, na época ministro
português de Obras. Palmieri, tesoureiro do PTB, retornou sem o dinheiro.
Semanas depois, houve a ruptura: Jefferson contou parte do que sabia na tribuna
da Câmara.
Passaram-se
sete anos. Em setembro de 2012 Valério deu sua versão, em depoimento: Lula e o
então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, haviam acertado com Horta e Costa,
no Palácio do Planalto, que a PT Telecom pagaria ao PTB. O dinheiro sairia de
um fornecedor da empresa portuguesa instalado em Macau, na China. Em
contrapartida, o governo repassaria parte da reserva de US$ 800 milhões do
Instituto de Resseguros do Brasil para o Banco Espírito Santo. Nave-mãe do
grupo português acionista da PT Telecom/Oi, o banco faliu recentemente.
Não se
conhecem detalhes do inquérito português sobre a participação de Horta e Costa
no mensalão. Sabe-se que, na sexta-feira, ele saiu do Departamento Central de
Investigação, em Lisboa, como investigado. Sabe-se, também, que essa teia
luso-brasileira é alvo de outros inquéritos.
Em
Curitiba avança um deles sobre o circuito de lavagem das propinas pagas em
negócios da Petrobras realizados na África — especialmente em Angola. Há outro,
em Brasília, sobre R$ 700 milhões em contratos governamentais com a suíça
Octapharma para compra de derivados de sangue humano. Até o mês passado, o
representante da Octapharma no Brasil era José Sócrates, ex-primeiro ministro
português. Ele está no presídio de Évora, em Lisboa, sob acusações de
corrupção, lavagem de dinheiro e fraude fiscal. Sócrates escreveu uma
dissertação acadêmica sobre tortura (“A Confiança no mundo"). Ele mesmo
comprou quase todas as 12 edições. O prefácio é assinado por um amigo, Lula.
José Casado - O Globo, 13/01/2015
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