segunda-feira, 12 de maio de 2014

A economia repetida como farsa

Rolf Kuntz - O Estado de S. Paulo

Bem-vindos de volta aos anos 50, ou, melhor, bem-vindos ao arremedo dos anos 50, a história repetida como farsa. As professoras do curso primário ainda apresentavam o Brasil, naquele tempo, como "um país essencialmente agrícola", apesar da onda de mudanças – a criação recente da grande siderurgia, a fundação da Petrobrás, a organização do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, a expansão das fábricas de bens de consumo e a bandeira da industrialização acelerada. 

Hoje, como há seis décadas, a exportação depende dos produtos básicos. De janeiro a abril deste ano, só essa categoria proporcionou uma receita maior que a de um ano antes. Esse faturamento, US$ 33,91 bilhões, foi 4,2% superior ao dos primeiros quatro meses de 2013. Ao mesmo tempo, recuaram as vendas de industrializados. Também como nos tempos de Getúlio e JK, incentivos especiais e esquemas de proteção comercial são usados para favorecer a indústria local. Mas essa indústria há muito tempo deixou de ser nascente, a substituição de importações perdeu sentido e muitos países naquele tempo subdesenvolvidos tornaram-se potências dinâmicas e competitivas.

Na repetição farsesca dos anos 50, o governo atribui à oposição o desejo de privatizar a Petrobrás, quando a privatização de fato é promovida pelo grupo no poder, ao aparelhar, lotear e submeter as estatais a interesses partidários e pessoais dos governantes e de seus aliados. Esse mesmo padrão de comando levou a Petrobrás a negócios desastrosos, prejudicou sua receita, dificultou seus investimentos, converteu-a na empresa mais endividada do mundo – como noticiou a imprensa internacional – e corroeu seu valor de mercado. Tudo isso bastaria para compor uma história de incompetência, irresponsabilidade e abuso, mesmo sem o complemento das suspeitas de pilhagem, das prisões e da investigação criminal.

Na farsa do retorno aos anos 50, a sexta ou sétima economia mundial aparece em 22.º lugar entre os exportadores e só escapa de uma posição mais humilhante graças ao agronegócio e a um setor de mineração ainda com sinais de vitalidade. A nova pesquisa da indústria, recém apresentada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com universo mais amplo e ponderação atualizada, serviu principalmente para confirmar as más condições do setor. Pelas novas contas, a produção industrial cresceu 2,3% em 2013, quase o dobro da taxa indicada pelo velho critério, 1,2%. Mas esse crescimento mal bastou para compensar o recuo do ano anterior, 2,3%.

Pelas novas contas, a produção de bens de capital – máquinas e equipamentos – também continuou em crise, com redução de 11,2% em 2012 e expansão de 11,3% no ano passado. No primeiro trimestre deste ano, as fábricas desses bens produziram 0,9% menos que entre janeiro e março de 2013. Esses dados confirmam a pouca disposição dos empresários de ampliar e modernizar a capacidade produtiva e tornam risível, mais uma vez, a promessa oficial de avanço econômico puxado pelo investimento.

Nos anos 50 o presidente Juscelino Kubitschek instalou uma administração paralela – os grupos executivos – para cuidar da implementação do Plano de Metas. A alternativa, segundo a avaliação da equipe de governo, seria atrasar o plano para reformar a máquina federal. Pode-se discutir se um caminho intermediário seria possível, mas um dado é inegável. No fim de cinco anos, a maior parte das metas havia sido alcançada: a industrialização havia avançado e uma nova capital havia sido plantada no centro do País.

Sobraram custos importantes e pressões inflacionárias, mas o governo seguinte, com alguma competência, poderia ter realizado os ajustes. Não se pode culpar JK nem pela renúncia de Jânio nem pelo desperdício de oportunidades na gestão de João Goulart, incapaz de sustentar politicamente a dupla Celso Furtado-San Tiago Dantas e garantir a execução do Plano Trienal.

Na reprodução em forma de farsa, o planejamento foi alardeado na retórica e abandonado na prática. Nem se planejou, nem se reformou a administração, nem se buscaram alternativas para maior eficiência. Falar em produtividade do setor público foi estigmatizado como discurso neoliberal. Escolheu-se como política a distribuição de postos a companheiros e aliados, tanto na administração direta quanto nas autarquias e empresas. Ao ocupar o Palácio do Planalto, em 2011, a presidente Dilma Rousseff prometeu cuidar da qualidade da gestão federal. Nunca deu um passo para isso.

A farsa da repetição teve improvisação no lugar do planejamento, distribuição arbitrária de benefícios, excesso de gastos, promiscuidade entre Tesouro e bancos oficiais, interferência desastrada na formação de preços e muito mais estímulo ao consumo do que à produção. Um déficit em conta corrente próximo de 3,5% do PIB, bem maior que o investimento estrangeiro direto, foi uma das consequências. Outro resultado importante, além, é claro, da estagnação industrial, foi uma inflação sempre na vizinhança de 6% ao ano, muito acima da meta, 4,5%.

Em abril, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 0,67%. O governo pode apontar uma melhora, depois da taxa de 0,92% em março. Mas uma alta de 0,67% ao mês corresponderia, em um ano, a 8,34%. O acumulado efetivo em 12 meses ficou em 6,28%, muito perto do limite de tolerância (6,5%). Em outras economias emergentes, bem mais dinâmicas, a alta de preços tem raramente superado 3%. Mas o quadro da inflação brasileira pode piorar, com a descompressão de preços contidos politicamente e nenhum esforço do governo para conter seus gastos.


Há, no entanto, pelo menos uma boa notícia. Segundo o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, os torcedores ingleses podem vir tranquilos para a Copa da Fifa. Não haverá, garantiu, perigo maior que o enfrentado pelos soldados britânicos no Iraque. Faltou explicar se os torcedores deverão vir armados, como os militares enviados à guerra.

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