No gramado,
é impossível dizer se o Brasil sairá vitorioso na Copa do Mundo, que começa
dentro de 23 dias. No campo político, a batalha parece perdida pelo governo.
Nunca na
história do país do futebol houve tantas pessoas enfurecidas ou indignadas com
os gastos feitos para a realização de um Mundial, ainda mais no Brasil.
Que a Copa
seja motivo de polêmicas já é algo antes inimaginável, que revela, talvez,
mudanças profundas em direção a uma cidadania reivindicativa - este, seria, sem
dúvida, um bom legado da Copa.
E, no que
se refere à preparação técnica e organizacional para o evento, o Brasil corre
não só para entregar obras que já deveriam estar prontas, como para evitar
desastres que prejudiquem a sua imagem.
Para ser
escolhido como país sede da Copa, o Brasil enviou à Federação Internacional de
Futebol (Fifa) um cartapácio com 3,5 mil páginas onde relacionava todo o
necessário para o evento.
Confirmada
a escolha, que se deve à popularidade do então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e aos bons resultados que sua administração colhia em 2007, a bola passou
para o país.
Já se
previa, embora o ufanismo o camuflasse, que os preparativos não fugiriam à
tradição brasileira de falta de planejamento, atrasos, improvisação, estouro de
custos e baixa qualidade.
Como
propaganda era a alma para vender aos brasileiros a realização do Mundial, o
governo cruzou as obras necessárias ao evento com as do Programa de Aceleração
do Crescimento e tudo, de obras de mobilidade urbana a estádios, entrou no tal
"legado da Copa", que seria fatalmente positivo.
Não há jogo
sem estádio e eles tiveram a prioridade. Ainda assim, a um alto custo e com
desperdícios. Para a Fifa, oito sedes seriam suficientes. O governo emplacou
12, talvez para atender interesses de sua enorme base aliada, em conta que pode
atingir R$ 8 bilhões.
A melhoria
dos infernais transportes coletivos foi apresentada como um dos subprodutos
mais valiosos da competição. Ao choque de realidade, o discurso mudou.
Primeiro,
os projetos de mobilidade urbana ficaram para trás dentre as obras da Copa. A
tempo, ao que parece, só o VLT de Fortaleza foi concluído.
Os demais
entraram então no cronograma mais moroso do PAC, do qual constavam
originalmente. Membros do governo agora dizem que esses empreendimentos nunca
estiveram ligados ao Mundial.
Não só em
grandes obras de engenharia os atrasos se tornaram preocupantes. Em fevereiro,
há quatro meses dos jogos, auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU)
revelou que nenhum dos contratos para implantar estrutura de apoio a turistas
estava sendo executado.
De hotéis a
aeroportos, quase nada do que foi planejado ficará pronto no momento adequado.
Vieram as
manifestações de junho e sua cobrança por melhores serviços públicos e, entre
outras coisas, as perspectivas para o Mundial mudaram - ele se tornou símbolo
de gastos supérfluos.
Enquanto o
governo perdia pontos com isso, a crônica incapacidade gerencial expunha o
Brasil a cobranças vexatórias vindas da Fifa, um órgão manchado por denúncias
de corrupção.
Seu
secretário-geral, Jerôme Valcke, chegou a dizer que os brasileiros mereciam um
"pontapé no traseiro" por não realizarem os preparativos a contento.
A
arrogância dos cartolas internacionais subiu uma nota com as declarações
infames do presidente Joseph Blatter, de que, para o país melhorar, é preciso a
"vontade do povo de trabalhar". O governo brasileiro não protestou
publicamente contra elas.
Com a maior
parte da população agora achando que a Copa no Brasil não foi uma boa ideia -
52%, segundo pesquisa mais recente do Datafolha - e as chances de reeleição da
presidente Dilma Rousseff em baixa, o humor nas hostes governistas desandou.
O
ex-presidente Lula, que geralmente tem certeira intuição política, errou feio
ao dizer que o desejo de ter metrô até os estádios era "babaquice" -
isso, apenas um dia depois de ocorrerem protestos em várias cidades do país
contra a Copa e por melhores transportes.
Haverá,
assim, Copa, do jeito brasileiro, improvisada e sujeita aos azares. Ela já
desagradou a uma multidão de brasileiros e corre o risco de não cativar
milhares de turistas estrangeiros esperados.
Não há
dúvidas de que, com a seleção em campo, o Brasil vestirá a camisa, mas fora
dele prevalecerá uma forte e difusa insatisfação com as mazelas sociais do
país.
Editorial do Valor Econômico - 20/05/2014
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