domingo, 11 de maio de 2014

O país do descompasso - Mauro Pereira

O PAÍS DO DESCOMPASSO

O Partido dos Trabalhadores passou a maior parte de sua história sustentando que era um partido diferente. E realmente o foi, aliás, até mesmo antes de sua fundação. Contrariando todas as expectativas que o precedia, preferiu primeiro preservar o futuro político e pessoal de suas lideranças sindicais criando um partido político para abrigá-las dando início a mais desprezível dinastia partidária-sindical que se consolidaria ao longo de mais de trinta anos.

Somente depois de certificar-se que seus valentes jamais necessitariam ter de voltar a pisar num chão de fábrica se dispôs a considerar a criação de uma central sindical. Aí já era tarde. Maculada na sua essência pela perfídia perpetrada por Lula e seus sequazes, as lendárias greves do final dos anos 70 do século passado, que se revelaram para os trabalhadores como o princípio das oportunidades, não passaram de um embuste histórico cujo legado restringiu-se a consolidação de uma elite classista inepta debilitada pela vassalagem ordinária e que tem seus valores éticos e padrões morais determinados de acordo com as necessidades de sindicalistas pelegos e de políticos oportunistas e venais.


No primeiro embate de dimensão nacional, mostrou à sociedade brasileira o quanto não era igual às demais legendas. Surfando na crista da onda mais alta do revolto mar da mesquinharia, não se importou em flertar perigosamente com o retrocesso e colocar em risco o processo de redemocratização do Brasil negando-se a participar da histórica eleição que, além de consagrar Tancredo Neves como o primeiro presidente pós-ditadura, encerrou o período de exceção que vigorava há mais de duas décadas.

Assim como traíra os trabalhadores, não hesitou em trair os brasileiros estabelecendo como prioridade difundir o seu fracassado projeto de confirmação ideológica que o decorrer inexorável do tempo se incumbiria de desmistificar mostrando que toda aquela encenação medíocre tratava-se apenas de pano de fundo para mascarar a manobra torpe que convergia para o encurtamento do caminho que o separava do poder e ajustava as coordenadas da rota do partido na insana jornada ao centro da hegemonia.

E assim foi se firmando vendendo a idéia de que era um partido diferente, esgueirando-se, no entanto, por detrás de uma pureza ideológica de araque muito bem articulada, mas que revelou-se mero atalho para viabilizar sua estratégia de domínio absoluto. Vencida esta etapa, desfez-se dos farrapos ideológicos que ainda o mantinha atrelado à arenga socialista que havia sido tão útil, mas que poderia ser um entrave ao seu plano de perpetuar-se no poder, e deixou transparecer  toda a dimensão de sua diferença ao apoderar-se indevidamente das realizações de governos anteriores, ao romper com o seu passado e aliançar-se  com o que havia  de pior na política nacional,  ao juntar-se com a fina flor do capitalismo selvagem e ao consumar, sem vergonha,  o maior curral eleitoral que já se teve notícias.

Por direito conquistado nas urnas, coube aos petistas, liderados pelo presidente eleito, a missão de dar andamento a decantada maneira diferenciada de executar a administração pública e os acontecimentos que se sucederam desde 2003 provaram que eram diferentes até mesmo na prática da corrupção. Inovaram na forma de estabelecer a maioria no Congresso Nacional inventando o mensalão e se superaram ao desprezar os métodos antiquados praticados por outros presidentes que dedicavam, ainda que minimamente, algum lampejo de decência na hora de costurar acordos políticos para fortalecer suas bancadas no Senado e Câmara dos Deputados lançando o revolucionário sistema de aluguel de base de sustentação política.

No transcorrer dessa parceria indecente, tornou-se evidente algum desacerto na fixação do preço ajustado quando da redação do texto pactuado, pois virou rotina locatários coléricos manifestarem publicamente sua indignação com o descumprimento de cláusulas contratuais por parte do locador que, ressalte-se, sempre agiu com presteza reajustando os preços a contento o suficiente para selar a paz nesse antro de promiscuidade. Pelo menos enquanto a cólera não agitar novamente essas águas putrificadas, proibidas para o consumo dos políticos honestos.

Sempre perseguindo o rastro da diferenciação, em toda nossa história republicana nenhum outro presidente teve a coragem de ser tão diferente quanto a que Lula ousou ter. Passou os oitos anos dos seus dois mandatos alegando não saber de nada, mas sempre carregou na alma o indisfarçável desejo de apoderar-se de tudo. Atenta, a regra exigiu a exceção que lhe é devida e, como castigo, fez de Paulo Maluf a única igualdade na diferença petista. Lula é exatamente igual a ele!

Na verdade, a revolucionária diferença cantada em verso e prosa pela cáfila petista atingiu seu ápice no confuso jogo de palavras da presidente Dilma Roussef quando ela afirmou que o Brasil não é o “Joãozinho do passo certo, nem o Joãozinho do passo errado”. Sem nenhum trauma de consciência, um brasileiro mais atento poderia deduzir que, segundo suas palavras, o Brasil é o país do descompasso.

Mauro Pereira

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