O ministro
Joaquim Barbosa é impetuoso, não mede as palavras, bate de frente quando acha
que deve bater e não foram poucas as ocasiões em que perdeu as estribeiras no
Supremo Tribunal Federal.
Características
mercuriais que aparentemente contrastam com a absoluta serenidade com que ele
se manteve senhor da razão diante da popularidade jamais alcançada por um
magistrado e dono do próprio tempo de sair de cena; soube ver a hora de fazê-lo
antes do declínio que não raro se segue ao auge.
Deixar o
Supremo antes da aposentadoria compulsória não é prática incomum. O decano da
Corte, Celso de Mello, já anunciou que pretende antecipar a saída prevista para
2015. Nos últimos anos, por motivos diferentes, Nelson Jobim, Ellen Gracie e
Eros Grau se aposentaram quando ainda tinham tempo pela frente. Mas não houve
comoção nem maiores especulações. Joaquim Barbosa é um caso peculiar.
Depois da
atuação como relator no processo do mensalão e da passagem pela presidência do
STF, que lhe conferiram notoriedade (nos melhores e nos piores dos sentidos,
dependendo do ponto de vista), a volta dele como apenas mais um integrante do
colegiado ficaria muito difícil. Nada poderia ser como antes. Pasta de dentes
que não volta ao tubo.
De
imediato, por dois anos estaria sob a presidência de Ricardo Lewandowski, seu
mais ferrenho oponente durante o julgamento em que atuou como ministro revisor
e cujos embates com Barbosa chegaram a ultrapassar limites de civilidade. De
parte a parte, diga-se. Apenas um estava sempre no papel de algoz e outro
ficava na posição de vítima.
Sem a
presidência ou a autoridade da relatoria de um processo em que foi na maior
parte dele irretorquível - basta ver que foi acompanhado pela maioria em quase
todas as suas posições -, Barbosa ficaria bastante vulnerável. Os atritos que
criou deixaram sequelas que não podiam ser resolvidas ali, enquanto ele
estivesse no comando. Mas, depois, talvez o pusessem no rumo do isolamento, do
desprestígio.
Diferentemente
do ministro Marco Aurélio Mello, com vocação para a polêmica e prazer acadêmico
de divergir, Joaquim Barbosa não é homem de aceitar com facilidade o
contraditório. Não perde com o mesmo conforto daquele que, ao contrário, não
abre mão do direito de ser voto vencido há mais de 20 anos.
Mais que
questões de saúde - existentes nos 11 anos em que o ministro passou na Corte -
a decisão, de resto anteriormente já anunciada embora sem data, parece ter sido
pautada por um sexto sentido que lhe avisou: a missão está cumprida, chega.
O mesmo que
o aconselhou a não cair na tentação de atender ao canto da sereia deste ou
daquele partido interessado na sua popularidade para fazer do ministro um
"puxador" de votos. Tivesse feito isso, teria passado recibo aos que
o acusavam de ter dado condução política ao processo do mensalão.
Dora Kramer - O Estadão - 30/5/2014
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