FERNÃO LARA
MESQUITA - O ESTADO DE S.PAULO
12 Novembro
2014
Se tiver
plebiscito, arriscamos o inarriscável; se não tiver, não tem reforma e não
desatolamos do pântano da traficância de "governabilidade" onde tudo
apodrece.
Existe a
"bala de prata" capaz de nos livrar dessa armadilha?
Existe. E é
uma lástima que tenhamos chegado ao ponto de estar impedidos de usá-la por
falta de segurança institucional, sobretudo depois que a Comissão Executiva
Nacional do PT, em desafio ao Congresso Nacional, renovou o compromisso com a
imposição de uma "democracia popular hegemônica" por via
plebiscitária na "Resolução Política" de 3 de novembro.
A reforma
política visa, em última instância, a contemplar o eterno desafio da democracia
representativa: como fazer o representante votar segundo a vontade dos seus
representados, e não segundo os seus interesses escusos. As distorções da nossa
ordem eleitoral e partidária são dolosas: não é falta de receita melhor, é
consequência da intocável onipotência do político brasileiro depois de eleito.
Para consertar isso é preciso atacar a causa, e não os efeitos. Não é o que vem
sendo proposto.
Onde não há
intenções inconfessáveis, já foi explicado aqui, o instrumento do plebiscito é
usado exclusivamente para dirimir questões de formulação simples, sem mais
implicações que a expressamente contida na pergunta submetida aos eleitores
para um "sim" ou um "não". Misturar ordem partidária, ordem
eleitoral, financiamento de campanhas, cláusula de barreira, democracia direta
e não sei quanta coisa mais num único pacote e pedir uma decisão por
"sim" ou "não" e maioria simples, como quer o PT, é muito
mais complicado e perigoso que isso.
Pra que
começar a conversa das reformas, então, se com plebiscito está jurado que
levaremos gato por lebre e sem plebiscito o canal que sobra é o dos próprios
beneficiários das perversões do sistema atual, que jamais se disporão a
alterá-lo? A saída dessa sinuca está em redefinir apenas a norma que regula a
relação de cada um de nós com o nosso representante eleito. Esta, sim, pode ser
reduzida a uma pergunta simples, sem nenhuma implicação outra senão a que está
expressamente contida na sua própria formulação e ir a plebiscito com totais
segurança e adequação entre forma e função. Assim: "Você é a favor do
direito de retomada a qualquer momento do mandato atribuído ao seu
representante eleito por votação distrital?".
Se
"todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido", nada mais
lógico que cada cidadão continue sendo o proprietário exclusivo do mandato
temporária e condicionalmente atribuído pelo seu voto a um representante também
para retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, seja ela traição ou só
falta de empenho.
Você não
precisa ser pego roubando seu empregador - e ai de você se for! - ou fazendo o
jogo do concorrente dele para ser demitido. Basta que se dedique menos que o
colega ao seu lado. Por que com os políticos deveria ser diferente? A resposta
é: absolutamente não deveria.
Na verdade,
é esta, e apenas esta, a fronteira da servidão.
Para que o
direito de "recall", como o chamam os americanos, ou de "chamar
de volta" o seu voto, de "retomar" um mandato, de "dar um cartão
vermelho" ao seu representante eleito (podemos começar essa batalha
pensando num bom nome para esse expediente em português) sem que isso provoque
qualquer perturbação na vida da Nação; para que o País possa ir sendo reformado
sempre que isso parecer necessário a quem nele trabalha para sustentar a
família enfrentando a concorrência feroz do resto do mundo, é preciso que o
direito de recall venha acompanhado do voto distrital puro.
Nesse
sistema cada candidato só se pode oferecer aos eleitores de um distrito - algo
como o pessoal que vota na mesma zona eleitoral que você, no âmbito municipal,
ou como a soma de vários distritos se a cidade for grande o bastante ou a
eleição for estadual ou federal -, de modo que se fica sabendo exatamente quem
representa quem. Para derrubar um representante insatisfatório qualquer
cidadão, do mendigo da rua para cima, pode iniciar uma petição. Se x% dos
eleitores desse distrito (uma porcentagem a ser definida, que lá fora varia
entre 5% e 7% dos votos que o candidato obteve) houverem por bem fazê-lo,
convoca-se uma votação só naquele distrito e se a maioria assim decidir, ele
cai.
Mas
atenção: a finalidade é obter o recall, sendo o voto distrital apenas o meio de
facilitar o exercício desse direito. Propor o voto distrital puro, ou misto, ou
sei lá que outra variação, sem o recall num país onde a política está cercada
de caras de pau pelos 28 lados, na expectativa de que uma mera "pressão
moral" mude o comportamento de quem não se vexa de nos assaltar diariamente
sem sequer usar máscara, já não pode ser chamado só de ingenuidade. É quase
cumplicidade.
A
combinação de recall com voto distrital puro é simples e transparente: todos os
eleitores, sem exceções nem privilégios, participam; cada cidadão passa a ter
um poder concreto, mas ninguém, individualmente, fica com poder demais. Mesmo
assim se torna imediatamente claro para o político que cada um de nós tem o
poder de derrubá-lo a qualquer momento sem pedir licença a ninguém, mais que os
outros eleitores do seu distrito que concorreram para elegê-lo. Isso muda
radical e definitivamente a qualidade do jogo. Transfere não só a pauta, como
também a iniciativa das reformas - a política e todas as outras que quisermos
fazer - das mãos de quem diz que fala pelo povo para as do povo em pessoa. Não
tem tapeação. Com essa arma na mão você nunca mais terá de pedir aos deputados
que façam esta ou aquela reforma ou punam este ou aquele corrupto. Você
ordenará ao seu deputado que faça isso - e exatamente segundo a sua encomenda -
ou ele terá de procurar outro emprego.
Todos os
povos que adotaram esse sistema puseram a corrupção sob controle e, de reforma
em reforma empurrada goela abaixo dos políticos sob a mira dessa arma, viraram
senhores do seu próprio destino. Os outros estão como nós estamos.
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